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18/07/2017

Laís Ficou me Devendo

Uma velha amiga da família e vizinha de infância ficou me devendo resposta ao seguinte questionamento, que fiz em resposta a um comentário com o qual ela me honrou numa postagem minha de 18 de julho de 2017 sobre o presidente Lula.

Ela havia comentado "Só para lembrar, esse 'cara' de madeira que não é de lei, chefiou o maior esquema de corrupção da HISTÓRIA DESTE PAIS" - concluindo assim, em letras maiúsculas, como quem estivesse gritando.

Eis minha resposta:

**********

Laís, querida, como vai? Tudo bem?

Acredita que dia desses sonhei com você? Ontem ou anteontem, não me lembro bem, mas muito recentemente. E olha que coincidência, eis você aqui, comentando uma postagem minha!

Vou aproveitar que você me honrou com um comentário e também o fato de que você me conhece desde os meus tempos de calças curtas, desde o “Bar do Tota”, no bom e velho “Buraco da Onça”, para lhe fazer uma pergunta. Quero que você me ajude a raciocinar, você que é uma pessoa que conheço há tanto tempo, de quem sei da boa índole e do seu conhecimento sobre política – na verdade, imagino que troque impressões a esse respeito com meu querido amigo Osvaldo, um expert no assunto.

A pergunta é simples. Por que, afinal de contas, as pessoas – muitas pessoas, e não falo de você, porque a vejo muito acima da linha dessa mediocridade reinante – não conseguem admitir, sequer por hipótese (nem por “remota hipótese”, como gostamos de dizer, nós advogados, em petições, quando queremos raciocinar pela ótica do adversário; “por epítrope”, diria a ministra Rosa Weber), essas pessoas não conseguem admitir que um sujeito que venha de baixo – como eu vim –, que se torne político – como eu me tornei –, que chegue à presidência da República, que seja reeleito, que em seguida eleja sua sucessora e depois a reeleja, possa ser um homem honesto?

Simplificando a questão: por que essas pessoas têm dificuldade em admitir que o outro seja honesto?

Pense no conjunto dessas pessoas, na média dessas pessoas: são pessoas simples, de boa índole, formadas na cultura cristã, que prega a noção de honestidade, de justiça, de amor ao próximo, de solidariedade e, ao fim e ao cabo – para aqueles que erram, que “pecam” –, prega a possibilidade de regeneração (a partir da noção do perdão). Essas pessoas, portanto, cristãs que são, ao meu ver deveriam partir da ideia de que os outros são honestos, até prova em contrário. Não é mesmo? Da ideia do não prejulgamento (afinal de contas, o exemplo mais marcante de toda a História da Humanidade de um erro de julgamento está na raiz do cristianismo, correto?).

Pois é. Aí é que eu fico me perguntando. Por que essas pessoas têm uma dificuldade intransponível de admitir que aquele sujeito que veio de baixo e chegou ao posto mais elevado de governante de seu país possa ser aquilo que todos nós devemos ser: honesto. Por quê?

Será só por preconceito? Se o sujeito era pobre, ficou poderoso, ”só pode” ter aproveitado para roubar. Se entrou para política, “só pode” ter sido para roubar. Afinal, esse cara governou um país, comandou ao longo de oito anos orçamentos que, somados, dão algumas dezenas de trilhões de reais (ou dólares, ou euros... tanto faz, trilhão é trilhão em qualquer moeda). Então, “só pode!”

Ou será que essas pessoas – repito, não incluo você, obviamente, pois sei da sua índole – projetam nesse sujeito, no “outro”, nas outras pessoas, as vontades, as intenções, os desejos delas próprias? Tipo, “ah, se fosse eu, metia a mão mesmo!” Será que é isso? Será que honestidade é mesmo só uma falta de oportunidade?

Outra coisa. Proporcionalidade. Na minha adolescência, eu me destacava em matemática. Hoje, mergulhado no Direito, só me restam noções da “mágica dos números”, dentre elas a da proporcionalidade.

Um sujeito desonesto, ladrão contumaz, que governasse seu país e tivesse sob seu controle trilhões de reais (ou dólares, ou euros...), sairia desse governo para voltar a morar no mesmo apartamento onde morava antes? Sairia desse governo com um apartamento no Guarujá do qual não tem a chave, nunca usou, nunca alugou, nunca cedeu a um casal de amigos sequer, que não está em seu nome, que não pode vender, não pode deixar de herança para os filhos...

Ah, verdade! Não é só isso. Tem o sítio de Atibaia... Mas esse sítio é anterior à presidência, é de amigos, sócios de um de seus filhos. Portanto, ele não recebeu por propina e, ainda que disso se tratasse, também não pode vender, não pode doar, não pode emprestar ou alugar, não tem como deixar de herança... porque também não está no seu nome!

Será mesmo que o comandante dos trilhões, seja de que moeda for, sendo um corrupto ladravaz incorrigível, sairia desse governo com um sitiozinho e um apartamento que não são dele, que ele não pode negociar, e nada mais?

Ah, tem também o terreno do instituto... que também não é dele, nem jamais foi! Ah, o apartamento alugado para guardar as quinquilharias da presidência... Também!

Enfim, que raio de corrupto ladrão é esse que comanda orçamentos trilionários e sai apenas com dois pedalinhos e dois barquinhos de lata num lago de um sítio de amigos?

Ah! Mas tem as provas. As provas que o juiz disse que estão no processo e, por causa delas, condenou esse sujeito a nove anos e meio... Um contrato não assinado, as palavras de um empresário que ficou dois anos preso até que lhe batesse o desespero e ele pudesse, enfim, delatar até a própria mãe, e notícias de jornal. Do jornal “O Globo”.

Então, se nosso glorioso "Correio de Capivari" publicar que o casarão dos Lembo é meu, eu vou poder reivindicá-lo na justiça, porque, afinal, é meu, já que a imprensa está dizendo que é?

Essas são as tais “provas”. Do triplex, no caso. Que não está em nome dele, onde ele nunca pernoitou sequer por uma noite, do qual ele nem ao menos recebeu as chaves. Que ele não pode vender, doar, alugar, emprestar, deixar de herança.

Voltamos à estaca zero, concorda?

Ah! Sem querer abusar, mas já abusando, me ajude a pensar noutra coisa. Agora o sentido é inverso ao da proposição que lhe fiz anteriormente. É possível que haja um juiz desonesto?

Bom, nessa área, confesso minha dificuldade de raciocinar. Sou dos que medem os outros pela própria régua. Sei do meu caráter e presumo sempre que todos sejam honestos, até prova em contrário. Assim ajo e raciocino por minha formação cristã, como lhe disse, pelo que aprendi desde o berço com minha mãe, que você tão bem conheceu, como conhece toda minha família. E também por minha formação jurídica. E não só eu raciocino assim, mas a Constituição também. É, ela mesma, nossa gloriosa Constituição. Sabia que uma Constituição é formada de raciocínios, de modos de pensar? Pois é. Ela raciocina, e nos diz: todos são inocentes (vale dizer, todos somos honestos) até prova em contrário. Então, para mim, é difícil pensar especificamente num juiz desonesto.

Mas deve haver, não deve? Juízes desonestos devem ser como bruxas. ¡"No creo em las brujas, pero que las hay, las hay!"

E uma pessoa desonesta não é necessariamente alguém que “roube”, que se “corrompa”. Um juiz que deliberadamente julga de modo injusto, sem levar em conta as provas, só para prejudicar alguém, só para favorecer alguém, é uma pessoa desonesta, não é?

Mas, enfim, essa é uma hipótese na qual prefiro não acreditar, nem me aprofundar em pensamentos. É minha índole, já lhe disse.

Espero muito por sua ajuda, Laís, para me auxiliar a compreender esses dramas existenciais que me atormentam, a mim e – creio – a toda nossa amada nação brasileira.

Resumindo, para facilitar para você: por que as pessoas não conseguem admitir que uma pessoa, vinda da miséria, que chegue ao governo de seu país, possa ser honesta?

E mais: pode existir um juiz desonesto?

Beijão, querida. Lembranças para o Osvaldo, para o Álisson (veja que não me esqueci!), para a menina (ih! Minha memória agora falhou...).