23/07/2020

Ser Filho, Ser Pai

Julho é mesmo um mês decisivo em minha vida, para o bem e para o mal.

Foi em 19 de julho do ano da graça de 1968, "o ano que não terminou" (título do livro do jornalista Zuenir Ventura, sobre os anos de chumbo), que meu pai faleceu, aos quarenta anos de idade. Bota chumbo nisso! Eu tinha apenas quatro e meio.

No mesmo dia, só que em 1975, foi-se o pai dele, meu nono Antônio Albiero, o "Tone", e em 16 do mesmo mês, no ano seguinte, foi-se minha nona Natalina Pellegrini, a "Nina". Em 1974, no primeiro dia de julho, já se havia partido meu avô materno, Roque Alexandre Feliciano, o "Roquinho".

Passada essa onda nefasta, porém, os julhos seguintes só me reservaram alegrias. Em 20 de julho de 1991 eu e Luciana nos casamos e em 23 do mesmo mês, do ano de 1997, nasceu meu filho Estêvão.

Hoje, portanto, 23 de julho de 2020, meu filhote está completando 23 anos de idade. Aquele bebê que dormia em minha barriga, então não tão proeminente como a que hoje ostento, já é homem feito.

Por toda minha infância eu senti a ausência de meu pai, e sinto até hoje, a despeito das tão poucas, mas muito boas lembranças que trago dele. Já escrevi a respeito, numa crônica.

A ausência da figura paterna despertou em mim, desde muito cedo, o desejo de ser pai. Minha primeira filha, Mariana, porém, não sobreviveu a um parto prematuro. Resistiu bravamente por 24 dias, inteiramente vividos na UTI neonatal do hospital Maternidade, de Campinas. Ela teria hoje 25 anos de idade.

Sua perda reforçou em mim o desejo de ser pai de fato e eu sonhava não ser um pai qualquer. Queria ser o melhor pai do mundo, como eu imaginava que teria sido o meu, Ildefonso, de apelido "Nego", de cujo caráter tudo o que sei, pela unanimidade dos que o conheceram, é que ele foi "um homem bom".

Recolho esses testemunhos dos que com ele conviveram como minha herança, que ele me transmitiu sem que eu percebesse. Não houve tempo, afinal, de ele me passar de modo direto alguma lição de vida. Não me lembro de nenhum conselho e de nenhuma repreensão que ele me tenha feito. Recebo o legado, portanto, pela via indireta dos que o conheceram e que se resume a essas três palavras, "um homem bom". E tento transferir essa preciosidade ao meu filho.

Reconheço que há vezes, porém, em que perco oportunidades de fazê-lo de modo mais concreto, por palavras ou por atitudes.

Lamento não ter sido aquele pai que leva o filho ao clube, ao futebol, sequer para assistir a jogos, como eu adorava na adolescência, paixão que arrefeceu depois que me casei e fui brindado com a paternidade. Algumas vezes o levei a bailinhos de carnaval e houve uma única ocasião em que pescamos juntos. À praia, duas vezes - se não estou errando nas contas.

Definitivamente, não sou o melhor pai do mundo. E certamente há vezes em que chego mais perto dos piores nessa mágica experiência da paternidade, mas tenho certeza de que me esforço para ser o que me parece o ideal. Tenho consciência de que não consigo.

Hoje Estêvão comemora seus 23 anos de idade e eu estou a mais de duzentos quilômetros de distância dele, que ficou em Americana, onde faz o curso de Jogos Digitais na Fatec. Distância que nos finais de semana eu percorro para nos juntarmos na casa de Capivari, realidade que já não é mais possível para os avós Apparecida, minha mãe, a"vó Cida", Maria do Carmo Janotta, "vó Carmo", e Geraldo Falcirolli, o "vô Lalo", meus sogros, já falecidos, muito menos para meu pai, que meu filho passou muito longe de conhecer e, portanto, jamais teve a oportunidade de chamar de "vô Nego", tampouco para a irmãzinha Mariana.

Eu sonhava, para ele, uma USP, uma Unicamp ou Unesp, ou alguma das federais do país, e ele poderia tranquilamente ter ido para qualquer delas. Eu desejava que ele tivesse a convivência intelectual, cultural e política que o ambiente universitário pode proporcionar, que em parte eu vivenciei nos tempos da boa e velha Unimep, instituição privada de Piracicaba em que fiz o curso noturno de Direito, de boa qualidade, é verdade, embora distante da excelência que se alardeia das públicas. Ele foi pragmático e optou pelo curso que ele quis, e ponto final.

Ao contrário de me desgostar, a escolha me fez ver que meu filho tem personalidade, que sabe o que quer e não se preocupa com veleidades. Estou certo de que ele tomou o melhor caminho.

Tudo isso para dizer, neste dia de seu aniversário, que eu estou, aliás, que sou muito orgulhoso do meu filho. Dizer a ele que sempre poderá contar comigo para o que der e vier. E pedir-lhe perdão pelas vezes em que, querendo ser o melhor pai do mundo, acabei sendo ou me aproximando do contrário.

E que amo muito você, meu filho.

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