Juanito deixou Cuba quando mal houvera completado vinte anos. Cedo
avaliara que a vida lhe reservava algo mais emocionante do que passar
sete, oito horas seguidas ouvindo inflamados discursos del comandante.
No
ardor da rebeldia juvenil, chegou a esboçar uma ou outra investida
contra o regime de Fidel, mas sucumbiu. Passou a alimentar o sonho de
viver em solo americano, como alguns de seus amigos de colégio haviam
ousado tentar, com êxito. Resoluto, seguiu-lhes os passos. Fez o
perigoso percurso dos desertores e migrou para os Estados Unidos, onde
permaneceu clandestino por muito tempo. Conveniências políticas, porém,
facilitaram-lhe a vida, tornando regular sua permanência no país de Tio
Sam, Tio Patinhas e dos Três Patetas.
Trabalhou com o
afinco com que um latino-americano sabe trabalhar em terras ianques.
Cresceu na profissão a ponto de montar negócio próprio, que lhe
proporcionou uma pequena fortuna. Entregou-se às inteiras à sedução
capitalista, o que o fez gozar prazeres que jamais teria tido em seu
país natal. É verdade que se desinteressou pela política insular, mas
manteve-se fiel ao anticastrismo juvenil.
Casou-se com uma compatriota, Regla, também fugitiva, que lhe deu cinco hijos.
Juanito fazia à esposa constantes e sinceras juras de amor; porém,
nunca foi verdadeiramente capaz de se ajustar às rígidas regras do
matrimônio. Quando amigos expressavam desconfiança de suas múltiplas
aventuras amorosas e lhe cobravam fidelidade, ele costumava sair-se com
uma frase assaz enigmática:
- Soy fidel, pero no soy castro!
Tantas
foram suas desandanças que um combinado de derrame cerebral e infarto
do miocárdio veio colhê-lo ainda em pleno regozijo da idade do lobo. A
vida tem dessas coincidências. Ao mesmo tempo em que Juanito agonizava
incógnito num quarto de uma clínica particular de Nova York, os jornais
pelo mundo afora estampavam Fidel Castro esboçando sorrisos ao lado de
Hugo Chávez num hospital público de Havana, fingindo convalescença.
Pressentindo
o desfecho indesejado, Juanito quis porque quis que lhe arranjassem uma
bandeira de seu torrão natal. Não queria partir desta para melhor
(nunca compreendera por que haveria de ser melhor estar a sete palmos do
chão...) sem que primeiro pudesse demonstrar todo amor que ainda nutria
pela pátria que o vira nascer. Queria, enfim, poder dar um beijo num
estandarte de Cuba, antes que o instante fatídico pusesse tudo a perder.
Seus
cinco filhos empenharam-se na busca do objeto do derradeiro desejo do
pai. Em plena era Bush, porém, estava difícil encontrar um pavilhão
cubano em território americano. Foi então que apareceu uma compatriota, una cubanita mui hermosa, que afirmava ter a tal bandeira tatuada nas nádegas.
Acertadas
as bases contratuais, ela compareceu ao leito de Juanito no dia e na
hora combinadas. Delicada e piedosamente, baixou as calçolas e deixou
que ele lhe tascasse um beijo em seu belo traseiro. Foi um longo e
apaixonado ósculo, naturalmente. Afinal, ele estava longe da pátria
amada havia décadas.
Quando la chica levantava
as calças com a dignidade de quem cumprira um dever cívico, imaginando
que Juanito estivesse satisfeito, eis que este começou a suplicar-lhe:
- ¡Ahora vira! ¡Vira! ¡Por favor, vira-te!
- ¿¡Que pása!? – indignou-se a garota. ¿Usted no deseaba solo besar el estandarte de Cuba?
- ¡Si, si! – respondeu o ávido e impávido Juanito. ¡Pero ahora – explicou – deseo también dar uno patriótico beso en la face socialista de camarada Fidel!
A
garota tanto que relutou, heróica, mas resolveu ceder às súplicas do
moribundo e lhe deu enfim a outra face. Foi quando Juanito deparou-se
com um portentoso charuto cubano devidamente aceso. Não resistiu. Foi
fulminante.
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Publicado originalmente no blog "Crônicas do Falsíssimo", em 19 de fevereiro de 2007
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