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15/09/2023

Os "Manés" Chegaram ao Supremo

Errar é tão humano que até o irreprochável ministro Alexandre de Moraes permitiu-se cometer seus deslizes. Em abril de 2022, em palestra na FAAP, ele atribuiu ao jurista italiano Norberto Bobbio a frase “a internet deu voz a uma legião de imbecis”. Moraes, preparado como é, naturalmente leu incontáveis livros e, por isso mesmo, confundiu os autores. A frase é do escritor Umberto Eco. Ambos intelectuais italianos, foram contemporâneos e morreram neste século XXI - Bobbio, em 2004; Eco, em 2016. Pecadilho de venial tomo, portanto, que em nada deslustra a cabeça luminosa do supremo julgador, que até aqui acha-se em crédito perante a Nação, esbanjando saldo positivo. Tão elevado que, para zerar, teria que ele próprio cometer uma tentativa de golpe de Estado.

Um segundo deslize, quase imperceptível, deu-se quando trocou as letras "in" por "ni" ao mencionar "Antoine" e ao pronunciar "Anto_ni_ê" em lugar de "Antoan". Ocorreu em 14 de setembro, durante a segunda sessão de julgamento dos três primeiros "manés" acusados, e já condenados, pelos acontecimentos de 8 de janeiro.

Três "manés", como esperado, contrataram outros "manés" para defendê-los. A trinca de causídicos teve a coragem e conseguiu o feito de se expor ao ridículo em dimensão nacional. Se é para causar, vamos logo à tribuna do plenário do Supremo Tribunal Federal, devem ter conjecturado de si para si. E, de fato, a seu modo, foram bem-sucedidos. Atingiram o objetivo, lacraram e viralizaram nas redes.

O primeiro a fazer sustentação oral em defesa de um "patridiota" foi um ex-desembargador, logo um magistrado aposentado que, agora tendo sobre os ombros o peso da beca da advocacia, pôs de lado a ética da profissão, o estatuto da classe e a exigência dos códigos processuais que nos impõem, a todo causídico, portarmo-nos com urbanidade no trato com os demais colegas, juízes e partes do processo. Sentiu-se tão à vontade que, sem freios nem pejos, apontou o dedo para os ministros do STF e lançou-lhes nas fuças que, segundo vozes de sua própria cabeça, seriam eles as pessoas "mais odiadas" do país. No país dos terraplanogolpistas, sim, devem ser mesmo. Desde a ascensão de Sérgio Moro ao cargo de juiz federal uma pergunta tornou-se inevitável: como foi que esses jabutis chegaram ao cume do poste?

No dia seguinte, uma exemplar feminina dos ""manés"" de beca, mal saída dos bancos da faculdade, sentiu-se também muito confortável para fazer sua encenação. Esforçou-se para derramar lágrimas de crocodilo e, dizendo ter ódio à política, fez sua performance política. Não se pejou a expressar a vergonha que disse estar sentindo dos mesmos ministros, e, dos porões de seu saber jurídico, permitiu-se passar-lhes uma carraspana. Segundo disse, debitava a vergonha que deles sentia à conta dos critérios, que ela confessou não compreender, pelos quais os vexaminosos juízes estavam julgando seu cliente, mais um descuidado e ingênuo turista que tão somente havia aproveitado uma agradável tarde de domingo para fazer um passeio no parque dos poderes.

Outro "mané" bacharelado, ávido também por lacrar e criar imagem para suas campanhas eleitorais, acabou passando vergonha no débito, no crédito, no pix e sobre a tábua de passar roupa. Aluno exemplar da antiescola do bolsonarismo, o nobre causídico confundiu "O Príncipe", do filósofo Nicolau Maquiavel, com "O Pequeno Príncipe", do escritor e piloto de aeronaves Antoine de Saint-Exupéry. Uma confusão de quase quinhentos anos de distância entre uma e outra obras, entre um e outro autores - um, italiano; o outro, francês -, sem contar a diferença abissal entre as respectivas temáticas. O confuso rábula ordinário, já condenado pela justiça por conta de sua exemplar conduta de bater na própria mãe, acabou expulso pelo Solidariedade, partido ao qual pertencia. Pois é. Decidiu espancar também o Direito, a literatura e até a já combalida Pátria-mãe e acabou tendo que dar adeus à candidatura.

Todos os três sofreram dura, embora elegante, reprimenda dos integrantes da Corte e pelo menos o ex-desembargador terá de se ver com o tribunal de ética da OAB, que prontamente enviou um desagravo ao STF.

BolsoNero, quando no exercício da despresidência, certa feita encantou o gado que frequentava o cercadinho no entorno do Palácio ao criticar os livros didáticos. Disse que estes seriam "um monte de palavras escritas amontoadas". Daí a um bolsonarento lacrador confundir ciência política com jardim de infância, se fazia falta, não faz mais. Como disse o ministro, decerto um leitor dos clássicos, o advogado citou livro que não leu e contentou-se com os memes que passaram diante de seus olhos na sua "taimelaine". Como já dizia Platão em século passado, "não confieis nas feiquinius que rolam pela internet".

Desde que a imbecilidade, como afirmou com precisão o autor de "O Nome da Rosa", emergiu dos esgotos pelas infovias para ocupar, orgulhosa, o panteão do "celebritismo", todo pensamento elaborado com base na História, nas ciências, nos dados da realidade, no conhecimento acumulado por toda a longeva experiência humana, acabou reduzido a "textão", "palavreado", "lenga-lenga", "mimimi", "um monte de palavras amontoadas".

É a sagração da estupidez. A inépcia chegou ao topo e se instalou no Supremo Tribunal Federal. Lá, porém, recebeu o justo veredito em venerando acórdão relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso: "perdeu, mané!"

(Luis Antônio Albiero de Capivari SP, em Jacareí, SP, aos 15 de setembro de 2023)

30/06/2023

Sorte o Sirva

“Sorte ele, seu juiz! Sorte ele, dotô!”, esgoelava meu amigo de Capivari, o Nivardo, gente dos Borba, caprichando no gostoso sotaque característico de cá dos lados de Piracicaba.

O Nivardo assim berrava em um dia em que esteve na vigília, em Curitiba, defronte o prédio da polícia federal. Fazia sol e uma revoada de marrecos cruzava os céus da cidade onde o então ex-presidente fora confinado pelo juiz que, em seu linguajar também peculiar, falava e ainda fala “conje”, “cupção” e “depedrar”, dentre inúmeros outros estranhos vocábulos de uma língua à qual um ministro designou como “morês”. “Muito semelhante ao português”, explicou o supremo malvado favorito.

Por mais que o Nivardo arrebentasse a própria goela e estourasse os tímpanos dos circunstantes, o fato é que o juiz ladrão não “sortava” o ex-presidente.

Água mole e berro caipira tanto batem que um dia chegam ao Supremo Tribunal Federal. Lá, finalmente, outro ministro, também paranaense, depois de tanto fazer ouvidos moucos ao advogado noivacolinense, eis que se mostrou todo ouvidos às súplicas do meu conterrâneo. E o preso político foi “sorto”. Graças, evidentemente, ao meu amigo, o Nivardo Borba e seus berros d’água.

O político, que da cela ouvia com alguma dificuldade os brados de “sorte, sorte” do Nivardo, tomou-os como uma bênção e se tornou, de fato e de direito, um homem de sorte. E bota sorte nisso. Tanta sorte que assim que foi “sorto” ganhou a eleição e conquistou seu triplex, seu terceiro mandato presidencial.

Mal tomou posse e já de cara teve de enfrentar uma tentativa de golpe de Estado. Conseguiu evitá-lo, segurando na unha a Democracia que escapava como touro bravo. Puro golpe. De sorte, claro.

No sexto mês de seu governo, por sorte o país já respirava aliviado. Por sorte, os preços começaram a baixar. Por sorte, o dólar iniciou um movimento de queda vertiginosa. Por sorte, o Congresso aprovou o arcabouço fiscal. Por sorte, tudo começou a dar certo, pondo fim e cabo aos seis anos de temeridades, destruição e azares bolsonarentos (toc, toc, toc na madeira, mangalô três vezes!!!).

Os jornais passaram então a registrar em editoriais e manchetes de primeira página que todos os avanços, todas as conquistas, eram pura sorte. A Globo News, o Merval e toda a mídia de cativeiro só falavam nos bons fados, nos bafejos benfazejos do destino que passou a nos sorrir.

A inflação em baixa, sorte. Os empregos e os salários em alta, sorte. Os descontos nos carros populares, sorte. A picanha e a cerveja de volta aos finais de semana, nada mais do que sorte.

Foi por sorte que o Brasil recuperou sua imagem e seu lugar de destaque na geopolítica internacional. Por sorte foram conquistados bilhões de dólares para socorrer a Amazônia.

Descobrimos que somos um povo de sorte, de muita sorte. Que, no caso, tem nome e sobrenome. Atende por Luiz Inácio Sorte da Silva. Temos a sorte de o termos vivo e forte na presidência da República, já pela terceira vez e a caminho da quarta.

Sorte maior, digo no entanto, a bem da justa justiça e da verdade verdadeira, é termos o Nivardo Borba, o caipira cá de Capivari, que tem tudo a ver com essa “sorte tuda”.

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, aos 30 de junho de 2023)

23/06/2023

Plot Twist

Era uma vez um juiz de certa capital agrícola de um modesto estado de seu país que tinha por esporte predileto maltratar advogados com os quais interagia nas lides judiciais.

Muito vaidoso, deu-se conta o pretor, certo dia, de sua insignificância. Inconformado, resolveu projetar seu nome empreendendo perseguição logo ao líder político mais amado da nação. Tal empreitada tornou-o, de fato, conhecido por todo o país e pelo mundo afora.

O juiz humilhou o líder mais amado, a quem condenou e mandou prender sem crime nem prova alguma, e, com o advogado deste, praticou o esporte de sua preferência.

Por tal proeza, passou o magistrado a ser tratado como herói nacional. Além da fama, amealhou muito capital promovendo palestras para ricos empresários em que expunha o seu cativo como se este fosse um ser humano exótico, a exemplo dos selvagens que, em séculos recentes, eram apanhados de tribos da América do Sul e da África e exibidos como monstros em espetáculos públicos na Europa.

Com seu modo peculiar de exercer a magistratura, sem qualquer limite ético ou legal, abriu e pavimentou o caminho para a eleição, ao cargo de presidente da República, de um opositor de seu enclausurado, um sujeito desprovido de qualquer brilho, espécie de palhaço sem graça conhecido por suas diatribes e verborragia extremista.

Eleito o adversário de seu prisioneiro, o juiz ofereceu ao vitorioso a própria alma, com a condição de que em retribuição lhe fosse concedido ascender à excelsa judicatura.

O presidente recém-empossado levou-o então para o seu governo. Deu-lhe status de ministro e muito poder, com promessa de conduzi-lo ao tribunal mais elevado do país. Não tardou, porém, para tratá-lo como cão sarnento e dar-lhe um insultante chute no traseiro.

Ainda assim, o ex-juiz, como cachorrinho desprezado pelo dono, para ele voltou correndo, rabinho entre as pernas e a cara pidonha dos animaizinhos carentes de afeto e ração. Com auxílio envergonhado do antigo dono e ainda valendo-se da fama que obtivera com a prisão do líder mais amado da nação, o venal ex-magistrado acabou eleito senador por seu estado de origem.

Já o mais amado, por conta das injustiças que contra si empreendera o ex-juiz, eis que fora enfim libertado da masmorra em que estivera confinado. No primeiro pleito seguinte, derrotou seu opositor e foi novamente eleito presidente da República. Logo indicou, para ocupar vaga na corte suprema, o seu próprio advogado, o mesmo que com galhardia e competência houvera enfrentado as arbitrariedades do antigo herói de renome internacional e pés de barro.

Para valer a nomeação, todavia, o advogado teve de se submeter a uma sabatina no senado, como determinava a Constituição.

Quis o destino que o primeiro a lhe dirigir perguntas fosse exatamente o cachorrinho, agora elevado à condição de senador da República, graças ao apoio do Calígula dos trópicos defenestrado da presidência, embora ele próprio prestes a perder o cargo em razão das ilicitudes que cometeu no trânsito entre a magistratura e a política.

Na câmara alta do Parlamento, o Incitatus tupiniquim, em sua versão canina, emitiu uns grunhidos, uns latidos tímidos, mais próximos do grasnado abafado de marreco, aos quais o fleumático advogado respondeu com argúcia e respeitosas sutilezas, esbanjando sabedoria. Para desalento do parlamentar que abdicara da toga em busca do sonho supremo, o causídico teve seu nome aprovado por ampla maioria dos senadores.

Plot twist: o cachorrinho, que tudo fizera para alcançar seu desejo de chegar ao tribunal mais importante da federação, eis que acabou atuando como coadjuvante na cena final em que ao cargo por ele almejado ascendeu justamente seu desafeto, a quem, em passado recente, houvera tratado como rábula ordinário, com imenso desprezo, desrespeito e humilhação.

Que baita enredo, que final inesperado! Que história sensacional!

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Jacareí, SP, aos 23 de junho de 2023)