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10/01/2023

O Médico que Virou Caminhoneiro

O médico da minha cidade que foi a Brasília justamente no dia da "Revolta dos Manés" - olha que coincidência! - emitiu uma nota esclarecendo a situação, que achei muito crivel. Afinal, trata-se de gente de bem, cristã e pacífica.

No afã de colaborar com ele, sugeri apenas que faça alguns retoques.

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Meu caríssimo Dr. A***, esse seu álibi precisa de uns pequenos ajustes.

Você saiu de Capivari ("partiu Brasília", há vários prints espalhados pelas redes sociais locais) na véspera da "Revolta dos Manés". Na nota, afirma que foi visitar o filho que lá reside. Na sequência da viagem, no domingo, foi ao restaurante com a mesma camisa e o mesmo boné com que saiu da terrinha... Restaurantes em Brasília devem ser chiques. Imagino o constrangimento do doutor por ter de ir com a camisa suada da viagem. Se foi de carro, o amigo rodou 920km, 11h46min de estrada. Uns pequenos retoques serão suficientes, acredito.

Só ficou sabendo dos acontecimentos pela mídia e foi à praça de guerra "só pra ver". Perfeito. Fez questão, porém, de gravar um vídeo debaixo da cúpula invertida da Câmara dos Deputados, em que xingou as mães dos policiais militares que, cumprindo seu dever, haviam espargido gás lacrimogêneo para tentar dispersar a patuleia ignara e enlouquecida, e ainda afirmou com todas as letras que "tem mesmo que matar esses caras". Devia ter ouvido seu advogado antes de gravar, mas acho que ainda dá para consertar.

Afirma na nota que "socorreu uma senhora" que havia sido atingida pelas bombas de efeito moral "até a ambulância chegar". Não duvido, nem um pouco. Só acho estranho é que nos incontáveis vídeos da quebradeira geral que os "pacíficos" manifestantes praticaram, que eles mesmos gravaram e fizeram questão de espalhar pela internet (que falta faz um advogado!), não vi uma única ambulância por ali... Não descreio da sua palavra, porém.

Imagino que o amigo esteja com alguma dificuldade, pois não teve outras camisas para levar na mala de viagem de visita ao filho. Isso me fez lembrar de tê-lo visto com os caminhoneiros organizando as manifestações que trancaram rodovias nos dias seguintes à vitória do presidente Lula. Até pensei, coitado, teve que mudar de profissão, virou caminhoneiro... É, a vida está difícil para todo mundo. Tempos melhores hão de vir, tenha fé. Aliás, já se iniciaram.

(Foto: Real Furgões)

Quanto aos outros - falo dos outros, não do doutor -, eles aprenderam na marra que atentar contra a Democracia, contra as instituições, não é mole não. Os golpistas bolsoterroristas hão de pagar por tudo o que fizeram, pelos prejuízos materiais e pelos imateriais. Espero que o amigo se livre dessa. Conselho de advogado, no entanto: melhore esse álibi, pois há considerável risco de os federais não o levarem muito a sério.

Abraços.

Por nada.

09/01/2023

Os Patriotas e Sua Batalha de Ásculo

Pensando bem, os autoproclamados "patriotas" conseguiram seu objetivo.

Sem um propósito claramente definido, eles adentraram de modo forçado às sedes dos três Poderes da República, como há tempos desejavam. Um feito inestimável.

Arrebentaram tudo o que puderam. Quebraram enormes estruturas de vidro, rasgaram estofados, esfaquearam obras de arte, arrombaram portas, roubaram armas, destruíram computadores e documentos. Com igual fervor patriótico, atiraram o Brasão da República ao chão, deixando-o ao relento, expulso de um dos palácios. Tão à vontade se sentiram que urinaram e defecaram pelos corredores. Fizeram, ora pois, uma "cagada" federal.

Saíram da gloriosa empreitada carregando diversos troféus, como a porta do gabinete do ministro Alexandre de Morais e a versão original da Constituição de 88. Gravaram vídeos e tiraram selfies em animados colóquios com soldados do exército e da polícia militar. Deixaram, enfim, a praça dos Três Poderes felizes e cantando vitória, convencidos de que haviam alcançado seu intento, fosse ele qual fosse.

Como cães que rosnam para pneus e correm atrás de automóveis, porém, não souberam o que fazer quando o carro parou. Eles subjugaram o Legislativo, o Executivo e o Judiciário do país. Vandalizaram e tocaram o terror. Chegaram ao ápice de adentrar o gabinete do presidente da República, palco das mais importantes decisões da vida nacional. E o que, afinal, fizeram com toda essa conquista? Mudaram alguma coisa na estrutura institucional do país? General Heleno é o presidente? Há uma junta militar a nos governar? BolsoNero voltou triunfante do esconderijo para o qual fugiu como gatinho assustado?

Não, nada disso.

O episódio serviu ao menos para acabar com a fantasia dos patriotários alimentada por setenta dias de acampamento diante de quartéis. Por mais violentos que eles sejam capazes de se mostrar, não passam de um bando de equivocados, abilolados, imbecilizados pelo fanatismo que dedicam a um ídolo de pés de barro. A esta altura, com mais de mil deles detidos na Academia da Polícia Federal de Brasília aguardando o momento de prestar depoimento, já devem ter a consciência de que de fato e de direito o Brasil tem um novo governo e que o presidente atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva, hoje mais forte do que no dia da eleição.

A "Tomada de Brasília" revelou-se uma reedição tupiniquim da célebre "Batalha de Ásculo". Repetindo o gesto do rei de Epiro e da Macedônia, felicito a todos os soldados "cabeças-de-papel" por essa histórica e tragicômica vitória de Pirro.

(Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 9 de janeiro de 2023)

(Imagem: "A Vitória de Pirro", Wikipedia)