No fundo, no fundo, a empresa reconhece que o Partido dos Trabalhadores representa, de fato e de direito, um imenso contingente da população brasileira, que vai muito além dos 30% mencionados no editorial, que, em reiteradas pesquisas, há décadas vêm expressando ter o PT como sua preferência eleitoral. Um público consumidor de sua produção que ela perdeu e tenta recuperar.
Trinta por cento não vencem uma eleição, de modo que a votação obtida pelo partido desde sua fundação, desde sua primeira participação numa eleição presidencial - a primeira ocorrida após longo período ditatorial de quase um quarto de século -, é demonstrativa de sua força.
A partir das célebres eleições de 1989, o PT disputou todos os segundos turnos havidos (1989, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018), dos quais venceu quatro sucessivos, e foi segundo colocado nos dois únicos pleitos resolvidos em primeiro turno (1994 e 1998).
Ao longo dessas quatro décadas, PT resistiu a avalanches como o mensalão, invenção de Roberto Jefferson que mereceu entusiasmado apoio da Rede Globo e contou com o beneplácito - ou "maleplácito", ficaria melhor - da maioria dos ministros do STF, e da Lava Jato, em que a mesma emissora incensou e transformou em herois um juiz e seus procuradores amestrados e corruptos, cujas reais e malévolas intenções, a pouco e pouco, estão vindo à tona.
Os donos da empresa, conhecida especialmente pela chamada "Vênus Platinada", finalmente se deram conta da amplitude e força do partido ao qual, desde sua fundação, tem-se dedicado a atacar impiedosamente. Lula e suas mais de quatrocentas horas de difamação no Jornal Nacional que o digam.
O editorial, portanto, não é um "perdão" que, sem autoridade alguma, pretende "conceder" ao partido que sempre odiou e continuará odiando, mas uma espécie de pedido envergonhado de desculpas ao povo brasileiro.
O pedido enrustido de perdão da Globo é uma tentativa arrogante e oportunística de recuperar essa parte qualificada do povo brasileiro, representado pelo PT, que são os filiados, os simpatizantes e os eleitores do partido, que não são cegos e sabem o que a Globo fez nos verões, outonos, invernos e primaveras das quatro décadas passadas - e nas cinco anteriores.
É, portanto, uma obra de ficção que pouco oferece para ser levada a sério, o que me fez lembrar de "Perdoa-me por Me Traíres", do genial dramaturgo de direita Nelson Rodrigues.
Em "O Anjo Pornográfico", biografia de Rodrigues escrita por Ruy Castro, há uma passagem em que o autor de "Véu de Noiva", "Boca de Ouro" e outras obras de igual importância afirma que "para salvar a platéia é preciso encher o palco de assassinos, adúlteros, de insanos e, em suma de uma salada de monstros. São os nossos monstros, dos quais eventualmente nos libertamos, para depois recriá-los. (Nelson Rodrigues, O Anjo Pornográfico, pág.273.)"
Parece que a Globo se deu conta dos monstros que ao longo do tempo criou, responsáveis pela conjuntura política atual em que a empresa vê ameaçada sua sobrevivência, uma "salada de monstros" que preparou e temperou com esmero e agora não sabe como devorar.
Na letra de "Mil Perdões", Chico Buarque de Holanda, outro gênio da literatura nacional, este de esquerda, criou versos em que diz "Te perdoo porque choras / Quando eu choro de rir / Te perdoo / Por te trair".
O editorial d'O Globo, como a peça de teatro e a letra da música, é uma ode ao cinismo e à hipocrisia - que se resume no título deste texto, "perdoo-te por te trair". É, de fato, como se "perdoasse" o povo brasileiro pela traição que a empresa, reiteradamente, ao longo de mais de nove décadas, vem praticando contra quem a sustenta, que é representado na política pelo Partido dos Trabalhadores. Que - digo por mim, não pela instituição, mas sei que falo por milhões de petistas - não perdoa a Globo pelas mentiras contadas e estragos causados à Democracia do país.
(*) https://oglobo.globo.com/opiniao/e-hora-de-perdoar-pt-24527685
(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, 11 de julho de 2020)