É fato, portanto, que a tal palavra '"descondenado", sabe-se lá desde quando, existe mesmo, oficialmente reconhecida, no rico vocabulário desta brava gente brasileira. Assim decretaram, entre um gole e outro do chá das cinco, sorvido com elegância e cuidado para não derramar no fardäo a erva efervescente, nossos valorosos acadêmicos.
Importante registrar é que nas versões "on line" de dicionários como Aurélio e Michaelis trata-se de verbete ausente, assim também no lusitano Priberam.
No âmbito jurídico, que é o que no caso importa, trata-se de termo desconhecido - e olha que profissional do Direito é extremamente criativo ou apegado a palavras que causam estranheza aos olhos e ouvidos dos que não são do meio, como "sabença", "cediço", e por ai vai.
Resta-me, portanto, destrinchar o significado de "descondenado" e começo examinando sua construção, sua formação derivativa.
"Descondenado" compõe-se do prefixo "des" e da flexão do verbo "condenar", do qual deriva, em sua forma nominal a que se dá o nome de "particípio". O particípio indica uma ação finalizada ou relacionada ao passado. O prefixo "des" indica negação, separação ou cessação, como em "desleal", "desossar" ou "dessintonizar".
"Descondenado", portanto, é particípio do verbo condenar e significa "aquele que teve negada ou cessada uma condenação que contra si houvera sido imposta". Uma condenação, portanto, que como tal deixou de ser, deixou de existir.
Ora, quem tem negada, cessada, desfeita uma condenação outrora existente contra si condenação não tem.
O efeito do ato de "descondenar" alguém é devolvê-lo ao estado natural de inocência. Um "descondenado" é, portanto, alguém que retomou o mesmo status de inocente do dia em que veio ao mundo.
Lula, portanto, assim como eu, assim como - creio - você que lê este texto, é tão inocente quanto um bebê que acaba de nascer.
Inexistente no vocabulário jurídico, "descondenado" tem o mesmo valor semântico do termo técnico "absolvido", condição daquele que foi submetido a um escrutínio penal e, ao fim e ao cabo, restou não condenado, ou teve sua condenação revertida, de todo modo não culpado pelo crime que se lhe imputava.
Vale recordar que, de acordo com a Constituição Federal brasileira, só pode ser tachado de culpado aquele que tenha contra si transitado em julgado uma sentença criminal condenatória (Art. 5°, inc LVII: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória").
Sem trânsito em julgado, não há condenação válida consolidada. Sem condenação consolidada, presente o estado de inocência. Ponto.
OS CASOS DE LULA
Enquanto foi presidente - por oito longos anos, portanto - Lula não teve contra si nenhum processo, nenhum inquérito instaurado, nenhuma acusação formalmente formulada. Diferentemente, portanto, do atual despresidente, que já coleciona dezenas de acusações que só não vão adiante porque há uma barreira humana chamada Augusto Aras, nomeado a dedo por BolsoNero para protegê-lo e a seus filhos à frente da Procuradoria Geral da República.
Lula deixou a presidência, passaram-se outros quatro anos e a situação continuou a mesma: zero processo, zero acusação. Nem o farsesco mensalão o atingiu diretamente.
Foi só depois que Dilma foi reeleita, quando os adversários perceberam que Lula viria forte para as eleições de 2018, que começaram a pipocar os processos, as mais esdrúxulas acusações contra Lula.
Formou-se assim e então uma tal "força-tarefa" chamada Lava Jato que, ao fim e ao cabo, viria a se revelar uma verdadeira organização criminosa direcionada a projetar na Política os seus principais expoentes - um deles hoje eleito senador, após frustrada tentativa de lançar-se candidato a presidente da República; o outro, hoje deputado federal mais votado da província do Paraná. Ambos arrogam-se "comandantes" da Lava Jato, o que é inconcebível para um juiz, a quem caberia o papel isento e imparcial de magistrado.
A "orcrim" da Lava Jato usou e abusou do que quer que fosse, legal ou ilegal, para investigar o ex-presidente Lula e acabou tendo de condená-lo, à custa de muito malabarismo jurídico, por simples reformas num apartamento e num sítio que nunca foram dele e jamais serão, nem seriam.
Diante da evidência de que o tríplex nunca foi transferido ao nome do ex-presidente, que nem mesmo posse do imóvel teve, porque nele não pernoitou nem por uma noite sequer - nem ele, nem a falecida esposa, nenhum dos filhos, noras, netos, outros parentes, nem amigos, assessores ou queirozes de qualquer laranjal -, Sérgio Moro teve de inventar aberrações jurídicas, como "propriedade de fato" e "propriedade (ou posse) atribuída".
Ora, para condenar um servidor público por corrupção passiva, exige-se a presença de pelo menos um dos três verbos: "solicitar", "receber" ou "aceitar" (promessa de) vantagem indevida. Nenhum deles tem identidade ou similaridade com o verbo "atribuir".
"Propriedade de fato" é outra aberração, porque "propriedade" é essencialmente de direito, que para existir no mundo jurídico exige registro em cartório, em correlação ao instituto da "posse", esta sim, um fenômeno meramente fático. Nem posse, nem propriedade teve Lula em relação ao apartamento de cobertura do prédio do Guarujá.
E o juiz ainda não indicou qual o ato de ofício que o presidente teria praticado ou, sendo obrigatório, teria deixado de praticar em contrapartida à vantagem indevida que lhe fora "atribuída". À míngua de um fato ao menos, recorreu ao uso da expressão genérica "atos indeterminados".
Dos 26 processos contra Lula, apenas foram anulados os quatro que Sérgio Moro pôs suas mãos sujas, maculados por sua parcialidade e por incompetência do juízo pelo qual respondia.
Moro forçou, desde o início, sua competência para julgar os casos em que a acusação fosse de corrupção por contratos da Petrobras. O interessante é que, no caso específico de Lula, em embargos declaratórios o próprio então juiz reconheceu expressamente que naquele caso não se tratava de recursos provindos de contrato da Petrobras. Nem assim o meliante de toga reconheceu sua incompetência e a sentença foi remetida ao tribunal, que fechou os olhos e fez ouvidos moucos aos argumentos da defesa.
O GadoÓ (Gabinete do Ódio Produção de Memes e Feiquinius Ilimitada) cunhou a expressão "Lula foi descondenado apenas por um CEP diferente" para facilitar a repetição pelo rebanho ignaro. Não se trata, porém, de mero "CEP diferente", mas da ação dolosa de um juiz que forjou uma competência que não tinha para julgar o caso de Lula porque já tinha em mente condená-lo a qualquer custo.
O processo do triplex, assim como o do sítio de Atibaia e outros dois que, na fase inicial, Moro maculou com suas mãos podres foram, enfim, anulados pelo STF, por incompetência territorial e, sobretudo, por parcialidade do então juiz, como antes já deveriam ter sido, não fosse um evidente conluio da elite representada no bojo do judiciário para tirar do caminho a figura do candidato que liderava a corrida presidencial em 2018. Exitosos nessa bem planejada e executada empreitada, daí surgiu BolsoNero e, com ele, toda a crise institucional inaugurada após sua posse e que perigosamente perdura até hoje, com risco de reverter-se em estado ditatorial acaso seu mandato seja renovado.
Nos demais vinte e dois casos, alguns não foram sequer recebidos por juízes de primeiro grau ou tribunais, federais ou estaduais. Noutros, Lula foi absolvido, outros foram trancados, todos por juízes de carreira, concursados, que nada devem a político algum, de vereador a presidente.
O que se viu contra Lula foi o que a ciência jurídica já batizou de "lawfare", que é a aniquilação de um político por meio de uma enxurrada de ações judiciais, ou seja, com foros de legalidade e legitimidade.
Lula, como eu, como (creio) meu prezado leitor, é inocente, queira o não o preconceito, que embaça a visão, e o ódio que seus adversários, inimigos e algozes cultivam no coração e que lhes corrói a capacidade de raciocinar.
(Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 12 de outubro de 2018).
Nenhum comentário:
Postar um comentário