Espaço Literário no Substack

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23/11/2019

Vácuo Preenchido

Lula passou 580 dias preso na masmorra política de Curitiba e nesse extenso lapso temporal - um ano e meio! - não despontou nenhuma alma brasileira com disposição e legitimidade para liderar a oposição a BolsoNero.

Cá entre nós petistas, nem Fernando Haddad conseguiu se firmar nessa posição, como esperávamos, muito menos Ciro Gomes, que passou esse tempo todo tentando, isso sim, consagrar-se como líder antipetista e fazendo acenos e constrangedores afagos ao governo BolsoNero.

Foi Lula sair da prisão política para sua liderança aflorar natural e imediatamente. Nem a mídia elitista, que durante todo o período de confinamento condenou o ex-presidente ao ostracismo, está conseguindo ignorar o grande comandante da oposição que ressurgiu com sangue nos olhos.

E ressurgiu colocando os pingos nos is sobre a lenga-lenga da "autocrítica do PT" e reconhecendo a polarização como necessária no processo político.

Candidato ou não, Lula está em campo nesse jogo histórico entre a civilização, representada por ele e por todos aqueles que reconhecem a Política como atividade humana necessária para a paz social e a Democracia como seu melhor regime, e, no polo oposto, a barbárie representada por BolsoNero, seu clã, seu multifacetário ministério e seu amplo suporte miliciano - compreendendo as milícias propriamente ditas, armadas e sediadas no Rio de Janeiro, e as virtuais, que incluem robôs e uma rede de odientos que se prestam ao papel de massa de manobra do bolsonarismo.

(Luís Antônio Albiero, em São José dos Campos, 23 de novembro de 2019)

11/11/2019

Livre, Leve e Solto

Agora, essa!

Algum peão tocador de berrante soprou que "Lula está solto, mas não está livre" e essa praga se espalhou mais que carrapato em meio ao gado, mais contagiosa que o mal da vaca louca, que compromete o cérebro dos animais.

O desapreço que essa gente tem por um simples dicionário é inacreditável. Bastava folhear um, e eu juro que não é difícil procurar palavras pela ordem alfabética. É uma questão de hábito.

Lula está livre, sim. Livre, leve e solto!

Ele está tão livre quanto eu e você, que acreditou nessa patacoada.

Sabe por quê? Porque ele, eu e você somos inocentes, não somos culpados de nada, porque não há sentença condenatória transitada em julgado contra nenhum nós (bom, falo por mim e por Lula, pois, quanto a você, nada sei sobre sua folha corrida; quanto a mim, nem sentença, nem processo algum há).

Se você me perguntar se hoje ele está "livre para ser candidato", eu sou obrigado a reconhecer que não, por força de uma interpretação anômala que o TSE deu à Constituição Federal, mas isso é outra coisa. Estar "livre para" é diferente de estar em pleno gozo da liberdade de ir e vir.

Se você é casado e se considera plenamente "livre", eu lhe pergunto: você está "livre para" casar? Não, neste momento não, a menos que queira cometer bigamia. Você está "livre para", sozinho, vender integralmente um imóvel que seja de sua propriedade e de seu cônjuge? Não, porque a lei o impede, como impede Lula de ser candidato. Mas nem você, nem ele podem deixar de ser qualificados como "livres".

Você, como eu, como Lula, está livre para ir ao Nordeste, à Argentina, ao Japão e até à lua, se tiver como ir. Livre para ir e livre para voltar.

Antes de sair por aí repetindo o que lhe vem pelo berrante errante, vá ler um dicionário, primeiro. Depois, leia a Constituição e, se não for exigir muito de você, leia na sequência um singelo livrinho de Direito.

(Luís Antônio Albiero, em São José dos Campos, 11/11/2019)

10/11/2019

Polidez e Persuasão

Talvez eu seja ingênuo, mas ainda acredito na civilização. Por isso opto, sempre que possível, pela polidez no relacionamento com as pessoas.

Nessa atmosfera de ódio que nos cerca, muitas pessoas a quem acreditávamos conhecer se revelaram radicalmente diferentes do que nos pareciam.

O princípio desse fenômeno perdeu-se no retrovisor e é muito simplista identificá-lo com o advento das redes sociais, embora estas o tenham amplificado, mas o fato é que se desencadeou, ao longo do tempo e de maneira pouco perceptível, um movimento multitudinário que encorajou as pessoas a extravasarem seus instintos primitivos, pré-civilizatórios, pré-históricos. Agigantou-se assim o ódio ao outro. Passou-se a ver o que pensa diferente como um inimigo a ser descartado, excluído do grupo, se possível aniquilado.

A seguir nesse ritmo, o que se avizinha são combates sangrentos, não a guerra tradicional de uma nação contra outra, mas enfrentamentos mortais entre nacionais, entre concidadãos, entre pessoas que habitam sob um mesmo teto. É o fascismo em sua roupagem de gala.

Porém, assim como a Humanidade, ao longo da História, evoluiu da barbárie à civilização - e evoluiu especialmente pelo desenvolvimento da Política (pólis; polidez) e do Direito -, eu ainda acredito numa breve regeneração desses raivosos e odientos contemporâneos.

Penso que o que nos cabe fazer, como seres amantes da Humanidade e de seus avanços civilizatórios, é resgatar a principal característica da Política desde que os gregos a inventaram: a persuasão. E a única forma de persuadir as pessoas é por meio das palavras, apelando à racionalidade, o que exige tratamento civilizado nos diálogos.

(Luís Antônio Albiero, em São José dos Campos, 10/11/2019)

09/11/2019

Analfabetismo Social

Essa história do "Lula analfabeto" só revela o analfabetismo social das pessoas que assim o consideram.

Vou confessar uma coisa. Eu li muito em minha vida - de anúncio de jornal a densos romances de Dostoiévski -, mas estou com inveja de Lula, que nesses 580 dias já deve ter lido mais do que eu em toda a minha vida!

Por exemplo, ainda não consegui ler Mia Couto, escritor moçambicano, ou o cubano Leonardo Padura, que Lula já leu!

E leu mesmo, conforme testemunhou, no que lhe diz respeito, o escritor Lira Neto, com quem Lula discutiu passagens da biografia de Getúlio Vargas, de sua autoria.

Durante o discurso de hoje, no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, ele fez referência a ter feito um curso de economia. Não, não é faculdade de economia, mas um curso que lhe foi ministrado por economistas do mais alto calibre, como Maria da Conceição Tavares, Aluísio Mercadante, Luciano Coutinho e outros.

Antes de se tornar presidente, ele aprendeu muito com grandes intelectuais brasileiros, como Francisco Weffort, Florestan Fernandes, Márcio Pocchmam e tantos outros.

Lula não é fruto do acaso, não. Lula é fruto de seu próprio esforço e dos que o auxiliaram nessa caminhada, há muito tempo vitoriosa.

Eu tenho pena dessas pessoas que, cegas pelo preconceito, perturbadas pelo ódio, não sabem apreciar o momento raro e o privilégio irrepetível de poder conviver, ao vivo, em cores, de carne e osso, com alguém que pelos séculos e séculos amém será considerado uma pessoa mítica.

(Luís Antônio Albiero, 9/11/2019, em São José dos Campos)

O Espetáculo de Lula

Moro quis humilhar Lula ao prendê-lo, em abril de 2018, mas o ex-presidente soube dar as cartas e comandou o espetáculo da sua própria prisão, para a qual caminhou altivo levando consigo o imenso carinho do povo que, em vigília no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, tentava de todo modo impedir o infortúnio.

Agora - desta vez Dallagnol e seus comparsas da OrCrim da Lava Jato -, quiseram novamente humilhá-lo, tentando forçá-lo a deixar a prisão para passar para o regime semiaberto, carregando uma culpa que Lula sabe que não tem.

Lula recusou a "oferta", teve a paciência de esperar e, mais uma vez, gerenciou o espetáculo da sua libertação. De novo, nos braços do povo e retornando ao mesmo sindicato de São Bernardo.

É por isso que tantos o temem.

(Luís Antônio Albiero, em São José dos Campos, 9/11/2019)

21/10/2019

No Japão

Brasileiro caminhando pelas ruas de Tokyo pergunta a uma adolescente japonesa:

- Oi! Você sabe quem sou eu?

Ela:

- Hmmmmm... Não!

Ele:

- Vou lhe dar um dica!

Ela:

- Arrã...

Ele:

- Sou presidente do Brasil, talquei!

Ela:

- Lula!?! Mas você tirou aquela barba charmosa?!?

07/09/2019

Pelo Voto e Sobre a Lei

Vivemos uma ditadura que se implementou pelo voto popular e vai se sustentando sobre a letra fria da lei.

O presidente do TJ do Rio de Janeiro anulou a liminar de um juiz que suspendia a decisão arbitrária do prefeito Marcelo Crivella que determinava a apreensão de livros com "conteúdo impróprio", expostos na Bienal do Livro.

A decisão do desembargador baseou-se no estatuto da criança e do adolescente (ECA), que em dado artigo prevê que “as revistas e publicações destinadas ao público infantojuvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família”.

O que não falta por este Brasil adentro são publicações com ilustrações de "armas e munições", por exemplo, a começar de jogos de "vídeo game", filmes na TV e discursos do presidente da república, mas com isso ninguém se importa. O que importa é que não haja beijo gay.

É interessante constatar que o beijo gay escandaliza, mas o beijo hétero, esse não. E o estatuto (ECA) não diferencia um do outro.

Noves fora, o que escandaliza é a homossexualidade, um problema que reside exclusivamente no departamento do preconceito que cada um guarda dentro de si, uns com mais zelo do que outros.

Ocorre que o ECA também não faz menção à homossexualidade.

Então, onde está o erro jurídico do desembargador presidente do TJ/RJ?

Está na compreensão do que sejam "valores éticos e sociais da pessoa e da família".

Ele simplesmente desconhece - porque seu compartimento de preconceito o impede de ver - que haja pessoas e famílias com características diferenciadas da pessoa e da família dele próprio.

O erro, portanto, não está no estatuto, na lei, mas na consciência equivocada e na visão retrógrada dos que têm o dever de aplicá-la e de fazê-la cumprir.

(Luís Antônio Albiero, de Capivari-SP, em 7 de setembro de 2019)

20/06/2019

O CPCu do Marreco

Doutor Frank me pediu que fosse ao gabinete do doutor Helene buscar o CPP, por empréstimo. Era o início dos anos 80 e não havia computadores, tablets, celulares. A fonte do Direito vinha mesmo em volumes pesados de papel e capa dura que reuniam leis, comentários, jurisprudência. Lá fui eu à sala do juiz da segunda vara criminal de Piracicaba buscar a fonte do direito processual penal para o outro magistrado, da primeira, de quem eu era escrevente de audiências.

Doutor Helene, hoje desembargador (imagino que aposentado), tinha fama de ser rude com os serventuários, o que me deixou com maus pressentimentos. Adentrei à sala, estavam apenas ele e Rosângela, a escrevente. Ele ditava qualquer coisa à minha colega e eu aguardei em pé, à porta. Quando terminou, ele, com ar grave adequado à fama, atirou em minha direção seus tremebundos olhões enormes, sob os quais cultivava fartos fios de bigode, tudo adornado por uma vasta cabeleira e vistosas correntes e pulseiras. Anunciei, com voz claudicante: “vim buscar o CPP, a pedido do doutor Frank”. Ele então esticou-se todo na cadeira, bufou, cerrou o cenho e me perguntou: “o que é CPP?”

Partindo tal pergunta de um juiz, eu só poderia concluir que ele estava brincando comigo. “Código de Processo Penal”, respondi candidamente, mas com uma nesga de preocupação. E ele: “quanta intimidade o senhor tem com o código, hein! CPP é para os íntimos!” O juiz malvado, no fundo, era mesmo um brincalhão. Ri, agradeci e saí.

As leis no Brasil, especialmente os códigos, são conhecidas assim, por apelidos. CF é a Constituição Federal; CLT é a Consolidação das Leis do Trabalho; ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. A antiga LICC – lei de introdução ao Código Civil – agora é LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – à qual chamo, na intimidade, de “Lindbergh”. De fato, as siglas proporcionam uma certa aproximação íntima com o objeto.

As leis federais, sabemos, têm valor nacional, ou seja, valem por todo o território brasileiro, podendo alcançar até mesmo, conforme o caso e a pessoa, espaços no estrangeiro, como navios e aeronaves. Mas há uma gleba no Brasil em que as leis federais e a própria Constituição parecem não valer. Refiro-me a Curitiba.

Ali desenvolveu-se um ramo próprio do Direito, em que é normal um juiz conversar com procuradores da República para traçar estratégias de atuação dos acusadores contra determinado réu. Não vou mencionar o nome de um réu em especial, para não passar a impressão de que o direito curitibano tenha por destinatário uma única pessoa, nem insinuar que naquela próspera comuna paranaense não se respeite o princípio da impessoalidade.

Lá na zona franca de Curitiba a lei permite, por exemplo, condução coercitiva ainda que o conduzido sequer tenha sido previamente intimado a depor. Lá é possível que um juiz intercepte (ops!) uma ligação telefônica entre uma presidenta da República e seu colega ex-presidente. Lá é normal que o mesmo juiz encaminhe a conversa não ao Supremo Tribunal Federal – que, ao que parece, abriu mão de sua jurisdição sobre as plagas curitibanas –, mas à Rede Globo de Televisão.

Estou me referindo ao Código Penal de Curitiba, que, para não confundir com o nosso bom e rejuvenescido Código de Processo Civil (CPC), resolvi apelidar de CPCu. Na intimidade, por óbvias razões abjetas, eu pronuncio "cepecu".

De acordo com o CP-Cu, é absolutamente normal que o juiz estabeleça contato com um procurador por meio de um aplicativo de rede social e, pedindo sigilo, passe-lhe orientações sobre como uma de suas colegas deva se comportar em audiência. Aliás, até mesmo que esse procurador recomende ao chefe do bando – ops! –, digo, da força-tarefa, que a moça não esteja presente quando o réu, aquele determinado a quem não me referi, for ouvido em depoimento.

Como escrevente do saudoso doutor Frank, falecido no cargo de desembargador, muitas vezes presenciei seus diálogos com promotores e advogados. Nunca o vi sugerir a uns ou outros como devessem agir em determinados casos. Quando alguém se metia a pedir isto ou aquilo em relação a um processo, o juiz nascido em Itapetininga, onde houvera exercido dois mandatos de vereador antes de ingressar na magistratura, dizia-lhes simplesmente: “peticione, que eu respondo nos autos”.

Já o jurista natural de Maringá, cujo notório saber figadal concebeu o CP-Cu, abandonou a magistratura, assumiu seu lado político e hoje responde pelo Ministério da Justiça do Brasil. Chegou a tentar emplacar parte de sua genuína obra em todo o país, por meio das tais “dez medidas”, formalmente propostas por seus dallagnoizinhos a quem servia de “coach”, mas hoje parece renegá-la em parte. Cito como exemplo aquela parte em que a “orcrim” (adoro siglas) dos malandros federais tentava tornar normal em todo o Brasil, como já era prática corrente na capital paranaense, a utilização de prova obtida por meio ilícito – se bem que, por aquelas bandas, por vezes ocorre de prova alguma ser necessária.

O marreco autor do CP-Cu agora deu de grasnar que os diálogos por ele travados na escuridão das redes sociais com os procuradores, trazidos à luz pelo site The Intercept Brasil, foram obtidos por meios ilícitos e que, por isso, esse tipo de expediente não tem valor legal. Ou seja, ele acabou de reformular seu CP-Cu, de modo que sensacionalismo e vazamento já não são mais normais.

(Luís Antônio Albiero, 55, procurador municipal e ex-vereador de Capivari-SP pelo Partido dos Trabalhadores)

16/06/2019

A Prática da Conspiração

Na prática, a teoria é outra. De fato, descobrimos que por vezes é mais grave do que pode supor o mais sábio dos homens.

As revelações até agora feitas pelos jornalistas do site “The Intercept Brasil”, comandados pelo premiado Glenn Greenwald, mostram a sordidez inimaginável do conluio da operação Lava Jato.

Enquanto toda a colusão sobrevivia nas sombras, sempre alertamos para a evidência de que desde a origem a Lava Jato estava viciada, porque, ao pretexto de combater a corrupção, dedicava especial disposição de perseguir e punir integrantes do Partido dos Trabalhadores. Sabíamos que, cedo ou tarde, a verdade viria à tona, mas não podíamos supor a profundidade e o alcance das investidas da organização criminosa que se instalou em Curitiba com seus integrantes trajados de super-heróis. Tudo o que dizíamos nesse sentido era logo desqualificado: “ah, teoria da conspiração! Você acredita em Papai Noel!” Pois é. A teoria revelou-se procedente e foi muito além das suposições.

As revelações ainda são mínimas, mas bombásticas e bastantes até aqui para uma reflexão acerca do alcance devastador do conciliábulo que, desde o início, esteve sujeito ao movimento dos dedos (metafórica e literalmente) de um juiz de primeira instância lotado numa capital provinciana deste país continental.

Não foi apenas uma perseguição a um cidadão nominado Luís Inácio na pia batismal, nem somente a um líder político de dimensão mundial alcunhado Lula. A conspirata corroeu todas as instituições do país. Um juiz de piso e meia dúzia de deslumbrados meninos de faces róseas e pendores messiânicos puseram abaixo a República. Da mídia ao Supremo, não restou pedra sobre pedra. O que ainda se mantém em pé são escombros que cairão à primeira lufada.

Das mãos – e dedos – de Sérgio Moro e seu bando saíram petardos que detonaram a indústria da construção civil brasileira que começava a conquistar o mundo, a indústria naval que se reerguia, partes importantes da Petrobras – empresa à qual juravam estar defendendo – e, a seu reboque, veio abaixo um estado inteiro como o Rio de Janeiro. Milhões de empregos foram dizimados, a economia brasileira foi para o espaço e o pré-sal, esperança nacional, foi bovinamente entregue a estatais (leia-se nações) estrangeiras.

A Farsa-Jato envenenou a população contra um governo que, apesar dos problemas, ostentava altos índices de aprovação. Em parceria com a mídia velha, conseguiu convencer importantes segmentos da sociedade de que o comando do país estava tomado por corruptos, o que, entre aspas, “legitimou” a derrubada da presidenta, ainda que não houvesse um crime de responsabilidade, e em seguida a condenação e prisão da liderança política com maior viabilidade de vencer as eleições seguintes. Exterminou todas as demais lideranças e partidos de centro-direita e pavimentou a avenida que levou à eleição do parvo fascista que hoje nos governa. Tudo isso é sabido, não representa novidade, ao menos para quem enxergava os fatos políticos com um mínimo de sensatez e inteligência.

Mas a Farsa-Jato é responsável por muito mais. Seus métodos ilegais foram o tempo todo justificados por órgãos superiores do sistema judiciário porque era importante “combater a corrupção”. O TRF-4, julgando certa conduta de Sérgio Moro, concluiu que “situações excepcionais exigem soluções excepcionais”. De todos os desembargadores que compõem o tribunal, apenas um – um! – votou em sentido contrário. Todos os demais desconsideraram o art. 5º da Constituição Federal que garante a todo cidadão brasileiro que “não haverá tribunal de exceção”. Significa que o cumprimento da lei não admite o tratamento excepcional dado pelos magistrados gaúchos. A lei é a lei e, como tal, deve ser respeitada, e ponto. Ninguém está acima dela, muito menos o juiz, que tem por dever funcional observá-la e fazer com que seja cumprida.

O raciocínio tortuoso dos desembargadores gaúchos não só foi tolerado pela Suprema Corte como assimilado por muitos de seus ministros, inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça, que detinha competência para reprimir as diatribes e conter a desenvoltura com que, a céu aberto, agia Sérgio Moro, cujo resultado foi a derruição do estado democrático de direito.

E eis que vêm a lume suas ações criminosas cometidas nos recônditos esgotos das redes sociais.Expostas ao sol, vemos Moro e seus comparsas responsáveis pela terra arrasada que se tornou o Brasil. Tínhamos convicção disso, agora temos provas.

Thank You, Glenn. Congratulations.

(Luís Antônio Albiero, Capivari-SP, 15 de junho de 2019)

31/03/2019

Pedido de Perdão

Dirijo-me aos amigos e amigas com quem travei duros debates por ocasião das eleições do ano passado. Faço-lhes este sincero pedido de perdão.

Eu não devia tê-los colocado diante do espelho da sua própria consciência.

Não era meu direito ter confrontado sua fé cristã, que creio sincera, com as ideias de quem defendia torturar, metralhar e matar e que hoje exorta o país a comemorar o assassínio de Estado cometido pelo regime militar iniciado em 1º de abril de 1964 – uma onda de violência e mortandade em massa contra estudantes, trabalhadores, políticos, intelectuais, religiosos, até mesmo crianças, tudo em nome do velho combate a alguma coisa até hoje jamais vista no Brasil que atende pelo nome de “comunismo”. Fico aqui imaginando seu Jesus aplaudindo e abençoando aquele espetáculo de horrores.

Não podia eu ter tantas vezes enfatizado que as juras de patriotismo de seu candidato eram endereçadas, na verdade, à bandeira do “grande irmão do norte”, à qual ele prestava continência, orgulhoso, e a quem hoje, obsequioso, entrega nosso solo, nossas riquezas e nossa gente.

Não devia ter chamado sua atenção para o risco que corria a Democracia acaso fosse eleito um sujeito limítrofe – o perfeito idiota – que só pensava e segue pensando em armar, em duplo sentido: colocar armas nas mãos do povo e passar o dia armando confusões sempre que abre a boca ou manipula os teclados, pelo Twitter, hoje transformado em sede de governo. O agronegócio, os caminhoneiros, os produtores de leite e o Mourão que o digam.

Eu não tinha o direito de os amedrontar com a possibilidade, ainda presente, de chorarmos sobre caixões de jovens, filhos nossos ou de amigos, parentes, conhecidos, brasileiros em geral, na volta de uma tresloucada guerra contra um país vizinho e irmão, apenas para servir de linha auxiliar dos Estados Unidos no roubo do petróleo venezuelano.

E por que tinha eu que destacar que o seu preferido agia como um covarde, sempre fugindo do debate direto, e vazio, pois não apresentava proposta alguma para combater o desemprego, a fome e os principais problemas enfrentados pela Nação? Sequer se ouviu dele um discurso, uma frase ao menos, em favor da pacificação do país – ele que dizia, e era tudo o que dizia, que seu governo daria ênfase à segurança pública, traduzido pelo incrível Sérgio Moro e seu “pacote anticristo” em conceder licença a agentes do Estado para matar ainda mais pobres e jovens negros da periferia.

Não me esqueço da amiga querida de infância, por quem nutri muito mais do que admiração, que me aconselhava a usar o que me havia "restado de neurônios" e dizia que eu fazia “joguinho de cinismo” que não a convencia e que eu devia acordar, pois, afinal, Lula estava preso e em breve Haddad também estaria. Sim, hoje vejo o quanto eu a incomodava com questionamentos, que ela me respondia dizendo que nem lia o que eu lhe escrevia, ao mesmo tempo em que me chamava de “esquerdopata” e perguntava como teriam feito “lavagem cerebral” em mim. Eu esperava contraargumentos, ela me vinha com memes e informações que adquiria no mercado gratuito das verdades prontas, como uma certa "República de Curitiba", página virtual hoje banida por produzir "fake news" com dinheiro público.

Não, não era meu direito desafiar a sua reconhecida inteligência cartesiana e a ela peço desculpas também por isso. Nada obstante, eu me reservo o direito de ainda insistir em acreditar que a terra não é plana, que Hitler e seus seguidores nunca foram de esquerda, que em 1964 houve um golpe sangrento no Brasil, que Pinochet, Stroessner e Ustra não são heróis, mas bandidos, que Olavo de Carvalho é astrólogo e não filósofo, que quem quebrou o país foram os golpistas corruptos de 2016 e não o PT, que Lula é preso político enquanto os corruptos seguem livres, que a Universidade e a educação devem ser para todos e que Jesus jamais foi visto em pés de goiaba.

Minha amiga querida, meus estimados amigos, parentes, colegas e conhecidos, hoje reconheço. Eu não devia ter provocado que vocês expusessem suas próprias almas. Que coisa horrível!

Perdoem-me.

(Luís Antônio Albiero, em 31 de março de 2019)

16/02/2019

Os Monstros da Lagoa

(Uma sugestão para Fernando Haddad)

Duas coisas precisam ser compreendidas e destacadas:

1. Lula não sairá da prisão apenas porque há ou haverá povo nas ruas.

2. Lula só deixará o cárcere se um grupo invadir a sede da Polícia Federal e o retirar de lá à força para imediatamente conduzi-lo ao exterior (ou a alguma embaixada ideologicamente alinhada) ou se um ou alguns ministros do Supremo (ou do STJ) lhe concederem a liberdade, seja absolvendo-o, seja reconhecendo a prescrição (vale dizer, reduzindo as penas aos patamares legais, artificial e injuridicamente elevados pelo TRF-4), seja deferindo um pedido de habeas corpus.

Nem um, nem dez, nem cem milhões de pessoas nas ruas gritando por Lula Livre comoverão um ou mais ministros do STF a libertá-lo.

A mobilização popular é fundamental, não se nega, pois pode criar um clima positivo, favorável à libertação de Lula, mas sem que um ou alguns ministros aponham suas assinaturas numa ordem concessiva da liberdade ao ex-presidente qualquer iniciativa nesse sentido será inócua e frustrante.

Em suma, as duas frentes de batalha são imprescindíveis. Não é possível focar numa e negligenciar na outra.

Por isso, penso que, a par das ruas cheias, seja necessária uma mobilização de peso no âmbito do Judiciário.

Para que qualquer juiz de esquina possa expedir uma ordem libertando Lula não faltam elementos, motivos jurídicos há a cântaros, mas é fato que o caso está na mais elevada Corte do país e todos os operadores do Direito sabem que um tribunal só concede habeas corpus contra uma decisão judicial se nela for detectada uma teratologia.

Teratologia vem do grego (τερατολογία, composto de τερατο- «monstro» e -λογία «estudo») e significa estudo do que é monstruoso, ramo da medicina que se dedica a compreender as malformações e deformidades dos seres humanos. Numa palavra, significa monstruosidade.

Uma decisão judicial teratológica, monstruosa, é aquela em que a nulidade salta aos olhos, de tão flagrante.

No célebre julgamento em que a ministra Rosa Weber acedeu à maioria precedente de um colegiado reduzido e abriu mão de inaugurar uma maioria no plenário, para negar um habeas corpus a Lula, o ministro Luiz Fux chegou a mencionar que não via, no caso, nenhuma teratologia.

Teratologia, porém, é o que não falta na sentença do tríplex do Guarujá, verdade que se aplica também à nova condenação imposta pela juíza "hard heart".

Teratológica é a decisão que condena um réu qualquer por corrupção passiva sem que indique um único ato de ofício que servisse de contraprestação à "propina" recebida.

Monstruosa é a sentença que, à míngua desse ato de ofício, condena o réu por conta de "atos de ofício indeterminados".

Aberrante é a decisão que condena o acusado porque alguém lhe "atribuiu" uma propriedade qualquer.

Monstruosa é o veredito que não enquadra a conduta do réu em nenhum dos três verbos do tipo penal da corrupção, que são "solicitar", "receber" ou "aceitar (promessa)", e ainda assim o condena.

Teratológica é a decisão que, não tendo havido a transferência da propriedade, nem mesmo da posse (sequer as chaves do apartamento foram entregues a Lula ou a algum de seus parentes ou assessores), do imóvel ao réu, condena-o por uma figura inexistente no Direito brasileiro, a tal "propriedade de fato".

Monstruosa é a sentença que condena com base exclusivamente em palavras de corréus, delações generosamente premiadas, ao arrepio de literal expressão da lei regente.

Teratológica é a decisão de um juiz federal de Curitiba, competente para os casos decorrentes de contratos da Petrobras, que julga supostos crimes cometidos no estado de São Paulo embora reconheça, literalmente, que no caso que acabou de julgar não havia qualquer relação entre a "propina" e contratos da petrolífera (ainda) estatal brasileira.

Todas essas teratologias jazem, a um tempo silenciosas e eloquentes, na única sentença que, de modo artificial - e, diga-se, igualmente teratólogico - mantém Lula encarcerado, esperando que emerjam a qualquer momento, qual o monstro da lagoa aguardado pelo público atordoado e atento da arquibancada, na genial letra de Chico Buarque e Gilberto Gil.

Se encher as ruas não levará, por si só, juiz algum a dignar-se a pegar uma caneta, ou seu token, para assinar uma ordem de concessão de liberdade ao ex-presidente, é preciso de alguma forma enfiar esse povo todo num instrumento jurídico adentro, que tenha tanto peso quanto a Paulista lotada de ponta a ponta.

O ideal seria que essa multidão firmasse um pedido de habeas corpus gigantesco arrolando, de modo direto, sucinto e objetivo - mais curto do que este meu textão, claro -, todas essas teratologias por mim destacadas. Seria impraticável, eu sei.

Mas é perfeitamente possível conceber um habeas corpus impetrado por um batalhão de grandes juristas do Brasil, como Afrânio Jardim, Celso Antônio Bandeira de Mello, Pedro Estevam Serrano, Dalmo (e Pedro) Dallari, José Eduardo Cardozo, Carol Proner, Gisele Citadino, Eugênio Aragão, Tarso Genro... Com gente da direita e do centro, inconformada com a quebra dos paradigmas do Estado Democrático de Direito, como Cláudio Lembo, que já se manifestou publicamente nesse sentido. Com juízes e promotores, como Marcelo Semer - lembrando que não se trata de manifestação político-partidária. Com ex-ministros do Supremo, como Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence (e talvez Eros Grau, César Peluso e Carlos Ayres de Brito).

Enfim, um habeas corpus de peso, de inegável representatividade, que nenhum ministro do STF ou juizeco de esquina de Curitiba possa pensar em desconsiderar.

Uma peça jurídica encabeçada não pelos advogados, digamos, técnicos de Lula, mas por aqueles que têm mais identificação com o universo político, começando por Fernando Haddad, passando por José Roberto Batocchio, Luiz Eduardo Greenhalgh, Paulo Teixeira, Wadih Damous, Gleisi Hoffmann, Henrique Fontana. Sem desprezar, naturalmente, os bravos e valorosos Cristiano Zanin, Valeska Martins e toda a equipe de seu escritório.

A ideia, enfim, é que seja um habeas corpus juridicamente inatacável, essencialmente baseado na sentença, com destaque para os seus trechos mais aberrantes, sem necessidade de revolver provas ou examinar fatos, mas sobretudo politicamente robusto.

Penso que Haddad é a pessoa ideal e necessária para liderar um movimento com esse objetivo.

Eis minha modesta contribuição. Por favor, façam-na chegar a Fernando Haddad.

(Luís Antônio Albiero)

Enviado do Yahoo Mail no Android

31/12/2018

Meus Bolsomínions de Estimação

Nos grupos de minha cidade de que participo tenho uma pequena, mas valiosa, coleção de bolsomínions da qual não abro mão.

Eu posto coisas sobre Bolsonaro e eles, ao invés de defendê-lo, vivem me lembrando que "Lula está preso".

É tanta a obsessão por Lula que hoje, agora há pouco, respondi: "sim, preso no seu pensamento e no coração do povo".

Um dia o STF ou a força popular tirarão Lula da masmorra de Curitiba, onde o ex e eterno presidente permanece como preso político, mas suponho que ele continuará encarcerado para sempre na mente doentia dessas pessoas.

Meus bolsomínions de estimação também parecem gostar de mim. Dizem que riem do que escrevo e me incentivam a fazer "stand up". Respondo que melhor rir do que chorar, ainda que seja esse riso nervoso que eles riem por falta de argumentos.

Em verdade, eles riem do desenho que, a grosso modo, sem muito talento e pouca sutileza, faço deles mesmos. Ou seja, riem de si próprios, característica que considero positiva, pois revela que, no âmago dessa gente, pode haver um resquício de sabedoria.

Eles vivem me convidando para que eu vá para Cuba e se comprazem com o fato de eu não ter ido, ainda, à vigília de Curitiba. Um dia certamente irei e farei questão de convidá-los. Imagino que tudo o que anseiam na vida é estar próximos de Lula.

Enfim, são meus bolsomínions de estimação e eu gosto de interagir com eles. Eles me forçam a exercitar minha paciência e minha tolerância.

(Em Capivari, SP, aos 31 de dezembro de 2018)

17/11/2018

Guardinhas Empoderados

Por ocasião da assinatura do trágico Ato Institucional n° 5 (AI-5), o então vice-presidente da República Pedro Aleixo teria comentado que o que preocupa numa ditadura não é o governo central, mas o guardinha da esquina. Ele se referia ao cidadão comum que se sente empoderado para agir segundo suas próprias convicções, acreditando atuar como um braço, um "longa manus" do governante, em cujo nome comete atrocidades com aura de dever cívico, uma missão a ser cumprida.

Nos anos Sarney e sua atabalhoada política de controle de preços - vã tentativa de barrar uma inflação que chegava a quase cem por cento ao mês -, tornaram-se célebres os autodenominados "fiscais do Sarney", gente do povo que denunciava à polícia comerciantes e estabelecimentos que descumpriam o tabelamento de preços imposto pelo governo federal. Isso em pleno período de retomada da Democracia.

Hoje vivenciamos algo parecido que reafirma e confirma a preocupação de Golbery. Incentivados pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, o Messias, pessoas filmam e denunciam professores que, a seu ver, estariam tentando "doutrinar" seus filhos. São os "Fiscais do Bolsonaro". Sentem-se imbuídos de uma missão cívica e, mais grave, empoderados pela exortação de própria voz do presidente apenas eleito, que ainda sequer tomou posse, embora já tenha feito muitos estragos por conta de sua verborragia impensada e movida a preconceito ideológico.

Casos assim se multiplicam todos os dias e, quando os destaco a amigos que exerceram o direito de votar num candidato a ditador - o que respeito profundamente, embora não compreenda tamanho desperdício de oportunidade -, professores me acusam de "torcer contra" o Brasil. Explicar a essa gente que fazer oposição não é torcer, é lutar, e não contra, mas a favor do país, é tentativa vã e inglória. Não há o que os faça compreender. Déficit de democracia, talvez. Ou de cognição, diria Marilena Chauí.

E o futuro governo não está nem fazendo a "volta de apresentação", ainda. Imagine quando de fato e de direito for dada a largada.

Nuvens negras se formam no horizonte próximo, prenunciando dias sombrios, de raios, trovões e muitas pancadas fortes.

(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, aos 17 de novembro de 2018)

11/11/2018

Um Canalha a Menos

Estava contando há pouco ao meu filho, que tem 21 anos de idade, sobre minha infância e juventude.

Dizia eu a ele do xodó que eu tinha por um radinho a pilha, vermelho, que eu retirei ao final do pagamento feito "religiosamente em dia" de um carnê do Baú da Felicidade, do Sílvio Santos. Pagávamos o carnê na esperança de ganhar um automóvel ou a chance de participar do programa dominical que ele apresentava, então na Rede Globo.

Ao final do pagamento do carnê - em geral feito em doze ou 24 parcelas mensais -, quem não era sorteado a nada tinha direito a retirar um brinde. Dona Edith Domingues era a representante do Baú em Capivari. Eu me lembro de minha mãe ter retirado um conjunto de pratos, outro de café; eu, certa feita, retirei uma bola de basquete. Mas em dada ocasião fomos a Piracicaba, onde havia uma espécie de loja do Baú com mais opções do que dona Edith armazenava em sua casa. Foi lá que escolhi o radinho.

Eu dormia com o rádio. Adorava ouvir a música suave que tocava na Jovem Pan, nas madrugadas. Acordava ouvindo o Jornal da Manhã. "Sete e trinta e cinco. Repita. Sete e trinta e cinco", diziam, alternadamente, os dois locutores. Não era o jornalismo de extrema-direita que a velha Pan hoje pratica, mas já havia um claro viés à direita, que se tornou mais visível quando a emissora contratou como comentarista, uma espécie de âncora, o insosso João Melão Neto, que posteriormente viria a se tornar deputado com forte atuação em favor do empresariado. Havia Randal Juliano, Wilson Fittipaldi, o "Barão", pai dos pilotos Emerson e Wilsinho, avô de Christian, e Joseval Peixoto, que, salvo engano, ainda hoje apresenta um jornal no SBT ao lado da extremista Rachel Sheherazade.

Iniciava minha jornada diária no Bar do Tota, meu tio, ouvindo, num rádio bem antigo, ainda a válvula, o programa do radialista Gil Gomes. Eram crônicas diárias sobre fatos policiais. Gil era severo com a criminalidade, mas jamais esquecerei de um dia em que ele fez uma pregação contra a pena de morte, um raro momento de lucidez naquele ambiente criminal.

Ao final do programa, com sua voz e entonação peculiares, Gil fazia uma exortação aos ouvintes para que agissem corretamente e encerrava o programa dizendo: "você pode não consertar o mundo, mas tenha certeza de uma coisa: na terra haverá um canalha a menos!" E concluía com o célebre bordão "Gil Gomes lhes diz bom dia!"

Tempos depois, meu tio trocou Gil Gomes por um programa similar, na rádio Record, apresentado por Afanásio Jazadji. Pense num Datena piorado, radicalizado. Era o próprio!

Esse meu tio, quando queria me ofender - o que ocorria quase sempre -, me chamava de "baiano". "Baianada" era sinônimo de coisa errada, de qualquer "burrada" que eu cometesse.

Tudo isso para dizer que minha infância e juventude foram cercadas por conceitos de direita. Meus professores passaram longe de ser os doutrinadores de esquerda de que hoje toda a classe é acusada.

Apesar da atmosfera de direita, conservadora, preconceituosa, retrógrada, em que eu vivia mergulhado, fui construindo meu caráter à esquerda. Escapei, mas muitos não foram capazes. Amigos de infância, colegas de classe dos primeiros anos escolares, muitos a quem sempre admirei por sua inteligência acima da média, quase todos hoje profissionais bem sucedidos, não se envergonham de estarem aliados ao que há de mais atrasado no cenário político.

Na dia de hoje, uma dessas colegas de classe, por quem cheguei a nutrir mais do que simples admiração, me chamou de esquerdopata e riu ao saber que contribuí financeiramente com a campanha de Fernando Haddad. Ela jamais saberá, apesar de toda inteligência cartesiana de que é dotada e tanto se orgulha, o que é lutar efetivamente para construir uma sociedade justa e igualitária. Jamais compreenderá a importância de um partido político. Dificilmente terá clareza do que sejam sentimentos como fraternidade e solidariedade.

Hoje vejo que Bolsonaro, na verdade, é fruto dessa doutrinação de direita iniciada durante os governos militares, que foi se impondo lentamente ao longo dos anos e não se limitou à sala de aula. E que agora mira contra uma "doutrinação de esquerda" que jamais existiu.

(Luís Antônio Albiero, Capivari, SP)

12/10/2018

Lula, afinal, é ou não "Comunista"?

Para responder a essa pergunta devo, por óbvio,  tentar explicar primeiramente o que seja "comunismo".

Peço escusas aos mais entendidos no assunto para poder explicar segundo alcançam meus parcos conhecimentos a respeito e de forma didática. Talvez exageradamente simplista, mas é como julgo mais eficaz. A esta altura do jogo, não há tempo nem espaço para arroubos ou pruridos acadêmicos.

Vamos lá. 

Muito simplificadamente, "comunismo" é um regime econômico (e político) em que ninguém, individualmente, é dono dos meios sociais de produção, em que não existe ou é restrito o direito de propriedade e o Estado, em nome da coletividade, é o único ou principal detentor dessa titularidade. Há variações,  por evidente, mas não interessa para este singelo e despretensioso artigo. 

Nesse contexto, por exemplo, minha estimada tia e meus queridos primos que lutam pela vida tocando pequenas indústrias de confecção no interior paulista não poderiam ser donos das fábricas, porque não poderiam deter a propriedade das máquinas e demais instrumentos necessários à produção das calças jeans e outros itens de vestuário que produzem. 

Meus avós maternos e nonos paternos não poderiam ter sido os pequenos proprietários que foram na primeira metade do século passado, porque não teriam o direito de ser donos das terras, dos animais, dos equipamentos e demais instrumentos que utilizavam para cultivar e colher as batatas, as cebolas, os tomates e outros itens que produziam. 

Num regime "comunista", caberia ao Estado alocar a mão-de-obra e definir as metas e o que produzir de acordo com o que aos governantes de plantão parecesse mais conveniente para atender às necessidades do povo. 

De plano, creio que já tenha dado para perceber que esse tal "comunismo" jamais existiu no Brasil, sequer na América do Sul. 

Bom, e o que afinal isso tem a ver com Lula?

Nada, exceto pelo fato de os adversários viverem berrando que Lula é "comunista",  assim como seu partido e todos os que o apoiam - espectro hoje ampliado para alcançar Geraldo Alckmin, FHC, a Globo, o Luciano Hulk, o dono da Natura, os pais do Plano Real, muitos "farialimers" e até mesmo Abílio Diniz e os banqueiros (quem diria!?!); enfim, todos os que não se aliam a BolsoNero. 

Vou explicar contando, ainda que em breves linhas, a história de Lula.

Já é sabido que Lula nasceu no Nordeste, que veio para São Paulo aos sete anos de idade,  em pau-de-arara, acompanhando a mãe e irmãos que se mudaram para o Sudeste para viver com o pai, que viera alguns anos antes para fugir da fome e da seca em busca de melhores condições de vida.

Veio parar em Santos, onde foi engraxate e vendedor de frutas nas ruas. Com a mudança da família para São Paulo, o caçula foi o primeiro dos irmãos a fazer um curso de torneiro mecânico no Senai. 

Diplomado, para orgulho da mãe, dona Lindu, e dos irmãos, tornou-se metalúrgico e trabalhou em algumas empresas do ramo no ABC paulista. 

Influenciado por um irmão mais velho, Frei Chico - ele, sim, militante comunista -, ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e chegou ao posto de presidente, que lhe deu projeção nacional e internacional nos estertores da ditadura militar. 

Como presidente do maior sindicato de trabalhadores da América Latina, Lula acostumou-se a negociar com os patrões - Volkswagen, Villares, Ford, empresas desse porte - melhorias nos salários dos empregados e das condições de trabalho. 

Lula nunca pregou que aqueles trabalhadores ocupassem as fábricas e se autodeclarassem donos dos tornos e demais meios de produção, embora essa fosse a ideia que dele falsamente se vendia, certamente porque esse devesse ser o temor dos empresários à época. 

Tudo o que Lula queria era que os metalúrgicos se mantivessem empregados, que não fossem demitidos, que pudessem ganhar um pouco mais e tivessem condições de trabalho mais condignas.

Com esse modo de pensar, Lula chegou à conclusão de que não bastava concentrar sua luta e os esforços apenas em favor de uma categoria, já quase uma "casta" entre as diversas categorias de trabalhadores. 

Com aguçado senso humanitário e espírito verdadeiramente cristão, Lula logo percebeu que era preciso ampliar as conquistas, os direitos, e não só os direitos trabalhistas, a todas as pessoas, a todos os trabalhadores, de todas as categorias, às donas-de-casa, aos empregados domésticos e aos desempregados, às crianças e aos idosos que ainda não podiam ter ou já não mais tinham emprego ou qualquer relação de trabalho. 

Foi quando compreendeu que para ampliar os direitos a todas as pessoas, empregadas ou não, o único caminho possível era a Política. 

Assim foi que concebeu a ideia de organizar um partido político. 

E foi desse modo que despertou em Lula a consciência social, justamente em alguém que até então, como ele mesmo diz, abominava a Política, sobre a qual costumava dizer, ingenuamente orgulhoso: "odeio a política e odeio os políticos".

Na nova empreitada, Lula direcionou sua atuação, e a de seu partido, a ações concretas que pudessem representar melhores condições de vida e de trabalho aos trabalhadores e a todos os brasileiros. 

Chegou à presidência da República e assim se comportou. Criou programas governamentais sempre voltados à inclusão social e à redistribuição de renda, como forma de reduzir as desigualdades sociais. Reduziu drasticamente a fome no país, enfrentou o desemprego gerando vinte milhões de postos de trabalho, levou pão, água, dignidade, esperança e oportunidades a milhões de brasileiros. 

Com essa concepção de como governar para todos, priorizando os mais necessitados, foi reeleito gozando de invejáveis índices de aprovação de seu governo e de sua pessoa, no alto dos quase 90%. Elegeu sua sucessora e contribuiu para sua reeleição. 

Nem Lula em seus oito anos de seu mandato, nem o PT nos demais seis anos de Dilma jamais fizeram qualquer gesto, tomaram qualquer atitude, assinaram qualquer lei ou decreto que passasse perto de tirar de minha tia, de meus primos, dos demais empresários do país, grandes, médios, pequenos ou microempreendedores, a propriedade que eles detinham, ainda detêm e continuarão detendo sobre os meios de produção, sobre o maquinário, sobre as empresas de que são legítimos proprietários.

A definição que tenho para Lula é esta: trata-se de um político de ideais socialistas que se movimenta num terreno capitalista. Uma espécie de programa de computador (software) de conteúdo socialista que roda num ambiente capitalista (hardware). 

Dizem que o capitalismo traz em si mesmo o vírus de sua própria destruição e que o mundo caminha para o comunismo. Esse dia certamente levará décadas, talvez séculos para chegar. Lula não é teórico, é prático. A vida, individualmente considerada, é muito curta, e parece ser única. O povo passa fome hoje e hoje esse problema tem de ser resolvido. A fome exige solução urgente, para ontem, e os trinta e três milhões de brasileiros lançados de volta à miséria depois do golpe dos corruptos de 2016 não podem esperar por soluções utópicas, distantes e que se movem como a linha do horizonte. 

Lula não quer tirar as pequenas fábricas de minha tia e dos meus primos para entregá-las aos trabalhadores. Ele quer apenas que essas indústrias de confecção continuem existindo, continuem empregando seus trabalhadores, que ampliem seu quadro de empregados e que proporcionem a eles bons salários e boas condições de trabalho. E que elas, as indústrias dos meus familiares, aumentem suas vendas, que cresçam, que tenham mais lucros e possam, ao fim a ao cabo, contratar mais e pagar melhor aos seus contratados. 

Tudo o que Lula quer, afinal de contas, é que os empregados das fábricas dos meus familiares e de todas as demais indústrias, comércio e prestadores de serviços do país possam ter sua casa, seu automóvel. Que possam nos finais de semana reunir as famílias e os amigos para curtir um churrasquinho, não de carne de índio, como diz apreciar o atual presidente, mas de picanha, acompanhado de uma cerveja, uma caipirinha, como prefere Lula. E que uma vez por ano possam gozar de férias, viajar para o litoral paulista, para outros estados, para a América do Sul, Central ou do Norte, para a Ásia, África ou Europa, tanto quanto podem seus patrões. E, tanto quanto eles, tenham também acesso a bons médicos,  bons hospitais, boas escolas, para que os filhos de uns e de outros possam ingressar no ensino superior, tornar-se doutores e garantir um futuro de melhor qualidade de vida para si e para todos.

O que Lula quer é somente que patrões e empregados possam viver bem e conviver em paz, sem que haja exploração daqueles sobre estes. 

Forjado na luta sindical, nas relações de trabalho, na convivência entre empregados e patrões, Lula não é um "comunista", mas um "trabalhista". Ou seja, alguém que tem a cabeça nos ideais socialistas e os pés bem firmados sobre o chão do capitalismo. 

(*) Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 8 de outubro de 2022

O Que Significa "Descondenado"?

Sem ter como se redimir, por falta de dignidade para ato de tamanha nobreza, de todas as mentiras que contou ao longo dos últimos anos acerca do elevado grau de criminalidade "só-que-não" do cidadão brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem "pegou para Cristo", a mídia tupiniquim vinculada ao poder econômico inventou um termo para designar a situação jurídica do ex-presidente: "descondenado". Grafada sempre assim, entre aspas, que é mesmo para destacar que se trata de neologismo, embora absorvido em tempo real pelo VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), repositório oficial das palavras que existem na língua pátria editado e revisado anualmente pela Academia Brasileira de Letras.

É fato, portanto, que a tal palavra '"descondenado", sabe-se lá desde quando, existe mesmo, oficialmente reconhecida, no rico vocabulário desta brava gente brasileira. Assim decretaram, entre um gole e outro do chá das cinco, sorvido com elegância e cuidado para não derramar no fardäo a erva efervescente, nossos valorosos acadêmicos.

Importante registrar é que nas versões "on line" de dicionários como Aurélio e Michaelis trata-se de verbete ausente, assim também no lusitano Priberam.

No âmbito jurídico, que é o que no caso importa, trata-se de termo desconhecido - e olha que profissional do Direito é extremamente criativo ou apegado a palavras que causam estranheza aos olhos e ouvidos dos que não são do meio, como "sabença", "cediço", e por ai vai.

Resta-me, portanto, destrinchar o significado de "descondenado" e começo examinando sua construção, sua formação derivativa.

"Descondenado" compõe-se do prefixo "des" e da flexão do verbo "condenar", do qual deriva, em sua forma nominal a que se dá o nome de "particípio". O particípio indica uma ação finalizada ou relacionada ao passado. O prefixo "des" indica negação, separação ou cessação, como em "desleal", "desossar" ou "dessintonizar".

"Descondenado", portanto, é particípio do verbo condenar e significa "aquele que teve negada ou cessada uma condenação que contra si houvera sido imposta". Uma condenação, portanto, que como tal deixou de ser, deixou de existir.

Ora, quem tem negada, cessada, desfeita uma condenação outrora existente contra si condenação não tem.

O efeito do ato de "descondenar" alguém é devolvê-lo ao estado natural de inocência. Um "descondenado" é, portanto, alguém que retomou o mesmo status de inocente do dia em que veio ao mundo.

Lula, portanto, assim como eu, assim como - creio - você que lê este texto, é tão inocente quanto um bebê que acaba de nascer.

Inexistente no vocabulário jurídico, "descondenado" tem o mesmo valor semântico do termo técnico "absolvido", condição daquele que foi submetido a um escrutínio penal e, ao fim e ao cabo, restou não condenado, ou teve sua condenação revertida, de todo modo não culpado pelo crime que se lhe imputava.

Vale recordar que, de acordo com a Constituição Federal brasileira, só pode ser tachado de culpado aquele que tenha contra si transitado em julgado uma sentença criminal condenatória (Art. 5°, inc LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória").

Sem trânsito em julgado, não há condenação válida consolidada. Sem condenação consolidada, presente o estado de inocência. Ponto.

OS CASOS DE LULA

Enquanto foi presidente - por oito longos anos, portanto - Lula não teve contra si nenhum processo, nenhum inquérito instaurado, nenhuma acusação formalmente formulada. Diferentemente, portanto, do atual despresidente, que já coleciona dezenas de acusações que só não vão adiante porque há uma barreira humana chamada Augusto Aras, nomeado a dedo por BolsoNero para protegê-lo e a seus filhos à frente da Procuradoria Geral da República.

Lula deixou a presidência, passaram-se outros quatro anos e a situação continuou a mesma: zero processo, zero acusação. Nem o farsesco mensalão o atingiu diretamente.

Foi só depois que Dilma foi reeleita, quando os adversários perceberam que Lula viria forte para as eleições de 2018, que começaram a pipocar os processos, as mais esdrúxulas acusações contra Lula.

Formou-se assim e então uma tal "força-tarefa" chamada Lava Jato que, ao fim e ao cabo, viria a se revelar uma verdadeira organização criminosa direcionada a projetar na Política os seus principais expoentes - um deles hoje eleito senador, após frustrada tentativa de lançar-se candidato a presidente da República; o outro, hoje deputado federal mais votado da província do Paraná. Ambos arrogam-se "comandantes" da Lava Jato, o que é inconcebível para um juiz, a quem caberia o papel isento e imparcial de magistrado.

A "orcrim" da Lava Jato usou e abusou do que quer que fosse, legal ou ilegal, para investigar o ex-presidente Lula e acabou tendo de condená-lo, à custa de muito malabarismo jurídico, por simples reformas num apartamento e num sítio que nunca foram dele e jamais serão, nem seriam.

Diante da evidência de que o tríplex nunca foi transferido ao nome do ex-presidente, que nem mesmo posse do imóvel teve, porque nele não pernoitou nem por uma noite sequer - nem ele, nem a falecida esposa, nenhum dos filhos, noras, netos, outros parentes, nem amigos, assessores ou queirozes de qualquer laranjal -, Sérgio Moro teve de inventar aberrações jurídicas, como "propriedade de fato" e "propriedade (ou posse) atribuída".

Ora, para condenar um servidor público por corrupção passiva, exige-se a presença de pelo menos um dos três verbos: "solicitar", "receber" ou "aceitar" (promessa de) vantagem indevida. Nenhum deles tem identidade ou similaridade com o verbo "atribuir".

"Propriedade de fato" é outra aberração, porque "propriedade" é essencialmente de direito, que para existir no mundo jurídico exige registro em cartório, em correlação ao instituto da "posse", esta sim, um fenômeno meramente fático. Nem posse, nem propriedade teve Lula em relação ao apartamento de cobertura do prédio do Guarujá.

E o juiz ainda não indicou qual o ato de ofício que o presidente teria praticado ou, sendo obrigatório, teria deixado de praticar em contrapartida à vantagem indevida que lhe fora "atribuída". À míngua de um fato ao menos, recorreu ao uso da expressão genérica "atos indeterminados".

Dos 26 processos contra Lula, apenas foram anulados os quatro que Sérgio Moro pôs suas mãos sujas, maculados por sua parcialidade e por incompetência do juízo pelo qual respondia.

Moro forçou, desde o início, sua competência para julgar os casos em que a acusação fosse de corrupção por contratos da Petrobras. O interessante é que, no caso específico de Lula, em embargos declaratórios o próprio então juiz reconheceu expressamente que naquele caso não se tratava de recursos provindos de contrato da Petrobras. Nem assim o meliante de toga reconheceu sua incompetência e a sentença foi remetida ao tribunal, que fechou os olhos e fez ouvidos moucos aos argumentos da defesa.

O GadoÓ (Gabinete do Ódio Produção de Memes e Feiquinius Ilimitada) cunhou a expressão "Lula foi descondenado apenas por um CEP diferente" para facilitar a repetição pelo rebanho ignaro. Não se trata, porém, de mero "CEP diferente", mas da ação dolosa de um juiz que forjou uma competência que não tinha para julgar o caso de Lula porque já tinha em mente condená-lo a qualquer custo.

O processo do triplex, assim como o do sítio de Atibaia e outros dois que, na fase inicial, Moro maculou com suas mãos podres foram, enfim, anulados pelo STF, por incompetência territorial e, sobretudo, por parcialidade do então juiz, como antes já deveriam ter sido, não fosse um evidente conluio da elite representada no bojo do judiciário para tirar do caminho a figura do candidato que liderava a corrida presidencial em 2018. Exitosos nessa bem planejada e executada empreitada, daí surgiu BolsoNero e, com ele, toda a crise institucional inaugurada após sua posse e que perigosamente perdura até hoje, com risco de reverter-se em estado ditatorial acaso seu mandato seja renovado.

Nos demais vinte e dois casos, alguns não foram sequer recebidos por juízes de primeiro grau ou tribunais, federais ou estaduais. Noutros, Lula foi absolvido, outros foram trancados, todos por juízes de carreira, concursados, que nada devem a político algum, de vereador a presidente.

O que se viu contra Lula foi o que a ciência jurídica já batizou de "lawfare", que é a aniquilação de um político por meio de uma enxurrada de ações judiciais, ou seja, com foros de legalidade e legitimidade.

Lula, como eu, como (creio) meu prezado leitor, é inocente, queira o não o preconceito, que embaça a visão, e o ódio que seus adversários, inimigos e algozes cultivam no coração e que lhes corrói a capacidade de raciocinar.

(Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 12 de outubro de 2018).

19/07/2018

Foi Há Meio Século

Você se lembra de onde estava e o que fazia cinquenta anos atrás? Não, certamente não. O mais provável é que nem fosse nascido. Pois é. Eu me lembro. Sim, eu tinha quatro anos e sete meses cravados e me recordo exatamente do que fazia e onde me encontrava em 19 de julho de 1968.

Trago na memória poucas lembranças de meu pai. Chamava-se Ildefonso, era conhecido como Nego, apelido carinhoso que já revela a estima que os outros tinham por ele desde menino.

Uma das lembranças mais significativas é do dia em que minha mãe, Cida, nos deu “remédio quente”, a mim e à minha irmã Eliana. Não sei que raio de remédio era aquele, mas era “quente”. E saímos a passear pela pequena Rafard eu, minha irmã e meu pai. Estávamos na esquina da rua Marechal Deodoro com a Maurício Allain, diante de uma venda. Meu pai nos comprou sorvetes. Voltamos para casa e à noite passamos mal, com bronquite. Minha mãe acreditou a vida inteira que eu e minha irmã passamos a sofrer com bronquite por causa daquele picolé. Onde já se viu dar gelado a quem tomou “remédio quente”!

Outras lembranças são mais agradáveis. Eu me lembro de quando escrevi meu próprio nome num prendedor de roupas, de madeira. Até então eu jamais havia ido a uma escola. Estávamos sentados no quintal de casa. Minha mãe pendurava roupas no varal e eu – a lembrança não alcança detalhes, mas imagino – copiei meu nome de uma folha de papel em que meu pai devia tê-lo escrito. A família fez festa pelo meu modesto feito. Foi a primeira vez na vida que me senti orgulhoso por algo que escrevi.

Num dia abri um berreiro na hora em que meu pai saía para o trabalho e me dizia que não poderia ficar. Noutro, íamos à missa, minha irmã no colo de minha mãe, ele trajando terno, carregando um guarda-chuva.

A mais marcante das lembranças é a do Natal de 1967. Havíamos ido à casa de meus nonos, Tone e Nina, que ficava na mesma rua em que morávamos, a umas três ou quatro quadras de distância. Meu nono não havia ainda comprado nossos presentes de Natal. Ele disse a mim e à minha irmã “peguem esses brinquedos. Comprei para o Joãozinho e para a Oliete (filhos de tia Vitória, hoje também já falecida), mas depois eu compro outros para eles”. Foi meu primeiro presente de Natal, um caminhãozinho tipo guincho. Tinha até uma roldana e uma cordinha na carroceria, com um gancho na ponta.

No meio do caminho da casa do nono à nossa há a igreja de Nossa Senhora de Lourdes, padroeira da cidade. Meu pai nos levou até à porta e nos mostrou o presépio. “É por ali que vem Papai Noel”, disse-nos.

Outra recordação é de meu pai varrendo a rua. Ele, filho de agricultores, deixou o campo e, com um irmão, meu tio Nico, também já falecido, montou uma transportadora. Tinham apenas uma carreta. O motorista era um negro risonho que me carregava no colo, não me vem à mente o nome dele. Não deu certo a sociedade. Com o dinheiro da venda do caminhão, ele e minha mãe compraram a casinha. Ficou descapitalizado e desempregado. Minha mãe foi à luta. Conseguiu um emprego para ele na prefeitura. Ela contava que foi difícil. Genaro Vigorito, primeiro prefeito da cidade recém-emancipada, disse a ela que ele não precisava, “os Albiero são gente rica”. Quando asfaltaram as ruas da vizinhança de casa, meu pai integrava a turma. Ele fazia a varrição após a aplicação do asfalto. Do portão de casa eu o vi trabalhando.

Não me lembro de nenhuma vez em que eu o tenha chamado de pai. Poucos diálogos com ele me restam na memória. Certa feita, sentados eu, ele, Eliana e a prima Célia na minha cama, meu pai nos mostrou um relógio de pulso e disse que havia sido presente do nono.

Noutra ocasião, eu o acompanhei ao médico. Tomamos o ônibus em Rafard e descemos na rua 15 de Novembro, em Capivari, defronte onde hoje é a loja Paz Vídeos. Desci do ônibus com as passagens. Meu pai me disse para devolvê-las ao motorista – era Tito ou Sílvio Braggion, não me lembro ao certo, ambos primos dele (em Rafard, éramos praticamente todos parentes). Eu, já metido a fazer graça, rasguei os tíquetes. Rimos todos, despedimo-nos do primo e rumamos os dois ao consultório do Doutor Máximo Guidetti, logo ali adiante.

Não me recordo de nenhuma lição que ele tenha me dado. Nenhuma bronca, nenhum conselho, nenhuma palavra sobre como eu devesse me comportar, e isso é o que mais me entristece. Tudo o que sei do caráter de meu pai, por testemunho de quem o conheceu, é que ele era um homem bom. Esse foi e é o único exemplo que ele me deixou. Um homem bom e trabalhador, que não se envergonhava de exercer um ofício modesto. É esse modelo que eu me esforço para seguir.

Em 19 de julho de 1968 eu estava na casa dos meus nonos. O lugar estava cheio e havia um corpo no meio da sala, descansando num esquife. A certa altura, minha irmã chegou. Havíamos ficado uns dias na casa de tia Luzia, enquanto meu pai esteve internado. Naquele dia, porém, nos separamos. Eu cheguei primeiro, com minha mãe. Eliana chegou depois, com tia Luzia e calçando chinelos novos. Briguei com ela por causa dos chinelos de dedo. Em dado momento, chegou tia Vitória. Ela se aproximou do caixão e, ao ver o corpo do irmão, deu um grito longo e dolorido que ecoa em minha alma até hoje. Creio que só então eu me dei conta de que não era uma festa.

O féretro saiu da casa dos nonos para a igreja, na mesma quadra. Minha última lembrança é do cortejo. Chovia fino. Homens de ternos e guarda-chuvas pretos carregavam o ataúde, caminhando rumo ao cemitério de Rafard. Fiquei na casa dos nonos e da esquina eu via a procissão, uma quadra acima.

Ele tinha apenas quarenta anos de idade, completados um mês antes. Eu não sabia, mas naquela tarde chuvosa de 1968 eu me despedia de meu pai. Que era um homem bom e trabalhador.

(Publicado originalmente em 19 de julho de 2018 no meu Facebook - Luís Antônio Albiero)

15/07/2018

O Melhor da Cidade

Um conterrâneo e velho conhecido fez uma sugestão ao grupo "Capivari Melhor", do qual ambos éramos integrantes, que me ensejou a seguinte resposta.

Isso foi em 2018:

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Meu caro Carlinhos G***, que decepção tive ao ler esse seu infeliz comentário, logo vindo de você, a quem reputo uma pessoa inteligente, sensata, cordial.

A ideia de que nós, petistas - que antes de sermos petistas somos capivarianos iguais a você -, deixemos o grupo para nos confinarmos num agrupamento de que participem apenas os que pensam igual a nós emparelha com ideias que, no passado, levaram um certo governante alemão a confinar judeus em fazendas cercadas por alambrados e soldados. Daí a querer nossa extinção em câmaras de gás será um pulinho...

Meu caro, faço um apelo à sua inteligência e ao bom senso que ainda creio que habite em seu ser.

Você nos chama de "fanáticos". Eu pergunto: o que é o "fanatismo"?

E eu mesmo respondo. Fanatismo é o que exibem pessoas que seguem uma ideia levados apenas pela emoção, por um sentimento, por uma necessidade de adesão tão forte que dispensa o uso da razão, do bom senso, do raciocínio lógico e inteligente.

Fanático é, por exemplo, o sujeito que crê mais na cura por oração do que na medicina que muitas vezes ele próprio pratica. Fanático é o sujeito que se deixa levar por pré-concepções, por ideias preconcebidas, ou seja, por preconceito, do qual se origina o ódio, que cega e que mata.

Pois preste atenção nas nossas postagens e compare-as às dos outros, dos que se opõem a nós.

Nós acreditamos no debate civilizado de ideias. Por isso trazemos ao grupo argumentos, razões, fatos históricos, dados estatísticos, que embasam os ideais que defendemos.

Defendemos Lula pelo que fez pelo Brasil, em favor da economia, das empresas, pela criação de empregos e valorização dos salários, mas principalmente pelo que fez pelos mais pobres, a quem salvou da morte pela fome ou da exclusão social (foram mais de trinta milhões de brasileiros retirados da miséria), a quem levou esperança e oportunidades, a quem fez ingressar no mercado de consumo, nos shoppings centers, nos aeroportos e nas universidades independentemente da cor, do sexo, da origem, da classe social.

Lula fez o que fez e não se locupletou - tanto que foi necessário fazer um verdadeiro contorcionismo jurídico para condená-lo por um "apertamento" de quinta categoria que nunca foi dele, no qual ele jamais pernoitou uma única noite sequer, cujas chaves nem ao menos lhe foram entregues. Enfim, essa história estamos cansados de saber, e as máscaras começam a cair, a verdade aos poucos tem vindo à tona.

Do outro lado, dos que se opõem ao nosso pensamento, o que vemos? Pessoas que vão votar num troglodita defensor de métodos violentos, homofóbico e preconceituoso, e que nem sabem por que nele pretendem votar. Dizem que vão votar porque vão e ponto final. Não conseguem expor uma razão, até porque se se guiassem pela razão escolheriam qualquer outro candidato, menos esse.

Mas é a nós, que fornecemos razões, fatos, argumentos, que você chama de "fanáticos"!

Devemos ser, portanto, mais de trinta milhões de fanáticos. Aliás, devemos ser um país de fanáticos, pois Lula deixou a presidência com quase 90% de aprovação ao seu governo, sendo que a aprovação à sua pessoa superava esse limite.

Seu legado foi tão forte, tão portentoso que ele elegeu e reelegeu sua sucessora e agora, mesmo preso, mesmo sendo calado, massacrado pela mídia dia após dia, noite após noite, ele segue liderando todas - TODAS! - as pesquisas de intenção de votos. E tem o dobro das intenções do ogro que aparece em segundo lugar!

Se somos fanáticos, estamos bem acompanhados, meu caro, por gente do nível de um Chico Buarque, de um Paulo Betti, Marieta Severo. De Leonardo Boff, frei Betto, dom Angélico. De Jessé de Souza, Raduan Nassar, como fanático devia, segundo sua ótica enviesada, o saudoso Ariano Suassuna. Estamos ao lado de Perez Esquivel, Noam Chomsky, Jorge Mario Bergoglio (mais conhecido como Franciscus), Leonardo Padura. De incontáveis líderes e chefes de Estado de todo o mundo que querem Lula livre, candidato e eleito presidente.

Quanto à finalidade deste grupo, eu faço minhas as palavras do amigo Ovídio Panserini. Para que serve? A que será que se destina?

Levando em conta o nome, "Capivari Melhor", devo dizer que certamente não foi criado para reunir "o melhor" da cidade, a "nata" da sociedade, pois se fosse esse o objetivo eu me recusaria a participar. Não me agrada a soberba, a arrogância dos que se acham melhores do que os outros.

Quero crer que tenha sido criado com o objetivo de debatermos o que é possível fazer para que tenhamos uma "Capivari melhor", o que necessariamente passa pela discussão sobre como tornarmos este estado de São Paulo melhor, assim como nosso Brasil melhor - sobretudo neste momento de eleições estaduais e nacionais. Afinal, não somos uma ilha e o desenvolvimento de qualquer cidade depende do desenvolvimento do país, do estado, da região a que pertence.

Por isso, meu caro, nestes tempos de intolerância aguda, de certezas fulminantes, de ânimos acirrados, pessoas como você devem exercitar a tolerância, a compreensão, o respeito ao pensamento divergente.

Se quer continuar gozando do meu respeito (se bem que você o terá sempre, em qualquer circunstância), da minha admiração - se é que você julga isso importante -, eu lhe peço, por gentileza, não nos chame de fanáticos. Não nos confunda com os fanáticos, muitos dos quais estão por aqui, e talvez isso seja a causa da confusão.

E não deseje mais que nós nos confinemos e permaneçamos num grupo distante aguardando como cordeirinhos nossa eliminação numa câmara de gás, ainda que virtual.

De resto, façamos deste espaço um local de efetivo debate de ideias, em que cada um respeite as razões do outro e que todos saibamos expor nossos pontos de vista com a inteligência, com a serenidade, com a civilidade com que Luciana expõe. Eu tenho muito orgulho de tê-la como esposa, uma pessoa inteligente, com pensamentos próprios, como poucas pessoas aqui têm, e que os expõe com invejável capacidade. Aproveitem, ao invés de gastarem energia e pobreza de argumentos tentando desqualificá-la.

É do debate que nasce a luz.

Só assim, num ambiente verdadeiramente democrático, é que poderemos fazer da nossa Capivari uma cidade de fato melhor, em que todos nós possamos viver e conviver em paz, sem exclusão de ninguém.

07/07/2018

Todo Menino é um Rei

“Eu também já fui rei / mas qual / despertei”, cantava Roberto Ribeiro.

A vida não tem sido fácil para os nossos pequenos reis. Principalmente para os brasileiros.

Cada vez que penso nos meio-irmãos Kauã e Joaquim, estuprados e assassinados pelo próprio pai e padrasto em Linhares (ES), meu coração sangra. Decerto eles acreditavam viver em segurança num lar abençoado. Seu algoz, afinal, exercia funções de pastor. Não imaginavam que aquele que criam ser seu protetor era, na verdade, um desses religiosos picaretas que se aproveitam da fé alheia para enriquecer e que não poupam sequer a vida dos entes queridos para alcançar seus objetivos. Quem o viu dando entrevista dias depois de ter ateado fogo nos garotos percebeu que o falso religioso simulava um choro, mas não lhe escorria uma única lágrima por detrás dos óculos de sol que usava.

A menina Vitória Gabrielly, de Araçariguama (SP), também foi assassinada. Por engano, por conta de uma dívida com traficantes de droga com os quais não tinha relação alguma.

Nos Estados Unidos, crianças são separadas da família ao atravessar a fronteira em busca de melhores condições de vida. São barradas pelo ódio de um presidente que não se peja de adotar medidas truculentas para “proteger seu país”. Quem viu os pequenos desesperados, abandonados numa gaiola gigantesca, não teve como deixar de associar a cena à imagem dos campos de concentração onde Hitler depositava os judeus, a quem tinha por inimigos. Donald Trump escolheu o resto do mundo como inimigo de seu povo, especialmente latinos e muçulmanos. Quem não se comoveu com esse drama, quem não se indignou com a passividade de Michel Temer, com a pusilanimidade de seu governo ao ouvir calado o pito que o vice-presidente Mike Pence teve a audácia de nos passar em nosso próprio território, revela o mesmo caráter perverso do pastor assassino tentando ocultar a ausência de lágrimas.

Comovemo-nos, no entanto, com o drama dos garotos tailandeses, encravados numa caverna debaixo d’água, com quem os brasileiros se identificam mais facilmente. São tempos de Copa do Mundo e eles integram um time de futebol infantil. Poderiam estar em casa, acompanhando os jogos da Rússia, torcendo, discutindo os lances, fazendo prognósticos, como todo garoto fã do futebol.

Aí me vem à mente o menino da favela carioca a caminho da escola, mochila às costas, certamente ansioso para encontrar os coleguinhas, comentar o empate do Brasil com a Suíça, trocar figurinhas, porque é o que fazem os garotos durante uma Copa do Mundo.

Marcos Vinícius não usava o uniforme da seleção, provavelmente um sonho de consumo fora do alcance econômico de sua família. Uma camiseta amarela básica com o número e o nome de Neymar às costas o deixaria feliz, mas não, nem isso. Outro era o uniforme que vestia.

Muitos jogadores e torcedores acreditam que basta vestir a histórica camiseta verde-amarela para fazer os adversários tremerem. Marcos Vinícius acreditava na força do uniforme escolar.

Hoje, no entanto, ele não pode chorar a derrota do Brasil para a Bélgica. Sequer pode alegrar-se com as vitórias contra Costa Rica, Sérvia e México. Não teve tempo de ver crescer e frustrar-se a esperança de conquistarmos o hexacampeonato, pois teve sua vida interrompida, alvejado a caminho da escola por um tiro disparado por um “blindado”. Tinha quatorze anos e sobrevivia no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Ele reclamou da dor que sentia, mas não chorou. Afinal, um rei não chora. Apenas lamentou. “Ele não viu que eu estava de uniforme”, disse à mãe antes de morrer.

O uniforme da seleção não a torna imbatível. O escolar não blinda nossos garotos. Ainda assim, renovamos a esperança de que o melhor futebol do mundo voltará a ganhar uma Copa daqui a quatro anos e só nos resta continuar acreditando que a educação é a salvação para os garotos pobres deste país.

O menino da Maré já não reina neste plano. Não verá nenhuma dessas conquistas. Coube-lhe a dolorosa constatação de que o uniforme da escola não impede o triunfo da violência, da arbitrariedade, da injustiça.

(Luís Antônio Albiero, advogado em Americana-SP, ex-vereador do PT em Capivari-SP)

23/06/2018

Coração Verde e Amarelo

Não basta ser golpista, é preciso ser ridículo, do tipo que estufa o peito e esgoela: “minha bandeira jamais será vermelha!”

Além de confusão em relação ao que está acontecendo no Brasil, essa pessoa revela uma absoluta ausência de percepção histórica. Como assim, jamais será vermelha? O que a pessoa tem contra a cor, apenas uma cor?

Ignora a pessoa que, antes de os portugueses aqui aportarem, o Brasil existiu sob o signo do vermelho. Aqui sempre reinou soberana a enorme bola de fogo que do céu nos alumia e que ostenta fulgurante cor escarlate. Que dês d’antanho avermelhava a pele dos primeiros habitantes, que andavam pelados por esta imensa Pindorama. Tão pelados que os gajos d’além-mar, quando enfim cá chegaram enfiados em vestes grossas e pesadas que lhes causavam mal-estar e cheiro horrível, ruborizados ao se deparar com pintos e seios balouçantes e pererecas à mostra, chamaram aos aborígenes de “peles vermelhas”.

Ignora mais o infeliz, que o que de fato atraiu os portugueses, nos primórdios, foi uma árvore chamada pau-brasil, uma madeira resistente e vermelha da qual se extraía um pigmento de igual coloração, usado em pinturas e tingimentos. Aliás, o nome Brasil, assim como o da árvore que o inspirou, vem de brasa, de braseiro, da cor avermelhada de um pedaço de pau em chamas.

Há quem jure que o vermelho seja a primeira cor que o bebê enxerga e que teria sido a primeira que o homem batizou. É a cor do sangue que corre nas minhas veias, nas suas, prezado leitor, e – pasmem! – até mesmo nas entranhas dessa gente que a repugna sem saber por que. Por ser a cor do fogo e do sangue, é tida como a cor da paixão e do amor.

A igreja católica usa o vermelho para simbolizar o sangue e a vida de Jesus. As batas dos sacerdotes, o manto do altar são do mesmo tom nos dias em que se comemora a Paixão de Cristo, o Domingo de Ramos e a Sexta-feira santa. E eu fico só imaginando os católicos reacionários mais empedernidos fazendo igual campanha contra o “esquerdopapa” Francisco usando o lema “o sangue de Jesus jamais será vermelho!”

Especialistas afirmam que existem 105 tons de vermelho. É a cor por excelência, tanto que em espanhol se diz “colorado”, de colorido.

Nada obstante todo esse portfólio positivo da magenta, esse pedigree do sanguíneo, esse curriculum vitae invejável da piranga dos índios, a cor passou a ser tratada como em oposição às cores da bandeira brasileira, especialmente da dupla verde e amarelo que caracteriza a camiseta da CBF. Quem pagou o pato, quem diria, foi a gloriosa seleção canarinha, cinco vezes campeã mundial, na iminência de conquistar – tomara! – o sexto título.

Tanta ojeriza essa gente dedicou ao vermelho, por sua associação à ideologia de esquerda, que a direita quis se apropriar com exclusividade do verde-amarelo. Um símbolo nacional, cores oficiais da pátria brasileira, foi sequestrado por fanáticos cegos de ódio que foram às ruas seguindo o Pato Amarelo da FIESP, manipulados pela Globo, pedir um golpe de estado! Foram vestidos de dourado, mas vermelhos de rancor, espumando furiosos e brandindo a bandeira brasileira, dizendo que esta jamais terá a cor que desde a origem nos simboliza.

O mico foi tanto, a demonstração de estupidez tão extraordinária, que essa gente, que pôs no lugar da presidenta honesta a mais insaciável quadrilha de corruptos da História do país, hoje fica ruborizada de vergonha e, em plena Copa do Mundo de futebol, não tem mais coragem de usar a camiseta verde-amarela da CBF. O uniforme, antes sucesso comercial, encalhou e deu prejuízo a quem apostou nas vendas, deixou no vermelho os comerciantes mais entusiasmados.

Do lado do time da esquerda, os vermelhos como eu têm receio de, usando a camisa oficial da seleção, serem confundidos com os manifestoches, temem passar de otários. Ou seja, acabam sucumbindo ao sequestro do verde e do amarelo engendrado pela turma da direita.

É, porém, chegada a hora do resgate! É o momento de retomarmos o verde, o amarelo, o azul e o branco, as cores da bandeira do Brasil, para todos. Afinal, são um símbolo nacional e a todos pertencem, da esquerda à direita.

Aproveitemos a oportunidade que nos proporciona a Copa do Mundo da vermelhíssima Rússia e vamos, orgulhosos, vestir a camisa da seleção canarinha.

Eu já encomendei a minha, predominantemente amarela, verde no colarinho e no punho,em que o símbolo da corrupta CBF é substituído por uma gaiola aberta, de dentro da qual sai, como num chute, uma estrela vermelha, acompanhada de outras quatro menores, indicando que a esperança segue rumo à sua quinta vitória contra o ódio, e de uma frase em que se pede a liberdade daquele que caminha para completar seu tríplex eleitoral.

O país é nosso, a seleção não pertence à CBF, o futebol é o esporte preferido da maior parte dos brasileiros e a direita não tem o monopólio das cores nacionais. Não há razão para sucumbirmos e deixarmos de exercitar mais uma vez, em plenitude, nossa paixão coletiva maior. Tenhamos perspectiva histórica.

E que venha o hexa! Vai, Brasil!

(LUÍS ANTÔNIO ALBIERO, em Capivari, SP, aos 23 de junho de 2018)