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12/10/2018

Lula, afinal, é ou não "Comunista"?

Para responder a essa pergunta devo, por óbvio,  tentar explicar primeiramente o que seja "comunismo".

Peço escusas aos mais entendidos no assunto para poder explicar segundo alcançam meus parcos conhecimentos a respeito e de forma didática. Talvez exageradamente simplista, mas é como julgo mais eficaz. A esta altura do jogo, não há tempo nem espaço para arroubos ou pruridos acadêmicos.

Vamos lá. 

Muito simplificadamente, "comunismo" é um regime econômico (e político) em que ninguém, individualmente, é dono dos meios sociais de produção, em que não existe ou é restrito o direito de propriedade e o Estado, em nome da coletividade, é o único ou principal detentor dessa titularidade. Há variações,  por evidente, mas não interessa para este singelo e despretensioso artigo. 

Nesse contexto, por exemplo, minha estimada tia e meus queridos primos que lutam pela vida tocando pequenas indústrias de confecção no interior paulista não poderiam ser donos das fábricas, porque não poderiam deter a propriedade das máquinas e demais instrumentos necessários à produção das calças jeans e outros itens de vestuário que produzem. 

Meus avós maternos e nonos paternos não poderiam ter sido os pequenos proprietários que foram na primeira metade do século passado, porque não teriam o direito de ser donos das terras, dos animais, dos equipamentos e demais instrumentos que utilizavam para cultivar e colher as batatas, as cebolas, os tomates e outros itens que produziam. 

Num regime "comunista", caberia ao Estado alocar a mão-de-obra e definir as metas e o que produzir de acordo com o que aos governantes de plantão parecesse mais conveniente para atender às necessidades do povo. 

De plano, creio que já tenha dado para perceber que esse tal "comunismo" jamais existiu no Brasil, sequer na América do Sul. 

Bom, e o que afinal isso tem a ver com Lula?

Nada, exceto pelo fato de os adversários viverem berrando que Lula é "comunista",  assim como seu partido e todos os que o apoiam - espectro hoje ampliado para alcançar Geraldo Alckmin, FHC, a Globo, o Luciano Hulk, o dono da Natura, os pais do Plano Real, muitos "farialimers" e até mesmo Abílio Diniz e os banqueiros (quem diria!?!); enfim, todos os que não se aliam a BolsoNero. 

Vou explicar contando, ainda que em breves linhas, a história de Lula.

Já é sabido que Lula nasceu no Nordeste, que veio para São Paulo aos sete anos de idade,  em pau-de-arara, acompanhando a mãe e irmãos que se mudaram para o Sudeste para viver com o pai, que viera alguns anos antes para fugir da fome e da seca em busca de melhores condições de vida.

Veio parar em Santos, onde foi engraxate e vendedor de frutas nas ruas. Com a mudança da família para São Paulo, o caçula foi o primeiro dos irmãos a fazer um curso de torneiro mecânico no Senai. 

Diplomado, para orgulho da mãe, dona Lindu, e dos irmãos, tornou-se metalúrgico e trabalhou em algumas empresas do ramo no ABC paulista. 

Influenciado por um irmão mais velho, Frei Chico - ele, sim, militante comunista -, ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e chegou ao posto de presidente, que lhe deu projeção nacional e internacional nos estertores da ditadura militar. 

Como presidente do maior sindicato de trabalhadores da América Latina, Lula acostumou-se a negociar com os patrões - Volkswagen, Villares, Ford, empresas desse porte - melhorias nos salários dos empregados e das condições de trabalho. 

Lula nunca pregou que aqueles trabalhadores ocupassem as fábricas e se autodeclarassem donos dos tornos e demais meios de produção, embora essa fosse a ideia que dele falsamente se vendia, certamente porque esse devesse ser o temor dos empresários à época. 

Tudo o que Lula queria era que os metalúrgicos se mantivessem empregados, que não fossem demitidos, que pudessem ganhar um pouco mais e tivessem condições de trabalho mais condignas.

Com esse modo de pensar, Lula chegou à conclusão de que não bastava concentrar sua luta e os esforços apenas em favor de uma categoria, já quase uma "casta" entre as diversas categorias de trabalhadores. 

Com aguçado senso humanitário e espírito verdadeiramente cristão, Lula logo percebeu que era preciso ampliar as conquistas, os direitos, e não só os direitos trabalhistas, a todas as pessoas, a todos os trabalhadores, de todas as categorias, às donas-de-casa, aos empregados domésticos e aos desempregados, às crianças e aos idosos que ainda não podiam ter ou já não mais tinham emprego ou qualquer relação de trabalho. 

Foi quando compreendeu que para ampliar os direitos a todas as pessoas, empregadas ou não, o único caminho possível era a Política. 

Assim foi que concebeu a ideia de organizar um partido político. 

E foi desse modo que despertou em Lula a consciência social, justamente em alguém que até então, como ele mesmo diz, abominava a Política, sobre a qual costumava dizer, ingenuamente orgulhoso: "odeio a política e odeio os políticos".

Na nova empreitada, Lula direcionou sua atuação, e a de seu partido, a ações concretas que pudessem representar melhores condições de vida e de trabalho aos trabalhadores e a todos os brasileiros. 

Chegou à presidência da República e assim se comportou. Criou programas governamentais sempre voltados à inclusão social e à redistribuição de renda, como forma de reduzir as desigualdades sociais. Reduziu drasticamente a fome no país, enfrentou o desemprego gerando vinte milhões de postos de trabalho, levou pão, água, dignidade, esperança e oportunidades a milhões de brasileiros. 

Com essa concepção de como governar para todos, priorizando os mais necessitados, foi reeleito gozando de invejáveis índices de aprovação de seu governo e de sua pessoa, no alto dos quase 90%. Elegeu sua sucessora e contribuiu para sua reeleição. 

Nem Lula em seus oito anos de seu mandato, nem o PT nos demais seis anos de Dilma jamais fizeram qualquer gesto, tomaram qualquer atitude, assinaram qualquer lei ou decreto que passasse perto de tirar de minha tia, de meus primos, dos demais empresários do país, grandes, médios, pequenos ou microempreendedores, a propriedade que eles detinham, ainda detêm e continuarão detendo sobre os meios de produção, sobre o maquinário, sobre as empresas de que são legítimos proprietários.

A definição que tenho para Lula é esta: trata-se de um político de ideais socialistas que se movimenta num terreno capitalista. Uma espécie de programa de computador (software) de conteúdo socialista que roda num ambiente capitalista (hardware). 

Dizem que o capitalismo traz em si mesmo o vírus de sua própria destruição e que o mundo caminha para o comunismo. Esse dia certamente levará décadas, talvez séculos para chegar. Lula não é teórico, é prático. A vida, individualmente considerada, é muito curta, e parece ser única. O povo passa fome hoje e hoje esse problema tem de ser resolvido. A fome exige solução urgente, para ontem, e os trinta e três milhões de brasileiros lançados de volta à miséria depois do golpe dos corruptos de 2016 não podem esperar por soluções utópicas, distantes e que se movem como a linha do horizonte. 

Lula não quer tirar as pequenas fábricas de minha tia e dos meus primos para entregá-las aos trabalhadores. Ele quer apenas que essas indústrias de confecção continuem existindo, continuem empregando seus trabalhadores, que ampliem seu quadro de empregados e que proporcionem a eles bons salários e boas condições de trabalho. E que elas, as indústrias dos meus familiares, aumentem suas vendas, que cresçam, que tenham mais lucros e possam, ao fim a ao cabo, contratar mais e pagar melhor aos seus contratados. 

Tudo o que Lula quer, afinal de contas, é que os empregados das fábricas dos meus familiares e de todas as demais indústrias, comércio e prestadores de serviços do país possam ter sua casa, seu automóvel. Que possam nos finais de semana reunir as famílias e os amigos para curtir um churrasquinho, não de carne de índio, como diz apreciar o atual presidente, mas de picanha, acompanhado de uma cerveja, uma caipirinha, como prefere Lula. E que uma vez por ano possam gozar de férias, viajar para o litoral paulista, para outros estados, para a América do Sul, Central ou do Norte, para a Ásia, África ou Europa, tanto quanto podem seus patrões. E, tanto quanto eles, tenham também acesso a bons médicos,  bons hospitais, boas escolas, para que os filhos de uns e de outros possam ingressar no ensino superior, tornar-se doutores e garantir um futuro de melhor qualidade de vida para si e para todos.

O que Lula quer é somente que patrões e empregados possam viver bem e conviver em paz, sem que haja exploração daqueles sobre estes. 

Forjado na luta sindical, nas relações de trabalho, na convivência entre empregados e patrões, Lula não é um "comunista", mas um "trabalhista". Ou seja, alguém que tem a cabeça nos ideais socialistas e os pés bem firmados sobre o chão do capitalismo. 

(*) Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 8 de outubro de 2022

O Que Significa "Descondenado"?

Sem ter como se redimir, por falta de dignidade para ato de tamanha nobreza, de todas as mentiras que contou ao longo dos últimos anos acerca do elevado grau de criminalidade "só-que-não" do cidadão brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a quem "pegou para Cristo", a mídia tupiniquim vinculada ao poder econômico inventou um termo para designar a situação jurídica do ex-presidente: "descondenado". Grafada sempre assim, entre aspas, que é mesmo para destacar que se trata de neologismo, embora absorvido em tempo real pelo VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), repositório oficial das palavras que existem na língua pátria editado e revisado anualmente pela Academia Brasileira de Letras.

É fato, portanto, que a tal palavra '"descondenado", sabe-se lá desde quando, existe mesmo, oficialmente reconhecida, no rico vocabulário desta brava gente brasileira. Assim decretaram, entre um gole e outro do chá das cinco, sorvido com elegância e cuidado para não derramar no fardäo a erva efervescente, nossos valorosos acadêmicos.

Importante registrar é que nas versões "on line" de dicionários como Aurélio e Michaelis trata-se de verbete ausente, assim também no lusitano Priberam.

No âmbito jurídico, que é o que no caso importa, trata-se de termo desconhecido - e olha que profissional do Direito é extremamente criativo ou apegado a palavras que causam estranheza aos olhos e ouvidos dos que não são do meio, como "sabença", "cediço", e por ai vai.

Resta-me, portanto, destrinchar o significado de "descondenado" e começo examinando sua construção, sua formação derivativa.

"Descondenado" compõe-se do prefixo "des" e da flexão do verbo "condenar", do qual deriva, em sua forma nominal a que se dá o nome de "particípio". O particípio indica uma ação finalizada ou relacionada ao passado. O prefixo "des" indica negação, separação ou cessação, como em "desleal", "desossar" ou "dessintonizar".

"Descondenado", portanto, é particípio do verbo condenar e significa "aquele que teve negada ou cessada uma condenação que contra si houvera sido imposta". Uma condenação, portanto, que como tal deixou de ser, deixou de existir.

Ora, quem tem negada, cessada, desfeita uma condenação outrora existente contra si condenação não tem.

O efeito do ato de "descondenar" alguém é devolvê-lo ao estado natural de inocência. Um "descondenado" é, portanto, alguém que retomou o mesmo status de inocente do dia em que veio ao mundo.

Lula, portanto, assim como eu, assim como - creio - você que lê este texto, é tão inocente quanto um bebê que acaba de nascer.

Inexistente no vocabulário jurídico, "descondenado" tem o mesmo valor semântico do termo técnico "absolvido", condição daquele que foi submetido a um escrutínio penal e, ao fim e ao cabo, restou não condenado, ou teve sua condenação revertida, de todo modo não culpado pelo crime que se lhe imputava.

Vale recordar que, de acordo com a Constituição Federal brasileira, só pode ser tachado de culpado aquele que tenha contra si transitado em julgado uma sentença criminal condenatória (Art. 5°, inc LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória").

Sem trânsito em julgado, não há condenação válida consolidada. Sem condenação consolidada, presente o estado de inocência. Ponto.

OS CASOS DE LULA

Enquanto foi presidente - por oito longos anos, portanto - Lula não teve contra si nenhum processo, nenhum inquérito instaurado, nenhuma acusação formalmente formulada. Diferentemente, portanto, do atual despresidente, que já coleciona dezenas de acusações que só não vão adiante porque há uma barreira humana chamada Augusto Aras, nomeado a dedo por BolsoNero para protegê-lo e a seus filhos à frente da Procuradoria Geral da República.

Lula deixou a presidência, passaram-se outros quatro anos e a situação continuou a mesma: zero processo, zero acusação. Nem o farsesco mensalão o atingiu diretamente.

Foi só depois que Dilma foi reeleita, quando os adversários perceberam que Lula viria forte para as eleições de 2018, que começaram a pipocar os processos, as mais esdrúxulas acusações contra Lula.

Formou-se assim e então uma tal "força-tarefa" chamada Lava Jato que, ao fim e ao cabo, viria a se revelar uma verdadeira organização criminosa direcionada a projetar na Política os seus principais expoentes - um deles hoje eleito senador, após frustrada tentativa de lançar-se candidato a presidente da República; o outro, hoje deputado federal mais votado da província do Paraná. Ambos arrogam-se "comandantes" da Lava Jato, o que é inconcebível para um juiz, a quem caberia o papel isento e imparcial de magistrado.

A "orcrim" da Lava Jato usou e abusou do que quer que fosse, legal ou ilegal, para investigar o ex-presidente Lula e acabou tendo de condená-lo, à custa de muito malabarismo jurídico, por simples reformas num apartamento e num sítio que nunca foram dele e jamais serão, nem seriam.

Diante da evidência de que o tríplex nunca foi transferido ao nome do ex-presidente, que nem mesmo posse do imóvel teve, porque nele não pernoitou nem por uma noite sequer - nem ele, nem a falecida esposa, nenhum dos filhos, noras, netos, outros parentes, nem amigos, assessores ou queirozes de qualquer laranjal -, Sérgio Moro teve de inventar aberrações jurídicas, como "propriedade de fato" e "propriedade (ou posse) atribuída".

Ora, para condenar um servidor público por corrupção passiva, exige-se a presença de pelo menos um dos três verbos: "solicitar", "receber" ou "aceitar" (promessa de) vantagem indevida. Nenhum deles tem identidade ou similaridade com o verbo "atribuir".

"Propriedade de fato" é outra aberração, porque "propriedade" é essencialmente de direito, que para existir no mundo jurídico exige registro em cartório, em correlação ao instituto da "posse", esta sim, um fenômeno meramente fático. Nem posse, nem propriedade teve Lula em relação ao apartamento de cobertura do prédio do Guarujá.

E o juiz ainda não indicou qual o ato de ofício que o presidente teria praticado ou, sendo obrigatório, teria deixado de praticar em contrapartida à vantagem indevida que lhe fora "atribuída". À míngua de um fato ao menos, recorreu ao uso da expressão genérica "atos indeterminados".

Dos 26 processos contra Lula, apenas foram anulados os quatro que Sérgio Moro pôs suas mãos sujas, maculados por sua parcialidade e por incompetência do juízo pelo qual respondia.

Moro forçou, desde o início, sua competência para julgar os casos em que a acusação fosse de corrupção por contratos da Petrobras. O interessante é que, no caso específico de Lula, em embargos declaratórios o próprio então juiz reconheceu expressamente que naquele caso não se tratava de recursos provindos de contrato da Petrobras. Nem assim o meliante de toga reconheceu sua incompetência e a sentença foi remetida ao tribunal, que fechou os olhos e fez ouvidos moucos aos argumentos da defesa.

O GadoÓ (Gabinete do Ódio Produção de Memes e Feiquinius Ilimitada) cunhou a expressão "Lula foi descondenado apenas por um CEP diferente" para facilitar a repetição pelo rebanho ignaro. Não se trata, porém, de mero "CEP diferente", mas da ação dolosa de um juiz que forjou uma competência que não tinha para julgar o caso de Lula porque já tinha em mente condená-lo a qualquer custo.

O processo do triplex, assim como o do sítio de Atibaia e outros dois que, na fase inicial, Moro maculou com suas mãos podres foram, enfim, anulados pelo STF, por incompetência territorial e, sobretudo, por parcialidade do então juiz, como antes já deveriam ter sido, não fosse um evidente conluio da elite representada no bojo do judiciário para tirar do caminho a figura do candidato que liderava a corrida presidencial em 2018. Exitosos nessa bem planejada e executada empreitada, daí surgiu BolsoNero e, com ele, toda a crise institucional inaugurada após sua posse e que perigosamente perdura até hoje, com risco de reverter-se em estado ditatorial acaso seu mandato seja renovado.

Nos demais vinte e dois casos, alguns não foram sequer recebidos por juízes de primeiro grau ou tribunais, federais ou estaduais. Noutros, Lula foi absolvido, outros foram trancados, todos por juízes de carreira, concursados, que nada devem a político algum, de vereador a presidente.

O que se viu contra Lula foi o que a ciência jurídica já batizou de "lawfare", que é a aniquilação de um político por meio de uma enxurrada de ações judiciais, ou seja, com foros de legalidade e legitimidade.

Lula, como eu, como (creio) meu prezado leitor, é inocente, queira o não o preconceito, que embaça a visão, e o ódio que seus adversários, inimigos e algozes cultivam no coração e que lhes corrói a capacidade de raciocinar.

(Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 12 de outubro de 2018).