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09/06/2012

O "Analfabeto" e seu "Poste"

Caro Gabriel,

Muito prazer em conhecê-lo! Alegra-me ver que minha colega de “ginásio” Viviane *** gerou um garoto inteligente, como você.

Sabe, Gabriel. Quando eu tinha 24 anos de idade fui eleito vereador em Capivari. Era o mais novo de todos os eleitos. O mais idoso era o saudoso Miguel Simão Neto, 75. O prefeito era José Carlos Colnaghi, hoje secretário de Obras, cuja idade devia girar em torno dos cinquenta, próximo dos quais me encontro hoje. Numa visita dele, prefeito, à Câmara, fiz-lhe questionamentos que, por alguma razão, tiraram-no do sério. Em dado momento, ele, irritado comigo, dirigiu-se a mim e disse algo como “meu jovem, você é muito novo ainda, não entende...” – e o complemento já nem me lembro. Mas me recordo exatamente da resposta que dei a ele: “meu caro prefeito, os meus 25, os seus cinquenta ou os 75 do Miguel Simão são nada diante da infinitude do tempo!”

Pois é. Do alto dos meus 48, hoje tenho a oportunidade de dialogar com alguém ainda mais novo do que eu era, àquele tempo, e dizer-lhe que acolho com absoluto respeito sua opinião.

Devo-lhe dizer mais, que não me irrita nem um pouco você referir-se à minha opinião como “postura ingênua” e “extremamente simplificada”. Ao contrário, orgulho-me de poder dizer que me mantenho fiel a valores que afloraram e se consolidaram em meu espírito ainda na juventude. Deve ser por isso que costumo dizer que não estou ficando velho, mas “acumulando tempo de juventude”.

Quanto à “divinização” do ex-presidente Lula, devo debitar a impressão que o amigo teve a alguma “inconsistência técnica” na construção do meu texto. Embora eu venha há anos tentando aprimorar-me na arte de escrever – trazendo ainda lições dos bancos escolares, de professores como José Benedito e Stellamaris; Viviane saberá dizer-lhe quem foram –, a verdade é que ainda não passo de um amador e, como tal, sujeito a incompreensões.

Não me lembro, porém – e me ajude a refrescar minha memória – de nenhuma passagem de algum texto que eu tenha escrito em que eu tenha atribuído ao ex-presidente algum poder divino. Lula não é deus, por óbvio; é fruto mais que humano do seu meio, das suas origens, das suas obras. Lula criou o Partido dos Trabalhadores, mas não o fez crescer sozinho. Eu mesmo estava lá, nas origens, nos meus sempre presentes dezesseis anos de idade. E o governo que levou adiante, não o levou sozinho, tampouco. Não foi por um lampejo milagroso vindo dos céus que ele adotou as políticas públicas certeiras. Não, nada disso. Elas foram sendo construídas ao longo dos anos, nos estudos desenvolvidos por intelectuais do partido – que você diz estarem deixando a sigla, mas o que se vê, na realidade, é o abandono da candidatura de José Serra por intelectuais tucanos que já manifestaram adesão à de Fernando Haddad (isso é apenas uma lembrança pontual, de algo bem atual).

O PT sempre foi um partido orgânico, mesmo quando ainda era minúsculo e assombrava as pessoas. Você ainda era um bebê quando o partido já tinha dez anos e as pessoas, inclusive as mais simples, temiam que Lula, chegando ao poder, fosse dividir as casas e queimar bíblias. Essa era a ingenuidade reinante, que parece ainda permear alguns espíritos que até hoje resistem ao amadurecimento.

As políticas públicas petistas foram engendradas nas universidades e, em particular, na Fundação Perseu Abramo. O próprio Lula, a quem chamam de “analfabeto”, foi instruído por cientistas políticos, economistas, filósofos e outros intelectuais. Maria da Conceição Tavares vinha semanalmente do Rio a São Paulo para participar de reuniões na FPA, com presença de Lula. Com ela, Luciano Coutinho, Aloísio Mercadante, Emir Sader, Guido Mantega. Procure localizar e veja a entrevista da economista luso-brasileira à CBN, em especial quando ela frisa que Lula, “com sua inteligência fantástica”, apreendia com facilidade os ensinamentos. É ela dizendo!

Os estudos desenvolvidos pela Fundação foram, a pouco e pouco, sendo experimentados em prefeituras, à medida em que o partido as conquistava; depois, em governos estaduais; até que chegaram amadurecidas ao governo federal. E os resultados aí estão! Algumas, como o Programa Saúde da Família e esboços do que hoje é o Bolsa-Família, foram iniciadas durante o governo do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso (que implantou o bolsa-escola, o vale-gás, e outros programas ainda tímidos de transferência de renda).

O que legitima o governo Lula e chancela os avanços por ele conquistados não é simplesmente seu caráter carismático, mas o fato de ter sido um governo democraticamente eleito e reeleito, seguido da eleição do “poste” que lhe sucedeu, como se referiam à hoje presidenta Dilma, na vã tentativa de desqualificá-la. Não há, nisso, “dominação burocrático-legal”, mas efetiva manifestação da vontade popular, essência da democracia.

O governo Lula deu certo, meu caro, por sua habilidade em liderar e negociar.

No meu texto, tentei dizer – e acho que não o disse com a competência devida – que a “xenofobia” manifestada por boa parcela dos paulistas (parece que, de fato, cometi o pecado costumeiro da generalização) é combustível que pode vir a ser utilizado por um líder fanfarrão eventualmente içado ao poder, um destrambelhado qualquer, diante da incapacidade de contornar uma crise econômica, por exemplo.

Não vejo esse risco nos dias de hoje, até porque a economia brasileira vai muito bem, obrigado. Só quis acentuar que queimaram a língua os que apostavam que Lula seria essa figura e que, para não terem que dar o braço a torcer, insistem em apontar para esse risco. Esse suposto risco, ele sim, inconsistente, primário, fruto da ingenuidade ou do simplismo de quem assim pensa.

Quanto às referências ao “discursos imperativos do marxismo-leninismo”, dirigidos “de cima para baixo”, devo relevá-las, por conta do desconhecimento, seu, de quem seja eu e de como seja o Partido dos Trabalhadores por dentro. O amigo apenas reproduz leituras preconceituosas feitas por apressados que jamais se animaram a aprofundar-se nas pesquisas, limitando-se a tratar como seres desprovidos da capacidade de pensar os mais de 1,5 milhão de filiados ao partido.

De todo modo, agradeço-lhe por dedicar precioso tempo à análise do meu texto. Suas observações servem muito ao meu enriquecimento intelectual. Espero ter contribuído em alguma medida, também.

PS.: por que o amigo me trata por “colega”? Sou advogado, assessor parlamentar. Se o impressionou a citação, no meu perfil, de ter cursado ciência política no ILP, em convênio com a Unesp, esqueça. Foi apenas um curso (muito bom, por sinal) de um ano e meio que sequer cheguei a concluir (não entreguei o trabalho final).

Grande abraço!

(Em Capivari, SP, aos 9 de junho de 2012)

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