Refiro-me à sequência inesgotável de fatos hilários produzidos pelos personagens do Golpe de 16, desde a patética sessão da Câmara em que os deputados corruptos e parentes de corruptos votavam para derrubar Dilma Rousseff "por Deus, pela família, pelo coronel Brilhante Ulstra, pelos corretores de imóveis e pelos motoboys" até os mais recentes candidatos ao protagonismo de uma pretensa derrubada de Temer. Um novo e estranho golpe a seis meses de uma nova eleição.
Hoje vi um vídeo em que um grupo de manifestantes, autointitulados "pelotão dos caminhoneiros", foi a uma base militar no Rio Grande do Sul entregar aos milicos os seus caminhões, antecipando-se à ordem dada pelo ocupante da Presidência da República, com direito a perfilamento e a bater de continência dos novos soldados, autênticos voluntários da pátria. A espécie humana não encontra mesmo limite à parvoíce.
Tenho recebido uma profusão de áudios e vídeos em que supostos capitães e coronéis desafiam a autoridade de seus superiores, inclusive e principalmente do chefe supremo das forças armadas, um dos papéis constitucionais reservados ao presidente da República. Anoto que a Constituição não distingue entre presidente legítimo do usurpador com foros de legitimidade. Insubordinação é algo inadmissível no meio militar, em que impera a hierarquia. Em tempos de governo raquítico, porém, toda esdruxularia é possível.
Mas há mais. Nas gloriosas redes sociais que, segundo Umberto Eco, escritor italiano morto em 2016, deram vez e voz à imbecilidade, não faltaram manifestantes decepcionados com a traição do Exército brasileiro à sua tão nobre causa, a ponto de chamarem os comandantes de "comunistas"!
Em outro áudio, alguém informa a todos os caminhoneiros que Michel Temer havia acabado de assinar "uma liminar" determinando isto ou aquilo. Ora, eu nunca soube que Temer fosse juiz ou que presidente concedesse liminares. Detalhe: ele teria assinado o tal documento "em conjunto com todos os deputados federais e estaduais". Deve se tratar de uma lista telefônica ou algo parecido, imagino.
E há até mesmo um áudio em que um figurão da República - ora um certo deputado federal, ora o próprio Carlos Marum - grava uma mensagem no WhatsApp contando a um amigo detalhes da estratégia do governo para enfrentar os caminhoneiros, mas adota o extremo cuidado de fazer uma importante ressalva logo no início: "não deixe vazar este áudio!". Sinto informar, ministro. Vazou!
Agora acabei de receber mais uma mensagem, em que algum manifestante - suponho que seja, pois o movimento, como nas jornadas de junho, peca pela ausência de um líder, um interlocutor autorizado a falar em nome do conjunto - pede a renúncia do presidente e de "todos os ministros de Estados". Assim mesmo, no plural. Com um adendo: "em todas as esferas". Esferas de governo, quero crer. Com certeza inclui a totalidade dos ministros estaduais e, se minha imaginação não estiver indo longe demais, também os bravos ministros municipais...
Há quem peça a renúncia ou destituição de todos os cargos, eleitos ou não - do presidente da República e congressistas aos vitalícios ministros do Supremo Tribunal Federal, com direito a citação dos prediletos dessa turba ensandecida, Lewandowski e Toffoli, além de um certo "beiçola" (alguém tem ideia de a quem o manifestante possa estar-se referindo? Minha imaginação esgotou-se). O passo seguinte, creio, será importarmos políticos da Europa, quiçá marcianos.
Tem até um vereador do PT, aqui da região de Campinas, que fala por vinte minutos aos caminhoneiros e, em dado momento, depois de chamar Temer de "usurpador", pois "roubou o mandato", ameaça derrubá-lo também e lembra que "nós tiramos o Collor, nós tiramos a Dilma!" Do PT! "Chose de loc", diria Sebá, o nordestino exilado em Paris, personagem do Jô Soares nos anos 70.
Sem contar o próprio Temer em pessoa que, recentemente, em solenidade oficial, anunciou o novo lema de seu governo: "o Brasil voltou, vinte anos em dois". A vírgula não prejudica a meia confissão. Meia porque o país voltou pelo menos uns dois séculos sob sua batuta.
Stanislaw Ponte Preta, vivo fosse, teria um farto material para escrever, sem grande esforço de criação, novos volumes da sua série de Febeapás.
A propósito, Febeapá são as iniciais de "Festival de Besteiras que Assolam o País". Umberto Eco poderia escrever o prefácio. Estivesse vivo também, claro.
(Luís Antônio Albiero, advogado em Americana-SP, ex-vereador de Capivari-SP pelo PT, palpiteiro de Facebook)