Não raro eu procuro deixar no vácuo quando me deparo com exemplo dessa hostilidade que, no fundo, sei que não foi fruto de maldade, nem foi percebida por quem a cometeu.
Certamente um erro meu, mas, nesses momentos, prefiro esperar a poeira baixar e que a fogueira se apague. Não vale a pena estressar-me com amigos do coração, sobretudo companheiros e companheiras de partido ou que comigo ocupam o espaço à esquerda no espectro da Política.
Integro um partido em que nos tratamos como “companheiros”, palavra que significa “aqueles que dividem o pão“. Vem de “cum panis”, “com o pão”. Significa que entre comensais, entre aqueles que comungam da mesma mesa, hão de prevalecer o respeito e a confiança, ou ninguém comerá coisa alguma, haja vista que sempre haverá o temor de que a pessoa ao lado tenha colocado veneno no prato do vizinho de cá.
Já antes das eleições de 2018, por exemplo, quando Lula nem tinha sido preso e eu dizia que, embora preferisse Haddad candidato a presidente, era o ex-presidente quem tinha votos, amigos do coração vieram me dizer que era preferível apostar na renovação e que eu idolatrava a pessoa de Lula, seguido de um discurso oco sobre “idolatria a um político de estimação”.
Essa visão a meu respeito eu detesto, porque visa a me depreciar, como se fosse um fanático, alguém que se posiciona apenas por paixão exacerbada, quando tudo na minha vida procuro pautar pela razão. E há uma enorme distância entre idolatrar alguém e ter por ele ou ela admiração por força de razões concretas, objetivas.
Num partido político, assim como em qualquer agrupamento humano, institucional ou não, há de existir esse liame de confiança e de respeito entre seus integrantes.
Eu bem me lembro das discussões sobre o PT apoiar o PSDB na eleição da ALESP, das desconfianças suscitadas à época. E de outros casos semelhantes, como apoiar o Rodrigo Maia para presidente da Câmara Federal.
As pessoas têm compreensível dificuldade de entender as relações intraparlamentares. Os partidos precisam de espaço nos parlamentos, e isso envolve negociações que nem sempre são deglutíveis à maioria das pessoas.
O fato é que aquelas discussões pareciam ter o potencial de implodir o partido. Passou-se o tempo e, no entanto, ele se mantém íntegro e mais forte e muitos sequer se lembram dos motivos pelos quais se rebelaram contra parlamentares e seus apoiadores. Uma virulência que só serviu para prejudicar a imagem da agremiação e de suas lideranças perante os que já nos odeiam por diversas razões menores.
Agora é a vez da aprovação que a bancada do PT na Assembleia Legislativa paulista deu, por unanimidade, ao projeto que elevou os subsídios do futuro governador Tarcísio de Freitas. Ora, se toda a bancada votou de forma uníssona é de se supor que tenha havido discussões profundas que culminaram nesse consenso. Suposição calcada na confiança e no respeito.
O subsídio do governador representa o teto do funcionalismo do Estado, o que limita a possibilidade de elevação de salários de todas as áreas, desde os dos secretários estaduais até diretores de escola, por exemplo.
Sei que num país em que a imensa maioria ganha um salário mínimo, e muitos nem isso, é difícil explicar a necessidade desse aumento. De todo modo, eu prefiro que a bancada venha a público e dê suas explicações. Que até agora não vi.
Questionar a atuação de uma liderança política, de um partido ou de uma fatia deste, como sua bancada legislativa, é sempre legítimo, é próprio da Democracia. Expor desconfiança sobre a lisura do comportamento alheio, porém, é sempre temerário, de modo que a prudência recomenda aguardar as explicações formais da bancada.
É recomendável, sobretudo, respeitar quem com tal cautela prefere agir, o que desautoriza tomar-nos a todos como "cegos", "fanáticos" ou "idólatras". Sigamos tratando-nos uns aos outros como companheiros e companheiras que somos. Filiados ou não.
(Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 3 de novembro de 2022)