26/05/2018

A Mulher de César

Diziam os latinos que à mulher de César não bastava ser honesta, era preciso que parecesse como tal. No âmbito das coisas públicas, aparências não são “uma bobagem”, como disse o juiz midiático da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Fernando Moro. Muito pelo contrário, no caso dele e de qualquer magistrado há um impedimento ético a aparecenças em público ao lado de outras pessoas, sobretudo quando estas integram ou representam empresas ou entidades submetidas a seu julgamento.

Moro, que recentemente recebeu nos Estados Unidos (interessante esse apego do juiz ao reino de Donald Trump) uma homenagem patrocinada pela LIDE (empresa brasileira), que todos sabem pertencer ao ex-prefeito de São Paulo e atual candidato a governador do estado pelo PSDB João Doria Júnior, deve ter-se esquecido que o art. 13 do Código de Ética da Magistratura impõe que “o magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza”. Sugiro ao leitor desconfiado que dê uma “gugada” (faça uma pesquisa no Google) usando as palavras “Código”, “Ética” e “Magistratura” e confira com seus próprios olhos.

Aliás, esse evento foi patrocinado por um escritório de advocacia também brasileiro (da pequena Cianorte, no Paraná) que presta serviços jurídicos à Petrobras, empresa estatal que atua nos processos da Lava Jato como “assistente de acusação”, ou seja, como parte. Vê-se que Moro, o distraído, se esqueceu também do art. 17 do mesmo Código de Ética, segundo o qual “é dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional”. No caso, ele aceitou o benefício de ser homenageado e ter as despesas pagas por um advogado que representa uma empresa que é parte em processos que cabe a ele julgar. Difícil compreender a comprometedora confusão de interesses?

Depois de ter uma foto em que aparecem ele e Doria com as respectivas esposas divulgada por todos os veículos de comunicação e redes sociais do país – imagem que o ex-prefeito tucano já está usando como propaganda de sua precandidatura a governador -, Moro recusou-se a se declarar suspeito, como requerido pela defesa de Lula, no processo que investiga sua frequência ao sítio de amigos da família em Atibaia (cidade que, por sinal, a exemplo de Guarujá, também não fica no Paraná).

O pior foi a desculpa esfarrapada de Moro. Ele, que já havia dito publicamente que a tal foto era “uma bobagem”, nos autos escreveu que tinha a mesma importância de Lula posar ao lado de Aécio Neves ou Geddel Vieira Lima. Mas como é distraído esse piá! Parece que ele não sabe que Lula não é juiz, não vai julgar ninguém, e que a característica primordial de todo político é exatamente ser parcial, tomar partido, aproximar-se de outros políticos, dialogar com eles. Exatamente o oposto de como deve agir um magistrado, como é o caso de Moro, que a cada atitude revela-se um ignorante em política.

Ignorância não é crime, nem pecado, nem é algo feio. Sou tão ignorante em física quântica quanto Moro é analfabeto político. A diferença é que, mesmo néscio na atividade em que Lula é gênio, Moro, como juiz preparado que deveria ser, tem obrigação funcional de conhecer minimamente o universo político, item que inclusive compõe a lista de temas a serem estudados por qualquer candidato a concurso da magistratura. Assim, a comparação feita é descabida e impertinente e só aprofunda a revelação da inegável animosidade que move o juiz de Curitiba em relação ao réu cuja cabeça sempre teve como troféu a ser conquistado.

Com esse tipo de comportamento, Moro só faz crescer a certeza de que todo seu empenho é mesmo e somente para perseguir o ex-presidente Lula e que a prisão política que decretou contra este só atende ao objetivo mesquinho de o manter fora da disputa eleitoral deste ano, completando assim o “Golpe dos Corruptos de 16”.

Não por acaso, pesquisa divulgada ontem pelo jornal O Estado de São Paulo revela que a aprovação pessoal a Lula só cresce, batendo os 45% (a maior dentre todos os demais presidenciáveis), enquanto a rejeição à sua pessoa cai, ao passo que as impressões em relação ao juiz Sérgio Moro seguem sentido inverso: sua aprovação vem caindo e já está na faixa dos 40% (inferior à de Lula, portanto) e sua reprovação não para de subir (50%, tecnicamente empatada com o ex-presidente). Note-se que não se trata de pesquisa de intenção de votos, até porque não é o caso de Moro (ao menos no pleito deste ano), mas de avaliação pessoal, ou seja, sobre a conduta de cada qual. Revela, portanto, uma crescente desconfiança na capacidade de Moro de agir de modo imparcial e, ao mesmo tempo, uma crença também crescente na inocência de Lula e nas injustiças contra ele praticadas pelo juiz.

Denúncias sobre negociações espúrias de delações premiadas, já feitas pelo advogado hispano-brasileiro Rodrigo Tacla Duran e agora reforçadas pela delação de dois doleiros presos na operação “Câmbio Desligo”, têm o potencial bombástico de revelar, se houver empenho das autoridades responsáveis, até aqui negligentes, algo mais substancioso e bem menos nobre do que meras aparências, como César exigia da própria esposa honesta.

(LUÍS ANTÔNIO ALBIERO, advogado em Americana-SP, ex-vereador pelo PT de Capivari-SP de 1989/92 e 2001/04).

20/05/2018

A Avalanche Cirista

De repente, as redes sociais se viram tomadas por uma avalanche de internautas que apoiam a candidatura de Ciro Gomes, ex-governador do Ceará que se apresenta como candidato a presidente e quer ocupar o espaço da centro-esquerda, embora sua origem política seja lá na ponta direita (antiga Arena).

Chama a atenção a agressividade de muitos desses apoiadores que, ao invés de difundir virtudes que encontrem no seu candidato, preferem fazer pressão intensa contra os que optam por Lula. Os ciristas acreditam e pregam que só Ciro pode unificar as esquerdas, isso porque essa unidade é imprescindível para que sua candidatura ganhe a musculatura necessária para levá-lo ao segundo turno.

É uma baita falta de respeito a quem está convencido a apoiar a candidatura de Lula. Este, embora preso, para desespero da Direita, continua liderando com folga em todas –sem exceção! – as pesquisas eleitorais, em que aparece com mais de trinta por cento, contra dezesseis pontos percentuais do segundo melhor colocado (Bolsonaro). E, no segundo turno, Lula vence qualquer dos concorrentes com margem ainda maior, próximo dos sessenta por cento.

Ora, o partido que tem o candidato que lidera as pesquisas, que já foi presidente por dois mandatos, que elegeu e reelegeu sua sucessora, que tem muito a mostrar do que fez em favor do povo brasileiro; o partido que é o maior do país, talvez o mais importante de esquerda do mundo, que tem a maior bancada do Congresso; o partido vitorioso nas últimas quatro eleições presidenciais e que segue sendo o preferido do eleitorado brasileiro, com quase vinte por cento das preferências, contra no máximo cinco pontos do segundo colocado (PSDB), por que raios haveria de abrir mão de ter candidato próprio para apoiar um cavalo paraguaio que patina em torno dos cinco por cento de intenção de votos?

Nutro por Ciro certa admiração, pela sua inteligência, seu tirocínio, mas ele não é a última bolacha do pacote, como se acha e tenta surfar na onda de Lula só porque este está preso.

Os petistas têm consciência das dificuldades que Lula enfrentará, mas sabem da sua inocência e têm clareza de que ele pode – e deve – ser candidato. Eu mesmo escrevi um texto que viralizou nas redes sociais e foi publicado no jornal eletrônico Brasil 247 em que analiso, juridicamente, os passos da candidatura Lula. O partido pedirá seu registro que, certamente, será impugnado. O candidato terá, então, prazo para apresentar sua defesa. A decisão – que caberá desde logo ao TSE, por se tratar de eleição presidencial – muito provavelmente será pelo indeferimento (salvo se, a tempo, nos recursos criminais apresentados ao STJ e STF, for concedida medida liminar suspendendo os efeitos da sentença – art. 26-C da Lei 64/90).

Mesmo com a decisão desfavorável, Lula poderá recorrer, dessa feita ao STF. Embora as decisões do TSE sejam irrecorríveis, conforme está no Código Eleitoral, a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de um recurso chamado “extraordinário”, desde que voltado exclusivamente para discutir uma questão constitucional.

A questão constitucional diz respeito à própria condição de elegibilidade de Lula. É que o art. 15, inc. III, da Constituição prevê que os direitos políticos de qualquer brasileiro só podem ser suspensos ou perdidos, na hipótese de decorrer de uma sentença penal condenatória (como no caso de Lula), depois que esta transitar em julgado. Ora, qualquer cidadão que esteja no exercício pleno de seus direitos políticos reúne condição básica de elegibilidade, como está dito no art. 14, inc. II, da Constituição, e só a perderá ou a terá cassada depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nenhuma lei infraconstitucional, como é o caso da ficha limpa, pode derrogar esse preceito constitucional.

E enquanto a candidatura de Lula estiver “sub judice”, ou seja, por todo o tempo em que tramitar o processo eleitoral, ele poderá continuar fazendo sua campanha, inclusive participando de debates e entrevistas, e poderá até chegar ao dia da eleição com seu nome e foto na urna eletrônica e ser eleito.

Depois de eleito, qualquer decisão posterior desfavorável que se torne irrecorrível, que lhe venha a cassar o registro, o diploma ou até mesmo o mandato, obrigará a que se realize uma nova eleição.

Haverá um momento de tensão por volta de meados de setembro, desde a data limite prevista na lei eleitoral para substituição de candidatos até o dia da eleição. É que, se o partido, até a data limite (17 de setembro), decidir-se por levar a candidatura até o final e, porventura, uma decisão definitiva desfavorável venha a ocorrer antes de sua eleição, o partido terá perdido a oportunidade de fazer a troca. Nesse caso, o segundo e o terceiro mais votados no primeiro turno disputarão o segundo.

Enfim, não há razão nenhuma para, neste momento, o PT abdicar de uma candidatura expressiva como a de Lula, o preferido do povo brasileiro, hoje vivendo a condição de preso político por força de uma decisão judicial absolutamente nula, que o atinge no bojo do golpe de estado sofrido em 2016. Ao ver dos golpistas, o golpe precisa ser consumado nas eleições deste ano e, para isso, é imprescindível que Lula esteja fora do pleito, porque se não for por WO, eles não vencem a eleição.

Se houver eleição, claro.

(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 d 2001/04)