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21/04/2018

O Discurso da Sujeira

A sociedade brasileira vem sendo há anos intoxicada por um discurso midiático voltado à criminalização da Política. Apegados ao falso moralismo dos que nutrem preconceito aos políticos, aos quais atribuem a razão suprema de todas as mazelas que conhecemos, os meios de comunicação tentam cristalizar a ideia de que todo político é corrupto, que a Política é suja e não é coisa de gente honesta.

Tenta-se incutir nas pessoas a certeza de que é melhor por de lado as questões políticas e deixá-las para quem tem um dom natural para isso, ou seja, aquela casta de aristocratas supostamente ungidos por bênçãos celestiais que sempre dominaram a política no Brasil, os representantes da elite, sejam dela filhos naturais ou adotivos.

Na essência, o recado da turma de cima é o seguinte: nós, os legítimos donos da Casa Grande, é que desde sempre soubemos governar e não vocês aí da senzala. Contentem-se em chegar à nossa cozinha, limpar nossos banheiros, arrumar nossas camas e nos servir à mesa. De resto, fiquem quietinhos no cumprimento de seus deveres, porque esse é o seu lugar.

Vendida a ideia diariamente, de modo explícito ou velado, era preciso embalá-la em fatos concretos – e o que não falta são atores da Política a dar razão ao discurso da sujeira.

Instalado em 2003 o governo mais representativo das camadas populares da história do país, não demorou para eclodir a farsa do tal "mensalão", um suposto esquema que visava garantir aprovação de projetos no Congresso Nacional, como a reforma tributária, que nunca saiu do papel, e a da previdência. Ora, quem em sã consciência acreditaria que, comprando meia dúzia de deputados federais e nenhum senador, o governo garantiria a aprovação de medidas impopulares, que exigiam votos favoráveis de três quintos dos mais de seiscentos parlamentares, para "perpetuar-se no poder"? Mas foi essa a tese vencedora, foi por conta do uso artificial de um mecanismo jurídico chamado "Teoria do Domínio do Fato" que José Dirceu e José Genoino foram condenados e presos, o primeiro só por ter sido ministro-chefe da Casa Civil, o outro por ter assinado um contrato bancário na condição de presidente da instituição tomadora do empréstimo.

Apesar de todo estardalhaço, o governo foi vitorioso nas três eleições presidenciais seguintes, com Lula reeleito em 2006 e fazendo sua sucessora em 2010, quando deixou o governo com incrível aprovação na casa dos 90% dos brasileiros, e seu legado foi bastante para garantir a reeleição da primeira mulher presidenta do Brasil.

Insatisfeitos, os responsáveis pela narrativa da "política suja" persistiram e levaram muitos partidos políticos a, envergonhados, trocar o nome, extraindo dele a palavra "partido". Candidatos "não políticos" surgiram, autodenominados "gestores" ou "independentes". Dilma foi golpeada, apeada do poder sem um real crime de responsabilidade, sem nenhuma acusação de corrupção contra si, e em seu lugar, com forte apoio popular inicial, foi içada ao centro do poder a mais evidente e voluptuosa quadrilha de corruptos de que se tem notícia, chefiada pelo então vice Michel Temer.

A tentativa de consolidar o golpe, porém, tem uma gigantesca sombra a ameaçá-la - o próprio ex-presidente Lula.

Como todo político é sujo, ladrão, corrupto, segundo a lógica do discurso vendido à sociedade brasileira, não seria difícil pegar esse migrante nordestino que ousou tomar conta da sala de controle da Casa Grande. A ideia foi começar pelas beiradas, e foi facílimo apanhar, nos escalões mais elevados da Petrobrás, diretores atolados em corrupção. Pouco importa que muitos deles já fossem diretores desde o governo FHC ou que as construtoras corruptoras sugassem a companhia já desde os governos militares. O alvo era Lula.

Prenderam-se diretores, ex-deputados, ex-ministros, ex-governadores, todos flagrados com contas milionárias no Brasil e no exterior, joias e quadros valiosos, carros e imóveis de luxo, com áudios, vídeos, documentos. Não seria difícil pegar Lula.

Por um fatal erro de cálculo, porém, o alvo não correspondia exatamente ao que dele esperavam seus algozes. Exaustivamente investigado pela Lava Jato, nada foi encontrado de idôneo, sério e seguro que comprometesse o ex-presidente. Ao que tudo indica, toparam com uma raridade: um político honesto!

Foi necessário apelar à farsa do tríplex para condená-lo, um apartamento que seria dele num futuro incerto, segundo o juiz que o condenou. Foi-lhe aplicada a pena cavalar de doze anos e um mês - uma aberração para um réu primário e de excelentes antecedentes, que tanto fez em favor de milhões de necessitados deste Brasil afora.

Está preso. Está, segundo insistem em dizer, inelegível. Mas não, nem uma coisa, nem outra. Sua prisão é apenas física e sua inelegibilidade será enfrentada com amplo respaldo na lei eleitoral. Ele será candidato e lidera as pesquisas de intenção de votos, com vantagem superior ao dobro de votos do segundo colocado. Apesar de todo massacre midiático e das adversidades que vivencia, Lula arregimenta, segundo variadas pesquisas, um terço dos votos do país em primeiro turno e vence com dois terços em segundo. Também seu partido, dito morto e enterrado, segue firme e forte, ostentando a preferência do eleitorado, sem ter feito concessão ao discurso hipócrita da negação da política, sem ter mudado de nome ou orientação ideológica.

A liderança de Lula e do PT, sua resistência e resiliência, representam a vitória da Política sobre o discurso que tenta negá-la. Alvíssaras! (Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador pelo PT de Capivari de 1989/92 e 2001/04)