Crônica
Luís Antônio Albiero
dez 17, 2025
Os dias raiam em sequência infinita, desde sempre e para todo o sempre.
Num desses, eis que veio à luz mais um ser humano. Nasceu sem nome e, como esperado, a mania histórica das pessoas que se pretendem civilizadas pôs em polvorosa os pais, que até o momento de nascer não haviam dispensado um único segundo para pensar e decidir como o chamariam.
Objetará, com razão, o astuto leitor que se trata de preocupação precedente à civilização humana. Não tenho como aderir à teoria, mas admitamo-la, para fluxo ordinário da narrativa.
O pai olhou para o menino, viu nele algo inexplicável e sugeriu, não sem um certo entusiasmo:
— Óchito!
— Muito chique — objetou a mãe, sem pestanejar. — Nóis é pobre — lembrou, a título de dar uma explicação.
O pai pensou mais um segundo, endereçou novo olhar ao rebento e fez uma segunda proposta:
— Raiam.
A mãe fez uma cara assim assim, torceu o nariz, mordiscou os próprios lábios, coçou o interior da orelha direita.
— Gostei — concluiu.
— Vi num filme americano — revelou o pai, sorrindo de satisfação.
— Não importa. É chique também, mas lembra raio de sol, que é de todo mundo. Meu menino é iluminado.
— Raiam Dias, então — pensou alto o pai.
— Não esqueceu nada não?
— Esqueci do quê?
— De mim. Que o menino tem mãe…
— Uai, claro que não esqueci. Por que ‘cê ‘tá me dizendo isso?
— Santos, hômi! Meu sobrenome, ara essa. Quero que o menino tenha meu sobrenome também. Não é justo?
— Tá bom — consentiu o marido. — Então vai ser Raiam Santos Dias.
E desde então os dias, uns santos, outros nem tanto, continuaram raiando em sua sequência sem fim.