Desacorçoado com todas as injustiças que Moro vinha praticando contra Lula, Deus resolveu que devia interceder.
O criador do céu e da terra levou em conta que Lula socorreu quase quarenta milhões de seus amados filhos que viviam abaixo da linha da miséria, antes condenados a morrer de fome ou à exclusão do meio social, e resolveu ir pessoalmente à vara de Curitiba. E o fez como mandam os protocolos humanos.
Com seu jeitão humilde e educado, chegou ao saguão do Fórum, apresentou-se ao oficial de justiça que atendia à porta do juiz, conversou com sua assessora pessoal e pediu uma audiência com o chefe da Lava Jato.
Maravilhada diante de tão ilustre personalidade, a loura simpática, atrapalhando-se com seus grandes óculos e a correntinha que os prendiam ao pescoço, disse a Deus, com muito jeito:
- Espere um instantinho, por gentileza, meu senhor. Vou estar vendo com o meritíssimo, volto já.
E Deus, em sua reconhecida bondade sem fim, sentou-se, perdoou-a em pensamento pelo gerundismo e aguardou.
Lá dentro, a assessora informou o chefe:
- Doutor, Deus está aí na antessala e aguarda sua autorização para uma audiência.
Moro, sem alterar o semblante, sem fazer um mínimo gesto que pudesse amarfanhar sua camisa preta, lançou para a moça um olhar frio e disse, com a estrídula voz que lhe rendeu a famosa alcunha:
- Hããã... Quem ele pensa que é?
E não o atendeu.
Interessante é que uns dias antes o próprio Lula já havia recebido, sem qualquer restrição das autoridades lavajatistas, outra ilustre visita. Do Capeta, também em pessoa.
O Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num instante todos os reinos do mundo.
Disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei a liberdade. Se tu desistires de ser candidato a presidente, serás livre!
E lançou o Anjo das Trevas um tonitruante berro que ecoou pelo vale e se fez ouvir por todo o país:
- Lula livre!!!
O ex-presidente fitou-o com olhar matreiro, sorrisinho de lado, enquanto cofiava a barba branca, e perguntou ao Capiroto:
- Foi Gilmar Mendes que o mandou vir aqui, não foi?
O Coisa Ruim ferveu em ódio, avermelhou-se em brasa, mas não abriu o bico, cônscio de que a missão que cumpria era supremo segredo de justiça que não se vaza.
Lula, que vinha ocupando seu tempo na masmorra com leituras, recorreu a Vinícius de Morais. Lembrou-se de “Operário em Construção” e respondeu:
- Não!
O Tinhoso, revelando-se também iniciado em literatura, com gestos, trejeitos e eloquência de um ator em peça de Shakespeare recitou:
"- Dar-te-ei todo esse poder e a sua satisfação, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem bem quiser. Dou-te tempo de lazer, dou-te tempo de mulher. Portanto, tudo o que vês será teu se me adorares e ainda mais, se abandonares o que te faz dizer não."
Voltou-se para o presidente operário e aguardou-lhe a resposta a tão sedutora proposição.
Lula olhou com redobrada atenção para tudo que do alto do monte podia ver e, em cada coisa que via, misteriosamente havia a marca de sua mão.
O ex-presidente aquietou-se e, no longo silêncio, ouviu a voz de todos os seus irmãos, dos companheiros que morreram para que outros vivessem. Uma esperança sincera cresceu no seu coração e, na tarde mansa, agigantou-se a razão de um homem a quem quiseram pobre e esquecido. Razão, porém, que o fizera dum operário em construção um estadista construído.
E o operário disse:
- Não!!!
"E o operário fez-se forte na sua resolução.”
(LUÍS ANTÔNIO ALBIERO, em Crônicas & Agudas: https://www.facebook.com/147914562547688/posts/855821665090304/)
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