Sem um propósito claramente definido, eles adentraram de modo forçado às sedes dos três Poderes da República, como há tempos desejavam. Um feito inestimável.
Arrebentaram tudo o que puderam. Quebraram enormes estruturas de vidro, rasgaram estofados, esfaquearam obras de arte, arrombaram portas, roubaram armas, destruíram computadores e documentos. Com igual fervor patriótico, atiraram o Brasão da República ao chão, deixando-o ao relento, expulso de um dos palácios. Tão à vontade se sentiram que urinaram e defecaram pelos corredores. Fizeram, ora pois, uma "cagada" federal.
Saíram da gloriosa empreitada carregando diversos troféus, como a porta do gabinete do ministro Alexandre de Morais e a versão original da Constituição de 88. Gravaram vídeos e tiraram selfies em animados colóquios com soldados do exército e da polícia militar. Deixaram, enfim, a praça dos Três Poderes felizes e cantando vitória, convencidos de que haviam alcançado seu intento, fosse ele qual fosse.
Como cães que rosnam para pneus e correm atrás de automóveis, porém, não souberam o que fazer quando o carro parou. Eles subjugaram o Legislativo, o Executivo e o Judiciário do país. Vandalizaram e tocaram o terror. Chegaram ao ápice de adentrar o gabinete do presidente da República, palco das mais importantes decisões da vida nacional. E o que, afinal, fizeram com toda essa conquista? Mudaram alguma coisa na estrutura institucional do país? General Heleno é o presidente? Há uma junta militar a nos governar? BolsoNero voltou triunfante do esconderijo para o qual fugiu como gatinho assustado?
Não, nada disso.
O episódio serviu ao menos para acabar com a fantasia dos patriotários alimentada por setenta dias de acampamento diante de quartéis. Por mais violentos que eles sejam capazes de se mostrar, não passam de um bando de equivocados, abilolados, imbecilizados pelo fanatismo que dedicam a um ídolo de pés de barro. A esta altura, com mais de mil deles detidos na Academia da Polícia Federal de Brasília aguardando o momento de prestar depoimento, já devem ter a consciência de que de fato e de direito o Brasil tem um novo governo e que o presidente atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva, hoje mais forte do que no dia da eleição.
A "Tomada de Brasília" revelou-se uma reedição tupiniquim da célebre "Batalha de Ásculo". Repetindo o gesto do rei de Epiro e da Macedônia, felicito a todos os soldados "cabeças-de-papel" por essa histórica e tragicômica vitória de Pirro.
(Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 9 de janeiro de 2023)
(Imagem: "A Vitória de Pirro", Wikipedia)