Crônicas e Agudas

Coletânea de crônicas e contos.

"Casa Literária" e Amazon

  • Assine a "Casa Literária"
  • Livro "Crônicas & Agudas" na Amazon
  • Livro "Diálogos Civilizados com Meus Bolsomínions de Estimação" na Amazon
  • Casa Literária

Pesquisar neste blog

22/06/2025

Petricor

IMPORTANTE: Prezada leitora, prezado leitor. Preciso muito saber da sua opinião sobre este conto, sobretudo quanto à temática e à forma como é tratada. Se puder me dar retorno, desde já lhe sou grato. Se não for possível deixar seu comentário ao final desta publicação, na página “Casa Literária“, por qualquer restrição da plataforma Substack, peço-lhe que o envie pelo e-mail laalbiero@yahoo.com.br ou comente na postagem replicada no meu Facebook ou blogue.

Houve tempo em que o caminho da roça era um verdadeiro banho de poeira vermelha. Agora, com o asfalto, só há pó no curto trecho entre o carreador e a estrada, suficiente, ainda assim, para sujar tanto quanto antes. A terra impregna na roupa de um modo que não tem como tirar.

Assine agora

Os cortadores de cana-de-açúcar aglutinam-se sobre a carroceria do caminhão, em que se adaptaram algumas tábuas para servir de bancos cobertos de lona.

Imagem: Canal da Bioenergia

A viagem da volta após o término da extenuante jornada de trabalho é uma aventura terrível de odores nada agradáveis. Homens, mulheres e crianças amontoados como animais, suados e exauridos por quase dez horas ininterruptas sob a desavergonhada nudez do sol. Ninguém, porém, se incomoda com o mau cheiro. Estão acostumados a respirar a catinga uns dos outros.

O caminhão parece que vem tropeçando, não só por causa dos buracos do asfalto. Está muito velho. Frequenta oficinas mecânicas como um idoso doente a um hospital. Tantas vezes lhe diagnosticaram a morte, à qual resiste, teimoso como a gente que carrega em seu dorso. É uma sorte que não quebre no meio do percurso.

Foto: Roberto Faria, via David Arioch - Jornalismo Cultural

O melhor da jornada de trabalho é o fim, o caminho da volta, diz Ana de Chico, que se arrisca a cantarolar. Os demais vaiam e riem. Uns contam piadas, outros tratam de banalidades domésticas. Os problemas de cada um não contam nessa hora. A maioria troca impressões sobre o trabalho. O vozerio forma um mosaico de sotaques variados.

Durval, nordestino, discute com o velho Ticão, paranaense de carapinha branca, quem teria cortado maior quantidade de cana-de-açúcar no dia. O baiano não concorda com Ticão, que proclama que o campeão teria sido Isaías.

— Na medição, roubaram ele — afirma o velho.

Durval olha para Isaías com inveja. Caboclo forte, o mineiro vem calado, não percebe que falam a seu respeito. Vem observando o sol que desaparece aos poucos, encantado com o vermelho alaranjado que ornamenta o encontro do céu com a terra. É lua cheia e ela já surge no horizonte oposto, iluminada, redondinha, no rastro do caminhão.

As margens da pista são ambas inteiramente plantadas de cana-de-açúcar. Isaías sente o cheiro de terra, molhada pelo breve chuvisco que caiu há pouco; agrada-lhe a fragrância adocicada. Ele joga o toco do cigarro que vinha fumando, que guardara do breve descanso pós-almoço, e aspira com força intensa o cheiro que vem do chão, como se brotasse da cana, que se mistura ao de suor dos trabalhadores.

Olha para Olinda, sua companheira, parda de quase trinta. Ela usa um chapéu de aba larga, como todas as outras mulheres do grupo. Também como as demais, traz um lenço debaixo do chapéu que lhe esconde os cabelos rijos de não lavar, ou de só os lavar uma vez por semana. Isaías não a cobra por isso, porque com ele ocorre o mesmo. Com todos ali.

Nas casinholas onde moram, não há água encanada, nem luz. Ajeitam-se com velas e lamparinas. Água, buscam em baldes a que lhes serve dona Luzia, mãe do turmeiro Gumercindo, o dono do caminhão e daquilo a que chamam de casa, pela qual pagam aluguel que vem descontado do ordenado, da paga pelo labor, tão repleta de despesas do que lhes fornece o patrão que quase nada lhes sobra em espécie.

O itinerário do caminhão pela cidade repete-se todo dia. No retorno, os trabalhadores são deixados perto de onde moram, nos mesmos lugares em que são apanhados na madrugada. A maioria desce no ponto final, defronte um boteco de esquina, vizinho à casa do patrão, onde alguns dos homens adentram. Isaías é um deles.

Olinda pede para que não demore, que traga pão e salaminho para a mistura do jantar. Leva consigo os apetrechos do marido, como o podão, a garrafa de água, a de café e a marmita de alumínio vazia, acondicionados num grande saco de lona. Ela e Ana dão-se os braços e vão com as outras mulheres. As casas, precárias e contíguas, formam uma pequena vila particular num grande descampado, nos fundos da casa de dona Luzia, onde o filho estaciona o caminhão.

No bar, risos e gargalhadas, fumaça, tosse, mortadela e azeitona regadas a farta doses de cachaça. Os homens conversam em voz alta sobre futebol, mulheres, música. Durval insiste que é o melhor no corte de cana, olhando de esguelha para Isaías. Ticão persiste em defender o amigo mineiro, por quem demonstra profunda afeição.

— Quanto foi que ‘cê fez hoje, Zaía? — provoca Durval, com voz já um tanto pastosa.

— Ah, isso não interessa, o que importa é trabalhar — esquiva-se o mineiro, sem muita convicção.

— O trabalho dignifica o homem — arremata Ticão, há muitos anos na cidade.

— Danifica — observa Jeremias, negro da terra que expõe a branquitude de seus dentes imensos, o único do grupo a ostentar arcada dentária completa. Os outros riem, cada qual com seu sorriso falho, esburacado.

O boteco é pequeno, mal comporta o grupelho de trabalhadores. A luz é insuficiente. Do rádio a válvula, exposto numa das prateleiras ao lado dos maços de cigarro, ouve-se o noticiário d’A Voz do Brasil.

— Seu Gumercindo é que leva a vida. Tem o caminhão, uma casa boa, com televisão e geladeira. Faça as contas. Só com o salário da gente, quanto é que ele deve gastar? Tudo pago pela usina. Dessa quantia, garanto que o lucro dele é mais que o dobro, só pra ele.

Todos assentem com a cabeça à observação de Durval. Gumercindo é o responsável pela turma de trabalhadores, contratado pela usina e dono dos casebres em que aloja seus empregados, a maioria vinda de outros estados.

— Podre de rico e ainda chora que não tem dinheiro — observa Jeremias, caprichando nos “r” retroflexos, característicos dos nativos da cidade.

— É, mas veja que seu Varte é mais rico ainda — replica Isaías.

— Bem mais — reforça Chico de Ana, um magricela recém-chegado de Pernambuco, que veio com a família toda, para ficar.

— Claro. Ele é dono da usina, oxente! ‘Cê queria o quê? Ele é dono de tudo — devolve o baiano.

— Mas não é dono de nói — retruca Jeremias.

— E daí, que é dono de tudo? Não é gente igual a gente? Por que é que nós tem que trabalhar de sol a sol para chegar em casa e não ter o que comer, não ter água, nem luz, com mulher e três filhos para tratar, enquanto ele tem lá três ou quatro carrão, um baita de um casarão? Dizem que até avião o home tem.

Novamente seguem-se acenos de cabeça às ponderações de Isaías.

— É verdade, Zaía.

— Tanta terra que ele tem sem plantar, tanta terra parada. O governo é que devia dar um jeito nisso — completa o mineiro, ingerindo mais uma dose.

Quase dez da noite, já são quatro as garrafas de cachaça vazias sobre o balcão. A porção de mortadela e azeitonas há muito deixara de existir. Durval sua, fala engasgado, os olhos baixos, mortos. Com um velho e enferrujado canivete, estica o braço e o aponta para Isaías, como se ameaçasse feri-lo. O mineiro encara o desafeto, mas não lhe responde. O dono do estabelecimento intervém, expulsa Durval, que se vai trôpego.

Também pendendo de bêbado, Isaías tem o rosto moreno brilhando de suor. Diz coisas desconcertadas. Volta-se para Ticão, aponta-lhe o dedo como quem empunha uma arma. Solta palavrões, balbucia o nome de Olinda e coisas que ninguém compreende, nem se esforça para entender.

Principia a chorar e pede repetidas desculpas a Ticão. Tem a impressão de que o bar todo gira. Uma teia de aranha no alto da prateleira, tomada por garrafas empoeiradas, torna-se imensa. Os finos tentáculos da aranha engrossam. Ela parece querer feri-lo, dá voltas em torno de Isaías, gigantesca.

— Alguém pare essa merda!

E ele tomba.

Ticão, que mal se segura em pé, tenta levantá-lo. A muito custo, ele, Chico e Jeremias conseguem levá-lo até sua casa.

— ‘Cês são tudo uns puto, isso é que vocês são — repete Isaías pelo caminho.

Olinda o recebe aos palavrões e gritos, esquecendo-se de que as crianças dormem.

— E o salaminho, seu bosta? Os meninos foram dormir com fome, só comeram as sobras de arroz, foi pouco. Ah, você ainda me paga, filho de uma vaca!

Isaías não revida. Cambaleante, ruma à cama, que fica bem perto da porta. Desaba e começa a roncar. As crianças não chegam a acordar, acostumadas com gritos e a dormir famintas.

Na manhã seguinte, domingo, os meninos já longe de casa, Isaías e Olinda conversam ainda no leito.

— Dei muito trabalho onte, veia?

— Não, que isso, bem — responde a mulher, com meiguice e sinceridade.

Isaías abre um sorriso e começa a beijar-lhe o rosto, voraz feito lobo sobre a carniça. Morde-lhe a orelha, puxa-lhe os cabelos que se assemelham a esponja de alumínio. O mau cheiro de um não incomoda o outro. Ainda assim, Isaías procura identificar um aroma terroso, mas não encontra em Olinda o frescor do orvalho da manhã.

As mãos grossas de Isaías envolvem, firmes, os peitos já não tão rijos de Olinda, que responde com beijos no rosto do amante. Ela evita a região da imensa cicatriz da face direita do parceiro, resultado de antiga briga de bar.

As pernas magras de Olinda não impedem que delas Isaías se delicie, que lhe corra a língua desde o tornozelo. Ele morde as panturrilhas, as coxas, as nádegas. Gemem um e outro. Ameaça beijar o sexo da mulher, mas o repele um forte odor desagradável. Volta os lábios para os seios e segue beijando.

Ambos ofegam. Olinda escorrega os dedos grossos do trabalho duro sobre a carcaça do parceiro. Desce as mãos às coxas, toca-lhe o sexo.

— Merda! Desse jeito não vai dar! — grita e se desgruda do corpo do homem.

— A culpa é sua, sua desdentada! Porca! Égua!

Isaías levanta-se sorrateiramente, tomado pela vergonha, pelo brio ferido. Enquanto se veste, não poupa ofensas à mulher.

— Onde é que eu estava com a cabeça quando inventei de juntar os trapos com uma mulher porca, que fede a urina e alho, com esse bafo de jiboia!? Não tem homem que consiga.

Soluçando, Olinda procura defender-se.

— Vagabundo! Até três meis atrás, ‘tava tudo bem. Agora a culpa é minha? Seu bêbado, sem vergonha. Seu frouxo!

Isaías dá-lhe um pontapé no rosto que lhe põe abaixo mais um dente. Do quintal, vem um cheiro de estrume. Uma galinha passeia com a ninhada pela casa, sobe na mesa.

— Merda de vida! — lamenta Isaías.

Olinda, ensanguentada, não tem forças para revidar. Debruça-se sobre o travesseiro, tinge-o de sangue, encharca-o de lágrimas. Seu homem sai sem destino.

— Aquela bunda seca! Não tem quem sinta tesão.

Entra num pequeno campo de futebol de várzea. O jogo, no entanto, não o atrai. Vê uns amigos, faz que não conhece. Sai e continua seu caminho sem rumo.

Chega nos fundos de um clube grã-fino sem perceber, nem ser percebido. Escala o muro e se senta sobre ele, e de cima contempla a beleza do lugar e sua gente chique. Gente bonita, alegre, pensa Isaías, tão distante de sua realidade e de seus companheiros boias-frias. Gente sustentada pelos frutos do seu trabalho.

Três meses… Olinda até que foi generosa. Na verdade, desde o início da safra não conseguia completar o ato sexual.

— Mulher desdentada. Gente rica é que leva a vida.

Fixa os olhos na piscina do clube. Detém-se a observar as meninas, suas nádegas perfeitas, redondinhas, as coxas volumosas, os peitos rijos querendo saltar dos biquínis. Procura esquecer Olinda, feia, tão nova e já envelhecida, sem qualquer graça.

Um rapaz conversa à beira da piscina com uma bela morena, de biquíni tão pequeno que parece nua. Lembra sua Olinda, bem mais nova. Sentada na cadeira, de pernas abertas, óculos de sol, ela expõe o ventre na direção dos olhos de Isaías, que imagina ver-lhe os pelos da púbis e já não enxerga as peças do maiô. Excitado, ele deseja as coxas bronzeadas que vê, tão oferecidas.

A moça levanta-se a convite das amigas. Vão jogar voleibol. À medida em que pula, seus seios balançam graciosamente e se acentuam todas as suas delicadas formas. Isaías pensa em Olinda, dez anos atrás, como era linda, como eram apaixonados.

Num lance exagerado, a bola, caprichosa, cai próximo ao muro onde Isaías está. A garota que o encantara vem buscá-la. A bola acomoda-se atrás dos vestiários, de forma que nem da piscina, nem da quadra de vôlei se pode ver.

Do gramado, regado pouco antes, provém um gostoso cheiro de terra molhada. A garota abaixa-se para pegar a bola e não vê nem percebe Isaías aproximar-se por trás. Não tem tempo de gritar. Isaías tapa-lhe a boca com as suas mãos calosas, tira-lhe o quase nada que veste. Ela desmaia, não tem como resistir. Ele aprecia-lhe o corpo nu, inerte, indefeso.

Enlevado pelo frescor da menina, ele se abaixa para aspirar de perto os odores de sua intimidade. Isaías sente-se levitar com o perfume, doce como a cana, cheiro de terra molhada. Ele morde as orelhas com cuidadosa voracidade, depois o pescoço, as coxas. Toma-lhe as nádegas como se se apropriasse de um par de luas cheias. Vai aos seios com tal volúpia que lhe machuca os mamilos.

Como na véspera, tudo gira no entorno de Isaías, enquanto ele rola com ela, ainda inconsciente, sobre a relva da qual provém o olor inebriante e que se mescla com o que exala a garota. Nela, encontra o frescor que buscava em Olinda. Machucam-se ambos em meio às pedras, pedaços de pau, restos de construção.

A demora da moça preocupa as amigas. O grito doloroso e prolongado da primeira que vê a cena acompanha Isaías até atrás das grades.

Na manhã seguinte à noite mal-dormida, por conta do duro castigo aplicado pelos companheiros de cela, Isaías é levado à presença da autoridade policial. No corredor da delegacia, Olinda o aguarda, aflita. Não lhe permitem, porém, que fale com ele.

Ela se desfaz em prantos ao vê-lo passar cabisbaixo diante de si, o andar claudicante, escoltado por dois policiais fardados que o apressam com empurrões nas costas, as algemas prendendo-lhe os punhos, sem coragem de olhar para a mulher.

Da cela, Isaías traz o fétido odor de cimento mijado. _______________________________________________

NOTA: eventuais alterações podem ser feitas a qualquer momento pelo autor na publicação original, aqui.







Postado por Luís Antônio Albiero às 21:10 Nenhum comentário:
Marcadores: #conto
Local: Capivari, SP, 13360-000, Brasil

14/06/2025

Um nome para minha IA (#34)

Minha “IA” (sigla utilizada para designar inteligência artificial) ainda nem foi concebida, mas já tem nome.

Assine agora

Dar nome é algo importante. Está na Bíblia, logo no Gênesis, versículos 19 e 20. Contam as sagradas escrituras que Deus concluiu a criação de todo animal do campo e de toda ave dos céus e os levou a Adão, “para este ver como lhes chamaria”; e tudo o que Adão chamou, a toda a alma vivente, “isso foi o seu nome”.

Ainda não havia pessoas a batizar, por evidente, pela singela razão de que as duas únicas existentes vieram já com os nomes de fábrica, mas coube ao macho do casal recém-criado dar nome às coisas, aos animais, aos fenômenos da natureza e a toda Criação que o cercava, incluindo Caim, Abel e toda a prole (frutos de flagrante e inevitável incesto, mas viremos essa página). Era o que, milênios depois, viria a ser chamado de poder de “dar nomes aos bois”, como lembra o escrivão, personagem de um dos meus contos, do que dá nome ao livro “O Onomaturgo e Outras Histórias”, com lançamento agendado para 19 de julho próximo.

Num outro conto, que ainda nem publiquei e que ficará para o próximo livro, narro um episódio na vida de um primeiro casal humano, o meu “Gênesis” particular (essa minha mania e de todo escritor de brincar de Deus!), o nascimento do seu primeiro rebento, uma menina. Eles não falam, como é de se supor da primeira leva de hominídeos da História, os homo sapiens de que descendemos; apenas emitem grunhidos, a par de outros meios naturais e intuitivos de comunicação. Nessa narrativa, faço uma ilação sobre quais devem ter sido e como teriam surgido as primeiras palavras pronunciadas, que, parece-me evidente, hão de ter servido para designar cada membro da família primígena.

Não haveria de ser diferente com os idealizadores das primeiras invenções a que denominaram “inteligência artificial”, gênios que desde logo pensaram nos respectivos nomes próprios. E como o objetivo de tais inventos é, e sempre foi, substituir os humanos, nada mais natural que as ditas fossem dotadas de nomes humanos.

Assim é que no filme “Her” o escritor protagonista vivido por Joaquin Phoenix, por exemplo, apaixona-se por Samantha, um computador com quem conversa como se fosse gente. No célebre “Inteligência Artificial”, a própria é um androide infantil chamado David. No clássico “Blade Runner”, o principal androide tem por nome Roy Batty.

Theodore (Joaquin Phoenix) dialoga com Samantha, em cena do filme Her

A ideia inspirou empresas do mundo real, como a Amazon, cujo robô virtual recebeu na pia batismal do deus capitalismo o nome feminino Alexa. Outras lhe sucederam, inclusive em terras brasileiras, como as assistentes digitais de lojas como Magazine Luiza (a Lu) a bancos, como o Bradesco (a Bia). Até nosso glorioso Supremo Tribunal Federal entrou na roda e criou sua Maria.

A Apple inventou uma certa ou certo Siri (ainda não fomos apresentados, não faço ideia de que apito toca), que não é exatamente um nome humano, tampouco parece feminino, mas passa como apelido, como Lula, a exemplo do nosso estimado presidente; talvez seja uma forma sincopada de Siriguejo, nome do caranguejo ganancioso dos desenhos animados, patrão do eterno funcionário do mês Bob Esponja — se bem que o nome original, em inglês, é Krabs, o que destrói a possibilidade de que minha tese seja procedente.

Nessa linha onomatúrgica, pensei num nome para a “IA” que resolvi criar. Para quê? A ideia da finalidade só me surgiu agora, exatamente neste momento em que escrevo este parágrafo: para atender de modo virtual os interessados em adquirir minhas futuras obras impressas. Por sinal, deixo registrado que estas, as minhas obras, minha criação literária, jamais serão fruto dessa tal inteligência artificial. Sou apegado à minha burrice natural e dela não abro mão.

Será, assim, uma espécie moderna de “secretária eletrônica”, a atendente virtual falecida tão jovem, em tempos nem tão remotos, embora suficientes para denunciar a longa jornada de vida de quem, como eu, conheceu e ainda se lembra da pranteada extinta.

Pensei no nome que considero ideal para minha IA: “Iaiá”. Isso mesmo, como Iaiá Garcia, personagem de Machado de Assis que dá nome ao célebre romance do mestre maior da literatura brasileira.

Sei que não é exatamente um nome, no sentido próprio, apenas um designativo, uma forma carinhosa de chamar alguém. Iaiá era como os africanos escravizados chamavam as moças e as meninas de então. Suponho seja corruptela de sinhá, que virou nhanhá, que se transformou em iaiá.

De todo modo, representa uma personagem, uma versão ficcional de alguém real. Olha que pertinente! E, de quebra, remete ao maior escritor que este país já produziu, o que pode ser sinal de descarada pretensão, tão elevada quão descabida, deste pobre plumitivo.

Então, é isso. Quase como o próprio Deus, aliás, mais ousado do que Ele, dou por boa minha obra, mesmo ainda não realizada, apenas idealizada. Agora só me falta desenvolvê-la. Vem logo, Iaiá!

__________________________________________
NOTA: eventuais alterações podem ser feitas a qualquer momento pelo autor na publicação original, aqui.


Postado por Luís Antônio Albiero às 04:44 Nenhum comentário:

13/06/2025

É tudo líquido

Carlos Rios, bancário, sente-se satisfeito aos cinquenta e nove anos de idade com seu salário bruto de quase sessenta mil reais por ano, dono de um Verona que comprou zero quilômetro em 1996 e quitou em trinta e seis prestações, renegociadas por mais doze, seguidas de outras doze.

Imagem: PinterestImagem: Pinterest

Ao tempo da aquisição, conheceu Aleteia que, com ares de recatada, costumava atendê-lo na única videolocadora da cidade. Era bela e o cativara por sua timidez, que Carlos interpretara como demonstração de confiabilidade.

No início, era constrangedor. Carlos entrava na loja, percorria em silêncio as gôndolas, escondendo-se para não ser visto; examinava as caixinhas, lia algumas sinopses dos filmes, mas não escapava às orientações da atendente. Aproveitava a promoção de fim de semana e alugava três videocassetes de filmes clássicos, ditos cult, que Aleteia lhe indicava, para no meio deles meter dois pornográficos, que eram os a que de fato ele assistiria. Acostumada com expedientes tais, nada dizia a doce menina, dez anos mais jovem do que o elegante funcionário do banco ao lado. Era letrada, romântica, devoradora de romances de alta vendagem, em geral sem muita densidade literária, e conhecia toda a filmografia disponível no estabelecimento.

A reiteração da conduta dissimulada para escolher os vídeos com a discrição a que Carlos se impunha, que sempre concluía com a cumplicidade de Aleteia, levou-os à confiança mútua que lhes abriu portas para a intimidade. Meses depois viram-se casados, iniciando esperançosos a vida a dois, que o destino anunciava a sete trombetas que tinha tudo para dar certo.

De fato, a vida os colheu no primeiro quarto do novo século ainda casados, crendo-se felizes cada qual a seu modo. Carlos se diz um marido feliz porque tem um bom emprego, que lhe garante o status de bem-sucedido perante os seus, dono de uma casinha financiada pelo mesmo banco que o emprega, que paga mediante descontos em seu salário a juros subsidiados pelo governo que ele vive a maldizer, e o Verona verde, sua paixão, comprado no último ano de fabricação do modelo, que sobrevive à custa de constantes visitas e internações em oficinas mecânicas. Aleteia, porque busca em outros braços, em leitos estranhos, a felicidade que cansou de não encontrar no próprio lar.

Tudo parece bem e Carlos está a assim pensar na fila do supermercado em que se encontra. Tão bem se sente que se permite, em palestra aos circunstantes, espicaçar o governo por querer taxar os que ganham acima de um milhão de reais por mês só para compensar, vejam só se pode uma coisa dessa!, a isenção no imposto de renda que pretende conceder aos que recebem salário de até cinco mil mensais. Não que seja contra a concessão em favor dos mais pobres, mas que não custe o preço de lesar os que são a mola propulsora do nosso progresso, vocifera como se pertencesse à casta superior.

Repete em voz alta a conhecidos e estranhos da fila do caixa, como faz no banco para os clientes, os números e a retórica que ouve de especialistas em reportagens a que assiste no telejornal, sob insuspeito patrocínio da instituição financeira que o emprega. Carlos Rios empresta a tais comentaristas sua assinatura em garantia fiduciária cravando que é bancário há mais de trinta anos e sabe do que está falando.

Está prestes a completar sessenta anos de idade, aposentar-se, e só lamenta não ter ainda atingido a idade oficial dos idosos porque, apesar das cãs que lhe cobrem a cabeça como a neve à velha montanha, não pode ainda fazer uso das vagas preferenciais de estacionamento, nem gozar da prioridade nas filas de espera, mas jura que não faz questão.

Súbito, Carlos se dá conta de que ao lado, na fila preferencial, há uma mulher que carrega um bebê de colo. Repara que é uma senhora cuja idade lhe parece inverossímil a uma mãe puérpera, e muito moça para ser avó. Senhor de suas certezas, não tem dúvida de que se trata de um boneco de silicone, inerte nos braços da falsa mãe, usado apenas como artimanha para garantir preferência no atendimento. E ele atrasado, parado, aguardando sua vez numa fila interminável, contando os minutos que faltam para bater o ponto no trabalho.

Decide impor sua convicção e o que julga seu direito e vai às falas com a mulher, que retruca, faz juras de que não é um bebê reborn, que não faz ideia do que o estranho está falando, que seu filho é sim uma criança de verdade. Tomado por incontível ira em face de tamanha ignomínia, Carlos desfere um tapa no bebê com tal violência que a criança cai dos braços da mãe, vai ao chão e abre um choro doloroso regado ao sangue que esvai de um corte na nuca. É prontamente socorrida e o bancário, detido pelos seguranças, é levado preso em flagrante.

Ao delegado, pede mil desculpas, explica que se enganou, que tem visto na internet tantos casos de mulheres que para obter preferência de atendimento munem-se de bonecos de silicone como se fossem bebês de carne e osso, argumenta que a senhora já não tem idade para ser mãe recente, tampouco para ser avó e que ele é já um idoso, embora ainda não nos estritos termos da oficialidade.

O delegado lavra o flagrante e, compreensivo, cede ao espírito cristão recém adquirido no mercadinho da fé mais próximo de sua casa e se lhe firma a convicção de que de fato não houve dolo, de que Carlos não teve a intenção de matar, que foi induzido ao erro pelas circunstâncias. Ademais e afinal de contas, por sorte a criança sobreviveu. Já não corre risco de morrer, sofreu apenas fraturas e escoriações. O doutor libera-o mediante a paga de módica fiança e à conta do perdão que lhe foi ensinado nas aulas dominicais da igreja que passou a frequentar.

O caso explode na mídia com sensacionalismo, imagens obtidas pela câmera do supermercado viralizam na internet e Carlos perde o emprego, menos por conta da repercussão do que por sua profissão encontrar-se em vias de extinção.

Desgraça é visita que nunca vem desacompanhada e chega sempre nas horas impróprias. Não bastasse estar desempregado e sem outra qualificação, descobre por acaso a verdade sobre Aleteia, que há tempos vem traindo-o com seu antigo chefe, o gerente do banco, logo ele, um de seus melhores amigos desde os tempos de colégio.

Sem recursos para continuar pagando o financiamento da casa comprada no longínquo extremo leste da cidade, perde-a para o banco, o mesmo que até semanas antes o empregava e em nome do qual dedicava-se a convencer os clientes a fazerem negócios financeiros dos quais eles não necessitavam, a taxas de juros escorchantes.

Só, sem emprego e salário, condenado pela sociedade e pela justiça, vê-se numa tarde nublada de inverno sentado na calçada defronte sua antiga casa, com os móveis depositados num velho caminhão de aluguel, sem saber para onde levar o quase nada que lhe sobrou.

Agachado na sarjeta, cabisbaixo, cotovelos sobre os joelhos, as mãos segurando a cabeça, lembra-se dos bons tempos da videolocadora e das fitas que já não mais existem, pensa na antiga profissão que aos poucos se extingue, que por mais de três décadas lhe consumiu as forças, os sonhos e as oportunidades; lamenta a ausência de outra qualificação, ressente-se da felicidade conjugal jamais alcançada em plenitude, da fidelidade não correspondida, e pragueja contra a falsidade de Aleteia.

Pensa nos bebês de plástico, nos negócios lesivos que firmou em nome de seu ex-empregador com promessas de ganhos extraordinários, no bom salário que para tão pouco dava e que se foi, na casinha que se foi sem jamais ter-lhe vindo às inteiras, no Verona que não se fabrica mais desde que o comprou e que Aleteia levou consigo na divisão dos bens por ocasião do divórcio.

Conjectura que a realidade em que vive, líquida e voraz, é como um rio cuja correnteza, cortando um mundo povoado por bonecos de madeira regidos por um invisível Gepeto universal, a tudo e a todos arrasta rumo à concretude das rochas que o aguardam no fundo da queda d’água.

__________________________________________

NOTA: eventuais alterações podem ser feitas a qualquer momento pelo autor na publicação original, aqui.

Postado por Luís Antônio Albiero às 15:02 Nenhum comentário:

25/05/2025

O Inabalável Jota

 Jota não estava em seu gabinete quando o telefone tocou. A secretária atendeu e a notícia era grave: a mãe do poderoso chefão havia falecido. 

Sem pestanejar, Marta ligou para o celular do chefe. A ligação foi atendida por um dos seguranças. “Ele está no mar, andando de jet-ski”, respondeu Merci, um policial destacado para a atividade.

“É urgente”, insistiu Marta, passando os dedos por entre seus longos cabelos amendoados que lhe escorriam pelos ombros. Transmitiu a notícia em palavras atropeladas. “Vou ver o que posso fazer”, avisou o outro.

Merci pegou um jet-ski e foi ao encontro de Jota. Ao se aproximar, deu sinais para que parasse e o ouvisse, mas o chefe estava muito feliz com o passeio, nada poderia interrompê-lo. Merci gritava é urgente, sem que Jota o escutasse.

Demorou até que, enfim, Jota parou.

— Que foi, Paraíba? Que que ‘tá acontecendo? Morreu a mãe de alguém?

— Isso mesmo, senhor.

— Vai me dizer que morreu a mãe do Trump. 

— Não exatamente…

— Menos mal. Eu ficaria muito sentido se fosse a mãe do Trump. Qualquer outra, eu não teria o mesmo sentimento — disse, lançando uma risada engasgada, expondo os dentes cerrados, a meia boca esticada em direção às orelhas.

— Gosto muito do cara, ‘cê sabe — completou Jota.

Ambos retornaram com os jet-skis até se reunirem em chão firme.

— E então, morreu a mãe de quem? Do português da piada? Hahaha! Conhece a piada do português que veio para o Brasil? Não conhece? Vou contar, então. Ele deixou em Portugal um gato para ser cuidado pelo amigo Manoel. Hahaha. 

— Senhor… — tentou interromper Merci, sisudo.

— Calma, rapaz! Por que a pressa? Por acaso foi sua mãe que morreu? Se foi, pode ir embora, está liberado por hoje — disse, escarcalhando novamente. 

— Não, não foi...

Jota o interrompeu e prosseguiu:

— Então. O português veio pro Rio de Janeiro, ‘tava lá de boa curtindo uma praia, tomando uma caipirinha, mulherada em volta… Hahaha! De repente, toca o celular. Era Manoel. Joaquim! Teu gato morreu! Hahaha.

Jota enrijeceu a musculatura facial, travou o riso e alçou as sobrancelhas, à espera de uma reação do segurança, que não veio. Continuou: 

— O português desmaiou, foi levado pro hospital. Quando se recuperou, ligou pro compadre e deu-lhe uma bronca. Quase me matas, ó Menuele! 

Jota fez um movimento com o corpo como se mudasse de personagem, a mão à orelha, em concha. 

— Mas como eu deveria ter dado a notícia?, perguntou Manoel. Hahaha! 

Fez outro movimento com o corpo e mudou a mão de orelha:

— Ora, devias ter me preparado para a má notícia. Primeiro, tu me dizias, Joaquim, teu gato subiu no telhado. Um tempo depois, me avisavas que o gato caiu do telhado. Por fim, eu já com o espírito preparado, aí sim tu me contavas a fatalidade!

Jota olhou fixamente para Merci, esperando arrancar-lhe uma risada, uma expressão de surpresa, que de novo não se apresentou. Sem perder o ânimo, retomou a contação:

— Manoel então disse que havia compreendido e, tudo bem, aquilo não aconteceria mais, e Joaquim voltou à praia. ‘Tava lá tomando uma cervejinha, comendo um camarãozinho e coisa e tal, quando, de repente, toca o celular. De novo, era Manoel. Hahaha! 

Jota levou a mão mais uma vez ao ouvido:

— Ó, Joaquim! Tua mãe subiu no telhado! — e desabou em nova gargalhada.

Merci permaneceu impassível, confrangido. 

— Ô, Paraíba! Não achou graça? Ria, rapaz! Ô sujeito mal-humorado.

O segurança mal foi capaz de esboçar um sorriso contido. Já não sabia como dar a notícia. Sentiu-se tomado por um desejo mórbido de dizer senhor, quem subiu no telhado foi a sua mãe, mas o só pensar nessa possibilidade lhe causou o desconforto de um profundo remorso.

— Desembucha, rapaz! Fala aí, a mãe de quem morreu? Vai dizer que, por coincidência, foi a mãe do Joaquim? — e gargalhou com mais intensidade.

— Quase isso — deixou escapar Merci e se arrependeu imediatamente.

— Como assim, quase isso, oxente? — repetiu Jota, imitando-lhe o sotaque e debochando do auxiliar.

— Sua mãe, senhor. Sua mãe, infelizmente, ela… faleceu. Marta acabou de telefonar. Meus sentimentos.

O semblante de Jota alterou-se com vagar, do meio sorriso de dentes cerrados para uma fisionomia fechada, quase de surpresa. Lançou um olhar severo para Merci, desvencilhou-se da boia que ainda envolvia seu corpo e perguntou:

— Por que não me disse logo?

Merci preferiu não responder.

— Quando foi?

— Hoje. Talvez ontem, Marta não soube dizer. Ligaram há pouco do asilo.

Jota voltou para o hotel. Foi de helicóptero para a pequena cidade onde a mãe passara toda a vida. A aeronave pousou num descampado próximo do cemitério em que o corpo era velado. Tomaram o automóvel que já os esperava e rumaram para o velório.

— Vamos lá, Paraíba — disse Jota ao descer do veículo, ajeitando seus óculos escuros e alisando os cabelos. Merci fez o mesmo com os próprios óculos, deu batidas no terno, puxou-o para baixo a esticá-lo, ajeitou a gravata de listras verdes e pretas e seguiu o chefe.

O modesto edifício compunha-se de um amplo salão de entrada, uma pequena cozinha, dois banheiros, e se dividia em três câmaras desprovidas de janelas. Duas delas estavam vazias. Misturavam-se no ar aromas de café e chá de capim-limão. Jota caminhou até onde era velado o corpo da mãe. 

Merci e os outros dois seguranças mantiveram-se em seu entorno, o que despertava curiosidades e burburinhos entre os presentes. Poucas eram as pessoas no local. A falecida era bem avançada em anos, beirava o centenário; havia décadas que residia num asilo, onde o filho a visitara duas ou três vezes.

Perpedina, irmã caçula da defunta, observou o sobrinho caminhar com dificuldade, as pernas abertas como um montador de animais, o abdômen imenso, a cara amarrada que há vários anos acostumara-se a só ver pelo noticiário da TV e redes sociais. Acompanhou-o com o olhar desde que ele cruzou o portal de entrada até se posicionar ao lado do esquife, próximo da cabeça da genitora. Jota não chorou. A tia reparou quando ele, decerto em gesto de reverência, como se tirasse um chapéu da cabeça, retirou os óculos de sol e os segurou às costas. Notou quando ele fixou seus olhos no cadáver da mãe, sem que o tocasse. Nenhuma lágrima deixou escapar, nenhum fio de sangue avermelhou sua esclera. O cheiro das velas a queimar havia sobreposto os de café e capim-limão da entrada. 

Assim permaneceu Jota por cerca de meia hora, até que um homem alto, de meia idade, esguio e vesgo, metido num surrado terno preto de microfibra, a camisa branca amarelecida sobre a qual jazia uma gravata vermelha descorada pelo uso, pediu licença para colocar a tampa sobre o caixão. 

A irmã solicitou que antes pudesse fazer uma oração e assim lhe foi permitido. Ainda incomodada com a ausência de reação do sobrinho, Perpedina puxou três ave-marias e um pai-nosso. Notou que Jota não acompanhou a reza e não moveu um único músculo da face. 

— E levai as almas todas para o céu. Em nome do Pai, do Filho… — rezou Perpedina, acompanhada por quase ninguém. 

Terminada a encomendação do corpo feita de improviso, que mal durou dez minutos, o homem vesgo da funerária reaproximou-se e girou com firmeza um a um os parafusos dourados da urna mortuária. Certificou-se de que o serviço fora executado com perfeição, de modo a garantir a segurança necessária, recolheu as coroas de flores, uma delas ofertada pela própria agência funerária, a outra providenciada pela diligente Marta. Caminhou em direção à saída do prédio, diante do qual estava parado o veículo fúnebre. Abriu-lhe a porta traseira e deu sinal aos presentes de que já poderiam carregar o ataúde até ali. 

Embora fossem necessários seis carregadores, apenas cinco homens se apresentaram. Três eram Merci e seus colegas da segurança; os demais, um sobrinho mais velho do que Jota, com ar cansado, a quem o primo cumprimentara a distância, apenas por troca de olhares, e Pérez, um estrangeiro bastante idoso que residia no mesmo asilo da falecida. Viera a pé, sozinho, pois o asilo ficava a menos de dez quadras dali. Costumava dizer que o albergue onde vivia era um passo anterior ao cemitério. Não poderia faltar ao adeus derradeiro à amiga. 

Todos a postos, faltava um sexto braço forte e os olhares se voltaram para Jota, que se manteve impassível. Não havia outro homem no interior da câmara-ardente. Só quando tia Perpedina, expondo as dificuldades da idade avançada, se apresentou para carregar o caixão foi que ele, num ato semelhante ao de generosidade, sussurrou-lhe:

— Pode deixar, tia. Eu levo.

Caminharam uns poucos metros até o veículo, dentro do qual depositaram o caixão. O agente funerário fechou a porta traseira e conduziu lentamente o automóvel, acompanhado pelos presentes, que o seguiam a pé. 

O portão de entrada do cemitério ficava a uns cem metros do espaço destinado ao velório. Ao longo do trajeto, Jota perguntou ao segurança:

— Paraíba, que dia é hoje?

— Sexta-feira — respondeu Merci. 

— ‘Tô perguntando número, Paraíba. Que é sexta-feira eu sei. Sextou! — disse, contendo um riso inoportuno.

Merci respondeu que era 22.

— Olhe a placa do carro. Termina com 22. É um sinal.

O segurança não entendeu, tampouco perguntou a que sinal o chefe se referia. 

O veículo adentrou o cemitério, seguindo o tempo todo em velocidade que pudesse ser acompanhado pelos poucos que o seguiam, e parou a dez metros da sepultura.

O caixão foi baixado pelos funcionários do cemitério. Retiradas as cordas, eles cobriram a cova com placas de concreto, que vedaram com argamassa já preparada. Ninguém lançou flores sobre o ataúde. Em seguida, passaram a assentar alguns tijolos até vedar completamente o sepulcro. 

O agente funerário depositou as duas coroas sobre o jazigo. Seu olho direito insistia em olhar para o chão. Cumprimentou os que ali permaneciam e partiu. 

Só Perpedina chorava, com discrição. Jota ficou até que o último tijolo fosse assentado, sem dizer palavra. A tia o convidou para tomar um café em casa, mas ele recusou. Alegou falta de tempo, compromissos inadiáveis, sem contar que o café lhe provocava azia, do que resultava terrivel dor no estômago. Não se lembrou de perguntar à tia como tem passado. Ela o abraçou e se despediram.

Jota e os seguranças iniciaram o caminho de regresso. Os rapazes se distraíam lendo os epitáfios, maravilhados com a antiguidade de muitos dos jazigos. Algumas lápides registravam a chegada de imigrantes alemães e italianos à cidade no final do século XIX. Outras exibiam homenagens de filhos aos pais, de esposas aos maridos. Estátuas de anjo sobrepunham-se a sepulturas de caprichada construção em que se liam as datas de nascimento e morte de crianças, a maioria em tenra idade, ao lado dos nomes. Pérez vinha atrás, solitário em seu difícil caminhar.

— Você viu o número da sepultura, Paraíba? — indagou Jota, referindo-se ao sepulcro da mãe.

— Não, senhor.

— 22. Mais um sinal. 

Merci, de novo, nada disse. Não conhecera a mãe de Jota, mas trazia os olhos vermelhos e uma lágrima triste escorria-lhe pelas faces suadas, coradas pelo sol que se exibia pleno. Pensava na velha, na gelidez de seu rosto inerte, extinto; olhava para Pérez, cada vez mais distante, desaparecendo no declive, e refletia sobre o custo de uma amizade.

O automóvel os esperava à porta do cemitério. Jota sentou-se no banco ao lado do motorista e ordenou:

— Toca para uma casa lotérica.

__________________________________________________________

Assine a "Casa Literária" preenchendo este formulário.





Postado por Luís Antônio Albiero às 02:50 Nenhum comentário:
Marcadores: #conto, morte, sorte, vida

30/03/2025

Sim, foi um grande dia (#20)

Para continuar lendo, clique aqui

Postado por Luís Antônio Albiero às 10:52 Nenhum comentário:

25/03/2025

Solidariedade cosmética

O salão de beleza fervilhava. Os cabeleireiros, uma moça de trinta e poucos anos e três rapazes mais jovens, esmeravam-se nos cortes e penteados. Cada qual atendia uma cliente, cujos maridos ou namorados esperavam sentados no espaço de entrada do estabelecimento, servindo-se das revistas e dos cafés postos à disposição. Uma seleção de músicas suaves envolvia o ambiente, embora abafada pelo falatório do lugar. Ainda havia três outras senhoras aguardando a vez, acompanhadas dos respectivos parceiros. Era um vozerio ensurdecedor num espaço pequeno, incompatível com o tanto de gente. 

Assine agora

Na parede, logo acima de um dos grandes espelhos, havia uma frase, decerto com finalidade motivacional: “Uma mulher que corta o cabelo está prestes a mudar sua vida”. Vinha com assinatura da autora, Coco Chanel. 

Reprodução agência Brasil

A decana das clientes era a mais vaidosa. “Começaram a aparecer uns cabelos brancos aqui no meio”, dizia, preocupada. Pablo, o profissional de cabeleira azulada que a atendia, tentou ser agradável:

— Cabelos brancos são raios de sabedoria.

A velhota emendou:

— Cãs não fazem o ancião. Às vezes só revelam pessoas que envelheceram em vão.

— Que chique! Está inspirada hoje, hein! — observou Pablo, mantendo tesoura e pente suspensos sobre a cabeça da senhora.

Acima do espelho defronte o qual se encontravam, havia a frase “Seu cabelo é o vestido de festa que você nunca tira. Jo Robertson”.

— Os canalhas também envelhecem. Rui Barbosa — gritou do local de espera o marido, ele mesmo já avançado em anos, com a sapiência empírica de quem fala do que bem conhece.

— É uma frase budista, querido! — explicou a esposa em relação à que ela mesma havia citado.

— Aaaah, Budaaá! A-mô! — extasiou-se Hanri, o cabeleireiro de bochechas róseas e tatuagens que lhe cobriam braços e pescoço.

— Pinto os cabelos de preto para os encontros amorosos e de branco para as reuniões de negócios. Aristóteles — retrucou o idoso, em tom de galhofa, expressando ares de safadeza.

— Aristóteles? — estranhou o mais jovem dos cabeleireiros, um rapazola geralmente calado. Era o único cujo espelho não ostentava frase alguma. Em sua mesa de apoio, havia um modesto porta-retrato com a imagem de Sócrates, o filósofo, no qual ninguém jamais houvera prestado atenção.

— Aristóteles Onassis. Um milionário grego. Foi marido de Jackie, viúva de John Kennedy, presidente dos Estados Unidos assassinado em 63. Século XX. Esta juventude não sabe de nada, não conhece a História — resmungou o colecionador de frases de ocasião.

A cabeleireira estava cansada. Havia tido um dia intenso, pente para cá, escova para lá, agora a tesoura, e tinta acaju aqui, para esta a cor castanho claro, nesta, chocolate, na outra, louro, e o vozerio incessante, e a filosofia de salão; tudo a entediava. Perdera a conta de quantas cabeças haviam passado por suas mãos ao longo do dia.

Seu corpo exaurido estava no salão, mas suas preocupações continuavam em casa, onde deixara com parentes os dois filhos pequenos adoentados. Terminou às pressas a última tarefa. Mal se despediu dos colegas e da clientela. Ao atravessar a porta, ouviu um “tchau Debby, vá com Deus”. Não reconheceu de quem era a voz e nem se deu ao trabalho de responder. Pablo fez um comentário, como se sussurrasse aos ouvidos da cliente, alto o suficiente para que todos ouvissem:

— Pense numa pessoa distraída!

Embora aflita por causa das crianças, a fé era maior e Débora optou por dar uma passadinha primeiro na igreja, onde faria uma breve oração antes de seguir para casa. Sentia-se em débito com a divindade por conta de seguidas ausências às celebrações, razão provável de os meninos estarem um com bronquite, outro com sarampo. “Deus castiga”, lembrou-se do que lhe dizia a avó, na infância, sempre que se recusava a acompanhá-la nos cultos.

Ao chegar à porta do templo, porém, deparou-se com um intenso movimento de fiéis. Um homem com expressão nenhuma de simpatia organizava a entrada dos devotos e ela seguiu a indicação quando o sujeito lhe disse, irritado, “por aqui, por aqui”.

Débora acabou sendo levada para a parte dos fundos. Acomodou-se numa das poltronas, perdida. A não ser pelas fervorosas orações dos demais, nada ali lembrava a igreja, parecia algo como um ônibus.

— Todos trouxeram suas Bíblias? — perguntou uma moça de camisa branca, mangas compridas e lacinho vermelho escorrendo do pescoço, como uma gravata reduzida. Débora explicou que só queria fazer uma oração antes de voltar para casa, que estava cansada e que não tinha o hábito de levar a Bíblia ao trabalho; sua voz, porém, saiu abafada pelo alarido do entorno. Ainda assim, a moça deve tê-la ouvido, porque lhe atirou ao colo um exemplar barato das sagradas escrituras, uma bandeira nacional, outra de Israel, e virou-lhe as costas.

Os demais seguiam entoando hinos de louvor, num volume estrepitoso, e a moça da Bíblia passou a dizer coisas incompreensíveis, como se falasse numa língua estrangeira. A cabeleireira tentou novamente explicar suas intenções, mas o ônibus havia avançado, já estava numa rodovia movimentada.

Ligou para casa. A bateria do celular, entretanto, não resistiu sequer até que a ligação fosse ao menos atendida. Débora tentou pedir aos demais um aparelho emprestado. Todos estavam tão envolvidos nos cânticos sagrados, alguns em transe, que ninguém lhe deu ouvidos. Levantou-se para sair, mas dois ou três rodopiavam no corredor do coletivo. Resolveu esperar até que cessasse a cantoria. Encostou-se na poltrona para relaxar. O cansaço e o sono a derrotaram.

Horas e horas depois chegaram à capital da República. "Nossa, desmaiei”, disse a si mesma quando acordou, assim que o ônibus parou num local amplo, ao lado de gramados extensos. Por todos os lados havia pessoas vestidas de camisas verde-amarelas, bandeiras nas costas, nos ombros, nas cabeças.

A pessoa que ocupava a poltrona ao lado da janela forçou a saída de Débora, ainda sonolenta, que mais de uma vez perguntou onde estavam. Ninguém lhe respondeu. Saiu do veículo pela força dos empurrões. Ao pôr o pé direito no chão, foi colhida pela procissão que seguia compacta, caminhando em manada e gritando palavras de ordem que ela mal compreendia. Não teve forças para resistir, para tomar outro rumo. Passou-lhe pela cabeça voltar para dentro do ônibus, mas o vento sacudiu-lhe os longos cabelos dourados como se lhe indicasse que o caminho a seguir era mesmo em frente.

Perguntou o que estava ocorrendo a uma senhora toda envolta na bandeira nacional e ela lhe respondeu que “minha bandeira jamais será vermelha”. Dirigiu-se a um rapaz magricela, que ao seu lado simulava marchar à maneira dos militares, carregando uma bandeira em mastro sobre um dos ombros, que lhe disse “abaixo o comunismo“.

À sua direita, outra senhorinha com Bíblia na mão gritava “morte aos corruptos”. O homem ao seu lado bradava “prendam o cabeça de ovo!” Um grupo ostentava uma faixa em que estava escrito “intervenção militar já”. Bandeiras de Israel e dos Estados Unidos espalhavam-se em meio à turba, competindo com a nacional.

Estranhou uma garota solitária de cabelos desgrenhados, vindo na contramão, que segurava um cartaz, “Meu cabelo tem liberdade de expressão. Mafalda”.

“Que loucura isso tudo!”, pensou Débora.

A despeito da fúria visível nas expressões das pessoas, aquela gente toda parecia pacífica, talvez porque contasse com a organização dos próprios policiais que acompanhavam o cortejo e lhe abriam o caminho. Muitos deles tiravam fotos posando sorridentes ao lado dos marchantes. Era um domingo agradável, de sol exposto, sem nuvens no céu, e o povo parecia fazer um passeio coletivo ao parque formado pelas extensas pradarias do entorno e alguns edifícios cujas fachadas a cabeleireira conhecia da televisão.

As horas de sono profundo no ônibus não lhe permitiram os cuidados básicos que toda mulher tem com a própria aparência. Sentia-se suja, suada, mal podia suportar o mau-cheiro que de si exalava. O ofício de cabeleireira, entretanto, ensinara-lhe a não perder a elegância em situação alguma, por adversa que fosse. Lembrou-se da frase que encimava seu grande espelho, no salão, “Se seu cabelo está bem penteado e você usa bons sapatos, consegue se safar de qualquer coisa”. Abriu sua bolsa e do interior retirou um espelho minúsculo, uma escova e um batom.

Caminhou uns cem metros escovando seus cabelos compridos. Tentando concentrar-se na própria imagem refletida pelo espelhinho enquanto andava, acabou empurrada para a frente de uma estátua gigantesca. Foi tão forte o empurrão que projetou o espelho para o alto. Débora perdeu-o de vista e supôs que tivesse sido lançado sobre o colo da escultura, imagem de uma mulher sentada que segurava uma espécie de bastão acomodado sobre a longa saia.

Apoiada nos ombros da multidão ao seu redor, ela subiu e se pôs de cócoras sobre o ventre da estátua. De fato, lá estava o espelho, todo espatifado. A cabeleireira teve uma sensação de derrota e ficou prostrada por uns instantes na barriga da estranha mulher de pedra, pensando, querendo entender tudo o que lhe acontecera nas últimas horas.

Não fazia ideia de onde estava, não reconhecia uma só pessoa no amontoado humano que agora contemplava do alto. Não conseguira fazer contato com os filhos, as pessoas não lhe davam atenção. Sentiu-se perdida, desolada, abandonada em meio à multidão. “Que estupidez, que bobeira eu dei, que ‘mané’ eu fui. Como vim parar aqui?”, torturava-se.

Desistiu de passar o batom em seus lábios. Fixou o olhar sobre a pequena peça cosmética, buscando resposta na ponta chanfrada de cor vermelha, como se olhasse para uma bola de cristal, esforçando-se para compreender como foi que viera do salão de beleza onde trabalhava direto para o colo da estátua esquisita.

Desacorçoada, firmou os dedos sobre o batom, apertando-o, como se quisesse esmagá-lo, como se o culpasse pelo infortúnio. Sem muito raciocinar, deslizou-o pela barriga da estátua, sob os seios pontudos. Tomada por indignação, pelo ódio que sentia de si mesma por ter-se deixado conduzir até ali, rabiscou com força na pedra a frase que sintetizava sua dor: “perdeu mané”.

Disfarçando as lágrimas — odiava chorar em público —, desceu da escultura com ajuda de alguns da multidão. Até foi capaz de sorrir quando percebeu uma infinidade de aparelhos celulares apontados em sua direção. Alguém gritou-lhe: “sua Bíblia, moça!”

Ela apanhou o livro sagrado, que nem era seu, o exemplar antigo de surrada capa preta que a jovem do ônibus lhe houvera dado. É esse livro, entretanto, que hoje a conforta nas horas de solidão na prisão, onde cumpre pena de quatorze anos por ter pichado uma estátua. Não faltaram provas de seu crime, fartamente documentado em fotos e vídeos espalhados pela internet, jornais e telejornais de todo o país e mundo afora.

Dói-lhe a saudade dos filhos, ela chora pela ausência de amigos e demais familiares. Por sorte, Débora tem contado com a inesperada ajuda de pessoas famosas e anônimas, uma espécie de gente que, como numa epifania, viu-se assomada por súbito espírito de solidariedade e que agora, negando a própria história, passou a denunciar tortura nas prisões e a clamar por justiça e direitos humanos.

Distrai-se penteando, escovando, tingindo os cabelos das parceiras de cárcere, mas enfurece-se se alguma lhe pede para fazer-lhe a maquiagem. Débora nunca mais usou batom.

____________________________________________________________________________________________
NOTA: eventuais alterações podem ser feitas a qualquer momento pelo autor na publicação original, aqui.

Postado por Luís Antônio Albiero às 18:01 Nenhum comentário:

16/03/2025

Contribuição a uma proposta de reflexão

 


Minha contribuição à reflexão proposta por Stella Souzz, no texto Seus Deuses, Seus Políticos e Sua Idolatria, no Substack:


Antes de tudo, quero que você esqueça partidos.

Desculpe-me, mas não é possível debater política ignorando partidos. É por meio da organização de pessoas com pensamentos políticos semelhantes ou próximos em associações chamadas partidos que se exerce a política. Nenhum debate sobre política tem chance de ser conduzido à luz pelo caminho enganoso do preconceito. Lembra o lema das fatídicas jornadas de junho: “sem bandeira, sem partido!” (tratei do assunto nesta crônica de agosto de 2013). O sem-partidarismo nos trouxe ao bolsonarismo.


Para continuar lendo, clique aqui.


Postado por Luís Antônio Albiero às 11:11 Nenhum comentário:
Postagens mais antigas Página inicial
Assinar: Postagens (Atom)

Quem sou eu

Minha foto
Luís Antônio Albiero
Capivari, Jacareí e São José dos Campos (SP), SP, Brazil
Advogado público, ex-vereador em Capivari (SP) por dois mandatos (1989 a 1992 e 2001 a 2004), ambos pelo Partido dos Trabalhadores. Assessor jurídico da Liderança do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo de 2006 a 2013. Assessor especial legislativo da Câmara Municipal de Americana de 2015 a 2016 e procurador de 2017 a 11 de agosto de 2018. Procurador municipal desde 13 de agosto de 2018.
Ver meu perfil completo

Leia e assine a "Casa Literária"

Páginas

  • Página inicial
  • Traído pelas Ondas
  • Anela

Rede de leitores

Minha lista de blogs

Arquivo do blog

  • ▼  2025 (7)
    • ▼  06/22 - 06/29 (1)
      • Petricor
    • ►  06/08 - 06/15 (2)
    • ►  05/25 - 06/01 (1)
    • ►  03/30 - 04/06 (1)
    • ►  03/23 - 03/30 (1)
    • ►  03/16 - 03/23 (1)
  • ►  2024 (12)
    • ►  11/03 - 11/10 (1)
    • ►  09/15 - 09/22 (2)
    • ►  08/04 - 08/11 (2)
    • ►  07/14 - 07/21 (1)
    • ►  06/30 - 07/07 (1)
    • ►  06/23 - 06/30 (1)
    • ►  05/26 - 06/02 (2)
    • ►  03/03 - 03/10 (1)
    • ►  01/21 - 01/28 (1)
  • ►  2023 (15)
    • ►  10/08 - 10/15 (1)
    • ►  09/10 - 09/17 (1)
    • ►  09/03 - 09/10 (1)
    • ►  08/13 - 08/20 (1)
    • ►  07/16 - 07/23 (1)
    • ►  07/09 - 07/16 (1)
    • ►  07/02 - 07/09 (1)
    • ►  06/25 - 07/02 (1)
    • ►  06/18 - 06/25 (1)
    • ►  05/21 - 05/28 (1)
    • ►  05/07 - 05/14 (1)
    • ►  03/19 - 03/26 (1)
    • ►  01/29 - 02/05 (1)
    • ►  01/08 - 01/15 (2)
  • ►  2022 (30)
    • ►  11/27 - 12/04 (2)
    • ►  11/20 - 11/27 (3)
    • ►  11/13 - 11/20 (1)
    • ►  11/06 - 11/13 (2)
    • ►  10/30 - 11/06 (1)
    • ►  10/23 - 10/30 (1)
    • ►  10/16 - 10/23 (2)
    • ►  10/02 - 10/09 (1)
    • ►  09/04 - 09/11 (1)
    • ►  06/19 - 06/26 (1)
    • ►  05/08 - 05/15 (2)
    • ►  04/24 - 05/01 (1)
    • ►  04/10 - 04/17 (1)
    • ►  04/03 - 04/10 (1)
    • ►  03/06 - 03/13 (1)
    • ►  02/20 - 02/27 (1)
    • ►  02/13 - 02/20 (1)
    • ►  02/06 - 02/13 (1)
    • ►  01/30 - 02/06 (1)
    • ►  01/23 - 01/30 (3)
    • ►  01/02 - 01/09 (2)
  • ►  2021 (35)
    • ►  12/26 - 01/02 (1)
    • ►  12/19 - 12/26 (1)
    • ►  11/21 - 11/28 (1)
    • ►  11/14 - 11/21 (2)
    • ►  11/07 - 11/14 (3)
    • ►  10/24 - 10/31 (1)
    • ►  10/17 - 10/24 (1)
    • ►  10/10 - 10/17 (1)
    • ►  08/29 - 09/05 (2)
    • ►  08/22 - 08/29 (1)
    • ►  08/15 - 08/22 (1)
    • ►  07/25 - 08/01 (3)
    • ►  07/11 - 07/18 (1)
    • ►  06/13 - 06/20 (2)
    • ►  05/23 - 05/30 (2)
    • ►  05/16 - 05/23 (1)
    • ►  04/18 - 04/25 (1)
    • ►  04/11 - 04/18 (1)
    • ►  03/14 - 03/21 (1)
    • ►  03/07 - 03/14 (3)
    • ►  02/21 - 02/28 (1)
    • ►  02/07 - 02/14 (2)
    • ►  01/24 - 01/31 (1)
    • ►  01/17 - 01/24 (1)
  • ►  2020 (12)
    • ►  12/13 - 12/20 (1)
    • ►  12/06 - 12/13 (1)
    • ►  11/01 - 11/08 (1)
    • ►  10/11 - 10/18 (1)
    • ►  07/19 - 07/26 (1)
    • ►  07/05 - 07/12 (1)
    • ►  05/17 - 05/24 (1)
    • ►  05/10 - 05/17 (1)
    • ►  03/01 - 03/08 (1)
    • ►  02/16 - 02/23 (1)
    • ►  01/26 - 02/02 (1)
    • ►  01/05 - 01/12 (1)
  • ►  2019 (11)
    • ►  11/17 - 11/24 (1)
    • ►  11/10 - 11/17 (2)
    • ►  11/03 - 11/10 (2)
    • ►  10/20 - 10/27 (1)
    • ►  09/01 - 09/08 (1)
    • ►  06/16 - 06/23 (2)
    • ►  03/31 - 04/07 (1)
    • ►  02/10 - 02/17 (1)
  • ►  2018 (28)
    • ►  12/30 - 01/06 (1)
    • ►  11/11 - 11/18 (2)
    • ►  10/07 - 10/14 (2)
    • ►  07/15 - 07/22 (2)
    • ►  07/01 - 07/08 (1)
    • ►  06/17 - 06/24 (1)
    • ►  06/10 - 06/17 (2)
    • ►  05/27 - 06/03 (2)
    • ►  05/20 - 05/27 (2)
    • ►  05/06 - 05/13 (1)
    • ►  04/22 - 04/29 (1)
    • ►  04/15 - 04/22 (1)
    • ►  04/08 - 04/15 (1)
    • ►  04/01 - 04/08 (1)
    • ►  03/25 - 04/01 (1)
    • ►  03/18 - 03/25 (1)
    • ►  03/11 - 03/18 (1)
    • ►  03/04 - 03/11 (1)
    • ►  02/25 - 03/04 (1)
    • ►  02/18 - 02/25 (1)
    • ►  01/21 - 01/28 (1)
    • ►  01/14 - 01/21 (1)
  • ►  2017 (4)
    • ►  12/17 - 12/24 (1)
    • ►  07/16 - 07/23 (1)
    • ►  03/12 - 03/19 (1)
    • ►  02/05 - 02/12 (1)
  • ►  2016 (5)
    • ►  12/25 - 01/01 (2)
    • ►  12/18 - 12/25 (1)
    • ►  11/27 - 12/04 (1)
    • ►  04/17 - 04/24 (1)
  • ►  2015 (2)
    • ►  10/04 - 10/11 (1)
    • ►  03/22 - 03/29 (1)
  • ►  2014 (3)
    • ►  06/29 - 07/06 (1)
    • ►  06/15 - 06/22 (1)
    • ►  05/18 - 05/25 (1)
  • ►  2013 (1)
    • ►  04/21 - 04/28 (1)
  • ►  2012 (3)
    • ►  11/18 - 11/25 (1)
    • ►  06/03 - 06/10 (2)
  • ►  2009 (1)
    • ►  12/27 - 01/03 (1)
  • ►  2002 (2)
    • ►  08/11 - 08/18 (1)
    • ►  07/14 - 07/21 (1)
  • ►  2001 (1)
    • ►  01/07 - 01/14 (1)

Siga este blogue

Nome

E-mail *

Mensagem *

Postagem em destaque

Petricor

IMPORTANTE: Prezada leitora, prezado leitor. Preciso muito saber da sua opinião sobre este conto, sobretudo quanto à temática e à forma como...

Postagens mais visitadas

  • Um nome para minha IA (#34)
    Minha “IA” (sigla utilizada para designar inteligência artificial ) ainda nem foi concebida, mas já tem nome. Assine agora Dar nome é algo i...
  • É tudo líquido
    Carlos Rios, bancário, sente-se satisfeito aos cinquenta e nove anos de idade com seu salário bruto de quase sessenta mil reais por ano, don...
  • Sim, foi um grande dia (#20)
    Para continuar lendo, clique aqui
  • Petricor
    IMPORTANTE: Prezada leitora, prezado leitor. Preciso muito saber da sua opinião sobre este conto, sobretudo quanto à temática e à forma como...
  • Cainã, o Telecobrador
      Faltavam segundos para as sete da noite quando Cainã viu surgir na tela do computador mais uma ligação a ser feita. Seria a última do dia,...
  • O Segredo do Médico
    Enquanto baianos e mineiros sofriam debaixo d'água em razão das enchentes, o Micto divertia-se em férias sem fim entre a gente catarinen...
  • Em Busca do que me Convém
    Tenho aprendido muito aqui, no grupo denominado “Amigos Capivari”. Aprendi, por exemplo, que é conveniente tratar de assuntos bizarros, esca...
  • Em Qual Fraude Você Prefere Acreditar?
    Está dificil compreender o frenesi que tomou conta de significativa parcela dos oito bilhões de viventes sobre a face da terra em relação à ...
  • Solidariedade cosmética
    O salão de beleza fervilhava. Os cabeleireiros, uma moça de trinta e poucos anos e três rapazes mais jovens, esmeravam-se nos cortes e pente...

Assine a "Casa Literária"

Copyright © Luís Antônio Albiero . Tema Simples. Imagens de tema por dino4. Tecnologia do Blogger.