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25/03/2015

Meu Cãozinho Ilegal

Era uma noite fria de abril. Dezenove, o Dia do Índio. O ano, 1999. Morávamos em Capivari, na Saldanha Marinho, perto do fórum. Estávamos em casa, vendo TV na sala próxima da rua, quando um veículo parou em frente. Ouvi quando a porta se abriu. Imaginei que fosse um amigo chegando. Em Capivari, era comum recebermos amigos em casa, quase toda noite, coisa de que me ressinto aqui, em Americana.

Antes que eu pudesse ver quem era, fechou-se a porta e o carro se foi. Quando o ronco do motor se dissipou, pude ouvir um ruído estranho vindo da garagem. Parecia um chorinho tênue, distante. Abri a porta e quando olhei para o chão do abrigo, lá estavam dois cãezinhos pequenininhos, trêmulos de frio e choramingando.

Recolhemos e, para resumir, demos-lhes os nomes de Peri e Poti, para que não esquecêssemos jamais daquela data. Peri morreu há dois anos e Poti segue firme e forte conosco. É... Já nem tão firme, já nem tão forte.

Ontem, voltando do trabalho, sintonizado na gloriosa rádio CBN, ouvi notícia sobre uma doação ilegal que uma empresa teria feito para o PT mediante fornecimento de recibo eleitoral. Ué! Uma ilegalidade da qual se passou recibo? Um dinheiro que, mediante cheque nominal ou transferência bancária, foi do caixa regular da empresa doadora (caixa "um", portanto) para a conta corrente obrigatória e específica, que a lei exige para todo candidato e todo partido em período de eleição? Como é possível tal doação ser "ilegal"?

De outra fonte, soube que se tratava de "lavagem de dinheiro". Mas como? Como é possível "lavar" dinheiro limpo? E como é que se "lava" dinheiro entregando-o para um partido ou candidato que vai consumi-lo na campanha?

Também não entendo como é que alguém recebe propina - uma comissão ilícita sobre contratos de longa duração - somente no curto período de uma eleição. Ou seja, entre 5 de julho (no mínimo, pois é necessário um tempo para obter CNPJ e abrir a conta bancária) e o dia das eleições. E no resto do tempo - lembrando que, entre uma e outra eleições, há um intervalo de dois anos -, as propinas deixavam de existir? Ou tinham outra forma? Se tinham outra forma, por que usar essa no período eleitoral, quando a verba doada se exaure durante a campanha?

Ora, nesse curto período eleitoral em que as doações são permitidas por lei, a mesma empresa objeto da notícia houvera feito doações para outros partidos e candidatos das mais variadas siglas partidárias. Como seria possível separar o "joio do trigo" e estabelecer que esta doação ao PT foi ilegal, mas esta outra, ao PSDB, foi legal?

Foi com a mente fervilhando com esses ingredientes que entrei em casa.

Meu cachorro veio ao meu encontro, rabo abanando, com aquele ar persistente de inocente felicidade. Tasquei-lhe a pergunta, na lata: "Poti, você é legal ou ilegal? " E eu mesmo respondi: "Lamento informar-lhe, meu querido Poti, mas você é um cachorro ilegal!"

Ele me olhou assustado, um tanto desenxabido, impactado pela notícia, sem compreender o que estava acontecendo. Parou, sentou-se, levantou as orelhas e me olhou fixamente, com ar interrogativo. Eu expliquei: "se eu fosse de qualquer outro partido, a sua doação feita a mim teria sido absolutamente legal. Mas eu sou do PT, Poti. Portanto, sinto dizer-lhe, você foi uma doação ilegal. Você é uma ilegalidade!"

E com uma agravante: o doador, até hoje, continua desconhecido.

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Americana, SP, aos 25 de março de 2015)