19/01/2018

Preocupem-se

Postei a seguinte resposta a um comentário no Facebook:

"Prezado Elton, perdoe-me a intromissão. Você está confundindo alhos com bugalhos. Automóvel é bem móvel e obedece a um certo regramento. Falando tecnicamente, a propriedade do bem móvel se dá pela simples tradição. O que significa isso? Que eu posso lhe vender o meu carro e não passar documento algum, não transferir o registro para o seu nome. Mas a partir do momento da entrega ( = tradição, vem do verbo "trazer", do latim "tradere"), você é o dono e, portanto, responsável por qualquer acidente em que ele venha a se meter.

Outro regramento tem o bem imóvel.

Dada a importância da terra, da repartição do solo para nossa sociedade, há exigência de registro em cartório. Só é dono quem registra. O registro é, juridicamente, essencial para a prova da propriedade. Eu só provo a propriedade da minha casa com uma certidão do cartório de Registro de imóveis que ateste que a casa, o terreno, está em meu nome. É a chamada "certidão de matrícula". Nem a escritura é suficiente, é preciso que esteja registrada.

Mas há outra coisa, que se chama posse. A posse não depende de registro. A posse é um fato, um acontecimento da realidade. A posse se dá com a simples ocupação, de fato, de um imóvel - de um bem qualquer, móvel ou imóvel.

Pois bem.

Para que Lula tivesse realmente obtido uma vantagem indevida, ele deveria ter obtido a transferência da propriedade, com registro em seu nome - e isso, comprovadamente, não ocorreu. Então, a propriedade do triplex não é dele, é da OAS. Moro pode fazer o malabarismo jurídico que quiser que não vai conseguir demonstrar que Lula é o proprietário. Não existe, no nosso Direito a "propriedade de fato", expressão absurda que ele usou (criou) na sentença!

O que mais se aproxima de uma "propriedade de fato" é a figura da posse - a segunda hipótese do que ele poderia ter obtido como "vantagem indevida". Mas também não há no processo, não há nos autos, prova alguma de que Lula tivesse tido a posse do imóvel, que em algum momento ele, sua família ou alguém em seu nome tivesse ocupado o apartamento.

Com efeito, Lula não ficou no imóvel por mais de alguns minutos, horas talvez, em companhia dos proprietários ou de seus agentes, examinando o apartamento para decidir se comprava - eu disse comprava! - ou não. E não comprou. Desistiu.

Lula não pernoitou lá uma noite sequer, não alugou, não emprestou, não pôs à venda, não deu em garantia de empréstimo... Não exerceu a posse, nem obteve a propriedade. Sequer as chaves do apartamento lhe foram entregues, como testemunhou a funcionária da OAS responsável por guardá-las!

Por isso, eu recomendo aos antilulistas, aos antipetistas, aos fanáticos da seita evangélico-católico-espírita-judaica "igreja da Fé Cega na Prisão do Lula" que, se o ex-presidente vier a ser absolvido, se a sentença de Moro for anulada ou reformada, não culpem, não acusem os três desembargadores. Eles não terão culpa. Eles só estarão cumprindo a lei.

Mas se Lula for condenado, nessas circunstâncias, se a sentença de Moro for confirmada apesar de toda fragilidade, toda ilegalidade, toda nulidade, preocupem-se. Preocupem-se! Pois se fazem isso com um ex-presidente, imaginem o que não farão com vocês, conosco, pobres mortais e indefesos cidadãos! Porque será a inauguração de uma nova era do Direito, a era do arbítrio."

(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, aos 19 de janeiro de 2018)