13/08/2002

Não acredite em bruxas

(Originariamente publicada na revista Perfil, de Capivari)

Eu não acredito em bruxas. Elas mentem demais, inventam cada fofoca, sem a menor preocupação com aqueles pobres coitados a quem cozinham em seu caldeirão de óleo quente.

Há, com certeza, uma bruxa em cada quarteirão, bem pertinho de você. Observe com atenção e verá. Se não for na casa da esquina, será um pouco mais para cá ou um tanto para lá. A principal característica que permite reconhecer uma bruxa a distância é a sua vassoura. Ela passa a maior parte do dia varrendo a calçada. Varre sem parar, deixa tudo limpinho, um primor, mas nunca está satisfeita. Parece um exemplo de dona-de-casa. Não se deixe enganar, porém. É só um expediente para que ela possa ficar de olho no que fazem seus vizinhos.

Já vi amizade ser desfeita por causa de uma bruxaria. A secretária de um conhecido meu era namorada de um amigo dele. Ele estava ensinando a moça a usar o computador; ela sentada, ele em pé, atrás da cadeira. A posição em que ambos se encontravam não era nada comprometedora, mas as mãos do sujeito apoiadas sobre o espaldar da cadeira davam a impressão de que ele tocava os ombros nus de sua vaporosa secretária.

Vendo a cena enquanto varria a frente de sua casa, a bruxa obteve os ingredientes necessários para fazer mais uma de suas receitas malignas. Com a vassoura, voou para onde se encontrava o namorado da moça e entregou o serviço rapidinho. O infeliz sorveu, num único gole, a poção mágica que a velha lhe servira. E ele o fez com tal volúpia que quase se afogou. Resultado: adeus emprego da menina, adeus namoro, adeus amizade.

Nos dias de hoje, anda alta a cotação da bruxaria. Basta ver o sucesso que fazem programas de TV especializados em bisbilhotar a vida alheia e excitar o sadismo de milhões de telespectadores, ávidos por uma pancadaria espetacular ou uma "pegadinha" nada original. Como num passe de mágica, os aparelhos televisores acabam sendo transformados numa imensa janela indiscreta.

O nariz comprido já não é uma característica das bruxas dos tempos modernos. Há umas que até têm narizinho bonitinho, bem feitinho, arrebitado, uma graça. Àquelas menos afortunadas pela natureza sempre restará a possibilidade de recorrer a uma cirurgia plástica corretiva; afinal, bruxa que se preza acompanha o desenvolvimento tecnológico. Ou estará fadada (bruxas detestam este termo) a ser uma eterna bruxa velha e decadente. De qualquer forma, a proeminência nasálica está presente, ao menos de forma simbólica, como emblema de quão elas são mentirosas, verdadeiros pinóquios voadores.

As bruxas adoram voar à luz da lua cheia., pois é na calada da noite que elas aprontam suas piores mandingas. Mas engana-se quem acredita que elas sejam seres exclusivamente notívagos. Elas têm uma vitalidade tal que nem precisam dormir. Atuam dia e noite, incansáveis.

Parece machismo falar das bruxas assim, no feminino. E é. Pois esse mal não é exclusividade das mulheres. Terrível injustiça, claro, porque há também os bruxos, seres ainda mais perversos do que as fêmeas de sua espécie.

E há os intermediários, sexualmente indefinidos. Mal amadas, algumas ainda virgens, essas bruxinhas são histéricas, acham tudo um tédio, adoram armar confusão, criar inimizade. Anos atrás, cruzei com uma delas pelas ruas do centro. Ela caminhava num ritmo cadenciado, bruxuleante, bumbum para cá, bumbum para lá, esforçando-se com algum êxito para aparentar a elegância de uma gazela. Uma delicadeza!

A bruxinha atravessou a rua bem à frente de meu automóvel. Histriônica e doidinha para armar confusão, a moçoila deu um salto tresloucado e pôs a boca no trombone. Rodou a baiana. Soltou aquele gritinho estridente próprio das bruxas, que quase me estourou os tímpanos. Desci para ver o que tinha acontecido. Absolutamente nada! Puro susto da menina, que, incontrolável, dizia aos berros que eu quase a havia atropelado. "Aaaaai , você quer me mataaaar, ô bofe?", esbravejava.

Há quem diga que elas têm mesmo essa mania de perseguição. Vêem ameaça em tudo. Um olhar mais sério, um gesto mais abrupto e pronto. Elas se borram de medo, são ariscas como uma marmota.

O melhor é não dar trela para elas. Se há uma bruxa em sua vizinhança, ignore-a. Não lhe dê mais do que um bom dia ou boa noite, e olha que já é muito. Acautele-se. Ponha proteção em suas portas e janelas, por mais altas que estas já sejam. Lembre-se de que a elas basta uma vassoura para que possam alcançar as alturas. E elas sempre poderão contar com o auxílio de um binóculo.

Se, contudo, for inevitável o contato, principalmente não acredite nas bruxas. Porque elas mentem uma barbaridade. E, impiedosas, fazem cada estrago!