Do Jardim da Casa Literária de Luís Antônio Albieroago 25, 2025
Estou com as mãos no teclado e nenhuma ideia na cabeça. Há uma folha virtual em branco aberta à minha frente e não sei sobre qual tecla darei o primeiro toque. O problema de sempre, a primeira letra, a primeira palavra, a frase de impacto com que devo iniciar meu texto.
Por onde começar?
De Glauber Rocha dizia-se que tinha sempre uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Cá para mim, não deveria ser difícil a ele sair por aí, filmando tudo o que lhe surgisse à frente, para só depois editar o filme, dar-lhe forma e contexto. O objeto colhido despertará a ideia, esteja ela adormecida ou nem se encontre em sua cabeça.
Não difere muito disso o ato de escrever. Minha câmera são meus olhos e, se eles me faltam, até porque estou parado aqui, diante do computador, o meu próprio pensamento serve-me de janela para a realidade que me envolve. Vasculho-o por todos os escaninhos mentais, rebobino a memória, examino-a cena a cena, arquivo por arquivo, cada objeto recolhido, e nada encontro de útil. Nada que seja original, o que me remete à canção em que Renato Russo se pergunta quais são as palavras que nunca são ditas.
O que não falta são pessoas soltando palavras, exsudando-as pelos poros, evacuando-as por todas as portas de saída. Há livros em profusão, há o rádio, a televisão, plataformas virtuais, redes sociais, blogues, vídeos, áudios, jornais, revistas, boletins e panfletos, uma infinidade de meios pelos quais milhões de vidas inteligentes expressam sua voz, expõem pensamentos diversos. Que diferença fará o que eu tenho a dizer, o que eu quero dizer? Que lugar no mundo terá meu texto, meu conto, meu romance?
Revisito os clássicos, os grandes autores, os que me inspiram e em cuja fonte busco saciar minha sede criadora, mas eles me assustam. Leio um parágrafo de Dostoievski e concluo que nunca escreverei como ele. Leio um conto de Machado e a mesma sensação me abate.
Abandono-os e decido ler novos autores. Recorro a um amigo, conterrâneo, João Mattos, que recentemente lançou um livro de contos (1). Deus do céu! O estilo é tão gracioso, elegante, encantador. Falta-me essa capacidade, que ele revela de sobejo, de transcender à realidade, à dureza concreta do real. Meu amigo, sem saber, sem querer, me enche de desânimo e me derruba. Vou a nocaute. Nunca escreverei como ele.
Sou resistente, porém. Resiliente, palavra da moda. Teimoso como um animal de carga que reluta a dar-se por vencido. O nocaute me derruba, é fato, mas não se consolida. Levanto-me com a convicção de que não preciso escrever como João. Nem como Machado, nem como Dostoievski.
Soberbo, talvez, ocorre-me que tampouco Machado ou Dostoievski, ou Shakespeare ou Drummond, nenhum deles escrevia como eu. Porque o meu jeito de escrever é só meu. Como o rio que corta a aldeia de Fernando Pessoa é maior, mais belo e mais livre do que o Tejo porque pertence a menos gente, também o manancial de palavras e ideias que escorre por meu ser também há de ter seu valor; afinal, só pertence a mim. E pouco me importa o valor que os outros darão ao que tenho necessidade de dizer.
Encho-me de coragem, desafio a folha em branco que me assombra e aperto, então, a primeira tecla.
(1) “Urdiduras”, João Bastos de Mattos, ed. Patuá.
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