Pela direita, condena-se a emissora da família Marinho pelo que ela tem de avançado, por sua capacidade de influenciar a sociedade a despertar o respeito à diversidade, sobretudo ao modo de ser de cada um. Excessos de cenas sensuais ou de sexo explícito nos programas de entretenimento, dos auditórios às novelas, chocam uma moral média com o que, para parte da sociedade, significa avanço, amadurecimento, expressão de liberdade de um povo. Ao discutir temas como identidade de gênero, a Globo presta um serviço inestimável para que o Brasil se torne um país em que todos nos respeitemos, respeitando nossas diferenças, mas isso desperta o preconceito jacente em certo segmento, que se transforma em ódio aos que lhe são diferentes e à própria emissora.
É, porém, exatamente na área do entretenimento que a Rede Globo emprega e dá amplitude à voz de gente como Paulo Betti, José de Abreu, Marieta Severo, Osmar Prado, atores que são linha de frente na divulgação de um certo ideário de esquerda.
Onde realmente a Globo tem problemas não é no divertimento, mas no jornalismo. A direção da emissora, nessa área, parece inapta a lidar com a Democracia, com a diversidade de pensamentos, vale dizer, não aprendeu com os seus próprios programas de entretenimento. Quer impor um pensamento único, influenciar nos destinos políticos do país – de modo consentâneo, claro, com seus interesses econômicos e da classe social que representa.
Ao longo da História, as Organizações Globo sempre fomentaram golpes de Estado e interferiram nos resultados das eleições. Foi assim em 1964, quando se instalou o regime militar, durante o qual nasceu e floresceu a rede de televisão; foi assim na cobertura das Diretas Já, em 1984, nas eleições de 1989, nas últimas quatro eleições presidenciais, em que a emissora investiu carga pesadíssima contra os candidatos e partidos vitoriosos. Foi assim na cobertura das Jornadas de Junho e dos movimentos de rua pelo impeachment, que culminaram com o golpe contra uma presidenta honesta, sem que houvesse um crime de responsabilidade que o legitimasse.
As Organizações Globo não se acanham em confundir as áreas, transformando seu jornalismo em uma perigosa oficina de ficção. Na era da pós-verdade, especializaram-se em produzir “fake news” de repercussões nefastas para a sociedade.
Foi seguindo essa linha de “reality fiction” que teve início, com uma reportagem do jornal O Globo, a novela do tríplex do Guarujá. Foi voltando os holofotes para certos juízes e procuradores da República que a organização deu curso real à falsa notícia, que foi chancelada por um juiz transformado em super-herói antinacional, que emitiu uma sentença absolutamente divorciada das provas e do ordenamento constitucional brasileiro.
A condenação, apesar de juridicamente insustentável, foi ampliada por três patéticos desembargadores que, com o mesmo artificialismo com que se escrevem roteiros de novela, elevaram a pena para evitar a prescrição. Um enredo de dar inveja a autores talentosos como os saudosos Dias Gomes e Janete Clair, substituídos por pouco hábeis Williams das bancadas ditas jornalísticas.
Desmascarada ao vivo em transmissão internacional do carnaval do Rio, a emissora deu o troco e lançou mão de seu talento ficcional para ampliar a percepção de insegurança que reina sobre o estado fluminense e assim legitimar uma desastrosa intervenção militar federal, a qual fez seu primeiro cadáver importante no capítulo da noite desta quarta-feira, 14 de março. A vereadora Marielle Franco, do PSOL, foi cruelmente assassinada em pleno centro da capital, ao que parece por sua valentia ao denunciar e combater a violência policial contra seus irmãos negros da periferia. A intervenção, como era esperado, não conteve os abusos dos órgãos de segurança e só contribuiu para empoderá-los ainda mais.
Assim segue a grande novela da Globo, que prevê um capítulo tenso para a próxima semana, quando saberemos se o ex-presidente será ou não preso por um crime que não cometeu. A equipe de jornalismo da Globo parece não ter percebido que em todo dramalhão que exibe, saído do imaginário competente de Sílvio Rodrigues, Gilberto Braga e até do preconceituoso Aguinaldo Silva, os heróis são perseguidos e presos injustamente, mas no final da novela o bem sempre vence o mal.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04).
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