28/04/2018

O Mito da Bolha

Mito: substantivo masculino. Relato fantástico de tradição oral, geralmente protagonizado por seres que encarnam as forças e os aspectos gerais da natureza. Numa outra acepção, narrativa que explica a origem de determinado fenômeno, ser vivo, instituição ou costume social. Por outra, é a representação de fatos ou personagens históricos, amplificados através do imaginário coletivo e de longas tradições literárias orais ou escritas. Também pode ser a exposição alegórica de uma ideia qualquer, de uma doutrina ou teoria filosófica, ou a representação idealizada do estado da humanidade, no passado ou no futuro. É assim que o Google, oráculo da modernidade, define o que seja mito e indica como sinônimos lenda, alegoria, fábula.

Ao longo da História, há registro de muitos mitos. A Mitologia grega os tem às largas. O Mito da Caverna, atribuído a Platão, alcançou foros de elevada representação filosófica e intelectual. É parte do célebre livro “A República”, em que o filósofo grego narra a história de prisioneiros que, desde o nascimento, passaram toda a vida acorrentados em uma caverna, observando as projeções das sombras produzidas na parede por uma fogueira acesa às suas costas. São projeções de estátuas representativas de pessoas, animais, objetos, aos quais os prisioneiros passam os dias analisando, atribuindo nomes e julgando. Platão sugere o que aconteceria se um deles se libertasse, saísse da caverna e se encantasse com a realidade com a qual tomaria contato do lado de fora. Conjectura que se esse liberto retornasse ao interior da caverna e relatasse tudo o que viu aos que lá permaneceram, estes certamente o ridicularizariam e o chamariam de louco, porque tudo o que conhecem como real são as sombras que se acostumaram a ver todo santo dia – algo como ocorre, nos tempos de hoje, com o telespectador acondicionado a ver e a raciocinar a partir do que lhe é mostrado através das telinhas da Globo.

Há o mito da Medusa, aquela da cabeleira formada por serpentes que se deixa seduzir por Poseidon, que a assedia e com ela faz amor - veja-se que desde sempre há gosto para tudo nesta vida. Há o de Sísifo, condenado a carregar uma grande pedra até o topo da montanha, de onde rolava para baixo e ele a reerguia, infinitamente.

Enfim, há uma infinidade de mitos, de origem, de destruição, messiânicos, folclóricos.

No Brasil, tem-se feito largo uso da palavra mito, sobretudo na política, área das atividades humanas muito favorável a surgimento de lendas e fantasias, a par de realidades históricas. O sujeito que no governo de um país reconhecidamente desigual promove um mínimo de dignidade e ascensão social aos esquecidos de sempre, fato concreto reconhecido pela ONU e pela maioria da população do próprio território e de todo o mundo, é natural que seja elevado à condição de “mito”. Sua obra autoriza a deferência.

O que não é razoável é dizer o mesmo do fenômeno eleitoral que parece desenhar-se no horizonte deste 2018. Refiro-me ao soldado raso eleito deputado federal pela primeira vez por conta de uma insurreição inaceitável nas hostes militares, motivada por questões salariais, que vem sendo chamado de “mito”, mas que, preparando-se para se sentar na cadeira presidencial de um país complexo como o Brasil, permite-se anunciar que resolverá o grave problema da violência “metralhando a Rocinha”. Como pode um “mito” acreditar num programa alimentar baseado na extração e distribuição do “leite de ornitorrinco” e, pior, supondo tratar-se de um animal que faria parte da “biodiversidade da nossa Amazônia”? O estimado leitor não acredita no que estou dizendo? Pois consulte o Google usando as palavras “Bolsonaro” e “ornitorrinco” e veja com seus próprios olhos essa insanidade vomitada da boca do mitológico candidato.

O que mais surpreende é que pessoas que posam na sociedade como inteligentes ou bem informadas arrisquem a própria biografia apostando num sujeito absolutamente ignorante, grosseiro, incapaz de conceder uma entrevista sem destratar o entrevistador na primeira pergunta que o desagrade. Sem contar os cristãos desavisados que não se pejam de comprometer a própria fé ao apoiar um pregador da morte, da tortura e que se dá ao desplante de classificar as mulheres como merecedoras ou não de serem estupradas conforme seu juízo de beleza. Um troglodita que sofre de incontinência verborrágica, useiro e vezeiro das expressões de preconceito contra negros, indígenas, mulheres e homossexuais.

A ausência de um maior conhecimento pelo grande público do que pensa o “mito” certamente é a razão de ele ainda figurar nas pesquisas de intenção de votos com algo em torno de 17% - teto em que há meses está estacionado. Evidentemente trata-se de uma candidatura bolha, como tantas que frequentaram a história das recentes eleições no Brasil desde a redemocratização. Foi assim com Doutor Eneas, com Heloísa Helena, com Marina Silva, com Ciro Gomes, no plano presidencial; foi assim com Francisco Rossi e Celso Russomano, no estado e na cidade de São Paulo – gente muito mais séria que o ogro parido em Campinas. Será assim também com ele próprio, o “mito”, que, como bolha, murchará paulatinamente à medida que se aproximar o dia das eleições ou explodirá na reta final. Basta deixá-lo abrir a boca.

Ao truculento Jair Bolsonaro restará, no máximo e quando muito, um lugar nos livros do folclore nacional, em que figurará como o “Mito da Bolha”, a envergonhar todos os que deixarem registrado nas redes sociais seu esfuziante apoio à sua candidatura. Esses que, quando nossa generosidade nos leva a mostrar-lhes a realidade, nos ridicularizam, tal qual os acorrentados da caverna de Platão.

(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)

21/04/2018

O Discurso da Sujeira

A sociedade brasileira vem sendo há anos intoxicada por um discurso midiático voltado à criminalização da Política. Apegados ao falso moralismo dos que nutrem preconceito aos políticos, aos quais atribuem a razão suprema de todas as mazelas que conhecemos, os meios de comunicação tentam cristalizar a ideia de que todo político é corrupto, que a Política é suja e não é coisa de gente honesta.

Tenta-se incutir nas pessoas a certeza de que é melhor por de lado as questões políticas e deixá-las para quem tem um dom natural para isso, ou seja, aquela casta de aristocratas supostamente ungidos por bênçãos celestiais que sempre dominaram a política no Brasil, os representantes da elite, sejam dela filhos naturais ou adotivos.

Na essência, o recado da turma de cima é o seguinte: nós, os legítimos donos da Casa Grande, é que desde sempre soubemos governar e não vocês aí da senzala. Contentem-se em chegar à nossa cozinha, limpar nossos banheiros, arrumar nossas camas e nos servir à mesa. De resto, fiquem quietinhos no cumprimento de seus deveres, porque esse é o seu lugar.

Vendida a ideia diariamente, de modo explícito ou velado, era preciso embalá-la em fatos concretos – e o que não falta são atores da Política a dar razão ao discurso da sujeira.

Instalado em 2003 o governo mais representativo das camadas populares da história do país, não demorou para eclodir a farsa do tal "mensalão", um suposto esquema que visava garantir aprovação de projetos no Congresso Nacional, como a reforma tributária, que nunca saiu do papel, e a da previdência. Ora, quem em sã consciência acreditaria que, comprando meia dúzia de deputados federais e nenhum senador, o governo garantiria a aprovação de medidas impopulares, que exigiam votos favoráveis de três quintos dos mais de seiscentos parlamentares, para "perpetuar-se no poder"? Mas foi essa a tese vencedora, foi por conta do uso artificial de um mecanismo jurídico chamado "Teoria do Domínio do Fato" que José Dirceu e José Genoino foram condenados e presos, o primeiro só por ter sido ministro-chefe da Casa Civil, o outro por ter assinado um contrato bancário na condição de presidente da instituição tomadora do empréstimo.

Apesar de todo estardalhaço, o governo foi vitorioso nas três eleições presidenciais seguintes, com Lula reeleito em 2006 e fazendo sua sucessora em 2010, quando deixou o governo com incrível aprovação na casa dos 90% dos brasileiros, e seu legado foi bastante para garantir a reeleição da primeira mulher presidenta do Brasil.

Insatisfeitos, os responsáveis pela narrativa da "política suja" persistiram e levaram muitos partidos políticos a, envergonhados, trocar o nome, extraindo dele a palavra "partido". Candidatos "não políticos" surgiram, autodenominados "gestores" ou "independentes". Dilma foi golpeada, apeada do poder sem um real crime de responsabilidade, sem nenhuma acusação de corrupção contra si, e em seu lugar, com forte apoio popular inicial, foi içada ao centro do poder a mais evidente e voluptuosa quadrilha de corruptos de que se tem notícia, chefiada pelo então vice Michel Temer.

A tentativa de consolidar o golpe, porém, tem uma gigantesca sombra a ameaçá-la - o próprio ex-presidente Lula.

Como todo político é sujo, ladrão, corrupto, segundo a lógica do discurso vendido à sociedade brasileira, não seria difícil pegar esse migrante nordestino que ousou tomar conta da sala de controle da Casa Grande. A ideia foi começar pelas beiradas, e foi facílimo apanhar, nos escalões mais elevados da Petrobrás, diretores atolados em corrupção. Pouco importa que muitos deles já fossem diretores desde o governo FHC ou que as construtoras corruptoras sugassem a companhia já desde os governos militares. O alvo era Lula.

Prenderam-se diretores, ex-deputados, ex-ministros, ex-governadores, todos flagrados com contas milionárias no Brasil e no exterior, joias e quadros valiosos, carros e imóveis de luxo, com áudios, vídeos, documentos. Não seria difícil pegar Lula.

Por um fatal erro de cálculo, porém, o alvo não correspondia exatamente ao que dele esperavam seus algozes. Exaustivamente investigado pela Lava Jato, nada foi encontrado de idôneo, sério e seguro que comprometesse o ex-presidente. Ao que tudo indica, toparam com uma raridade: um político honesto!

Foi necessário apelar à farsa do tríplex para condená-lo, um apartamento que seria dele num futuro incerto, segundo o juiz que o condenou. Foi-lhe aplicada a pena cavalar de doze anos e um mês - uma aberração para um réu primário e de excelentes antecedentes, que tanto fez em favor de milhões de necessitados deste Brasil afora.

Está preso. Está, segundo insistem em dizer, inelegível. Mas não, nem uma coisa, nem outra. Sua prisão é apenas física e sua inelegibilidade será enfrentada com amplo respaldo na lei eleitoral. Ele será candidato e lidera as pesquisas de intenção de votos, com vantagem superior ao dobro de votos do segundo colocado. Apesar de todo massacre midiático e das adversidades que vivencia, Lula arregimenta, segundo variadas pesquisas, um terço dos votos do país em primeiro turno e vence com dois terços em segundo. Também seu partido, dito morto e enterrado, segue firme e forte, ostentando a preferência do eleitorado, sem ter feito concessão ao discurso hipócrita da negação da política, sem ter mudado de nome ou orientação ideológica.

A liderança de Lula e do PT, sua resistência e resiliência, representam a vitória da Política sobre o discurso que tenta negá-la. Alvíssaras! (Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador pelo PT de Capivari de 1989/92 e 2001/04)

14/04/2018

Eu Sou o Cara

Eu sou a superação, sou aquele que enfrentou a seca e a fome nos primeiros anos de vida, que desafiou a miséria por toda a adolescência, que só venceu a ignorância e a alienação na idade adulta.

Eu sou a coragem, sou aquele que não se intimidou diante da opressão dos canhões, das botas e das baionetas, que não se curvou diante dos que o tentaram calar na prisão e na opressão midiática.

Eu sou o sonho, sou aquele que ousou projetar um futuro melhor para o seu povo, para além da própria categoria profissional.

Eu sou a tenacidade, sou aquele que sofreu derrotas sucessivas, mas jamais baixou a cabeça, jamais desistiu, que venceu a escalada e chegou ao cume da montanha.

Eu sou a realidade, sou aquele que levou vida em abundância aos condenados ao longo da história a morrer de fome ou à exclusão social, aquele que levou alimento e levou água, que proporcionou energia elétrica, casa própria, acesso ao crédito, à universidade e a todos os recursos públicos e privados antes reservados pelos poderosos para a casta de privilegiados, como se fossem dádivas divinas incompartilháveis.

Eu sou a dignidade, sou aquele que levou oportunidade e permitiu aos menos favorecidos superar os obstáculos, realizar os sonhos e se posicionar empoderados em meio à sociedade opressora.

Eu sou a justiça, aquele que sempre lutou em favor da igualdade, sem distinção de raça, de origem, de sexo, de ideologia ou de religião.

Eu sou o amor, aquele que sempre pregou a paz social e a prosperidade para todos.

Eu sou a liberdade, sou aquele que por toda vida preservou e fez valer, mesmo sob ataque desmedido dos que detêm o controle concentrado da informação, o direito ao pensamento e à livre expressão.

Eu sou a alegria, sou aquele incapaz de negar um sorriso a quem quer que seja e que, no momento mais difícil, sou capaz de dar alento e proporcionar esperança a quem esteja em desespero.

Eu sou a honestidade, sou aquele que por anos, por décadas, teve a vida investigada, a intimidade vilipendiada, os direitos violados, e nada, absolutamente nada, encontraram que comprometesse sua honra e que, ao contrário, só encontraram superação, coragem, tenacidade, dignidade, justiça, amor, liberdade e alegria.

Involuntariamente, porém, eu sou aquele que despertou, nos que o imaginavam incapaz de vencer os desafios, a inveja e o preconceito, que com o tempo se disseminaram e se transmudaram em ódio, que se projetou e se transformou em ódio generalizado àqueles a quem represento.

Eu sou a resiliência, sou aquele que trancafiaram numa jaula como um animal feroz e perigoso, a quem subjugaram e retiraram todos os direitos, mas aquele que se nutre das adversidades para se tornar mais forte, mais cheio de vida, imbatível.

Eu sou milhões, sou aquele que prenderam como passarinho, mas passarinho que não aceita a gaiola e voa para o infinito e que, voando, espalha seus sonhos pelos sonhos de todos a quem representa.

Eu sou a multiplicação, sou aquele que, impedido de caminhar com as próprias pernas, refaz a caminhada pelas pernas daqueles que comungam dos mesmos ideais.

Eu sou a vida, sou aquele cuja morte é desejada pelos que desconhecem que um ideal não se mata, sou o que sobreviverá para sempre na memória dos que cultivam no coração a gratidão dos bons e na mente a sabedoria dos justos.

Muito prazer, eu sou esse cara.

(Luís Antônio Albiero, em Capivari-SP, 14 de abril de 2018 - uma semana após Lula ter sido levado à prisão política por Sérgio Moro para não ser candidato a presidente da República)

06/04/2018

O Drible da Vaca

Não foi por vinte centavos que o povo foi às ruas em 2013. Nunca foi para combater a corrupção que tiraram uma presidenta honesta do governo para por em seu lugar Michel Temer e sua ávida e insaciável quadrilha. Sempre foi pelo preconceito, pelo ódio de classe. E essa hipocrisia ficou escancarada no julgamento desta quarta-feira, 4/4, sobretudo no voto vaivém da ministra Rosa Weber, aquela que vota girando conforme bate o vento, como biruta de aeroporto. Foi o espetáculo mais deprimente da História do Poder Judiciário brasileiro, transmitido ao vivo, em rede nacional, uma vergonha exposta ao mundo todo.

“In claris cessat interpretatio”, diziam os latinos, e a Constituição é suficientemente clara, cessando qualquer necessidade de interpretação, ao estatuir, no art. 5º, inc. LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Ora, trânsito em julgado é um momento preciso do processo, que se dá quando não cabe mais recurso, ou seja, quando enfim esgotados todos os recursos cabíveis. Nesse momento, um serventuário certifica nos autos que no dia tanto de tanto “o acórdão (ou a sentença) de fls. transitou em julgado”. A partir daí, não há mais o que fazer e o condenado pode ser levado à prisão para dar início à execução da pena.

Há hipóteses legais de prisão antes desse momento, mas são prisões em caráter excepcional, a prisão em flagrante, a temporária e a preventiva. Para cada uma delas, há requisitos que devem ser observados e são todas provisórias. O requisito para que alguém seja preso em definitivo, ou seja, para cumprimento da pena, é que a condenação haja transitado em julgado e ponto final. É o que está na Constituição!

O ministro Luís Roberto Barroso, do alto de sua intelectualidade cosmética, chegou a mencionar, em tom crítico, que por vezes “as palavras perdem sentido”. De fato, parece mesmo que o ministro ainda não encontrou o sentido de palavras tão singelas como a expressão “até o trânsito em julgado”. Sem culpa formada em definitivo, ninguém pode ser preso a título de cumprir a pena.

A sempre espantada ministra Rosa Weber – mais assustada do que nunca, decerto por conta da intensa pressão que lhe fez a mídia e da ameaça do comandante do Exército – ofereceu seu voto embrulhado em uma retórica dúbia que lhe permitia encaminhar-se para qualquer lado. Um voto “primoroso”, segundo a ironia e o cinismo do colega Dias Toffoli. Em essência, Rosa Weber disse que é contra a prisão em segunda instância, mas negou o habeas corpus ao ex-presidente em prestígio ao tal “princípio da colegialidade”. Votou como tem votado na Turma da qual faz parte, acompanhando feito “maria-vai-com-as-outras” os demais colegas, comportamento que repetiu mesmo reconhecendo que o plenário é o local apropriado para que a Corte estabeleça novos rumos e, portanto, cada ministro tenha ali a oportunidade de expressar seu posicionamento com liberdade. Como a água que gira em círculo, mas sempre vai pelo ralo, ela fez literalmente um raciocínio circular. Penso A, mas voto B porque há uma maioria que vota assim, embora se hoje eu votasse A, como amanhã votarei, hoje mesmo haveria maioria na direção de A. Uma excrescência, enfim, que revela apego a um formalismo irracional e desumano, justamente por quem jura que não é adepta da “forma pela forma”.

Fico imaginando a ministra, findo o “jogo”, concedendo entrevista ainda no “gramado”, tentando explicar como foi que fez esse golaço. Diria ela, repetindo um jogador do XV de Piracicaba nos anos setenta: “fiz que fui, mas não fui e acabei ‘fondo’”. Uma espécie de “drible da vaca” – e que me perdoem as bovinas se as ofendo.

Nesse imbróglio jurídico, repetiu-se aquilo que na mesma sessão o ministro Barroso disse recusar-se a fazer parte. No país dos “delinquentes ricos”, ao fim e ao cabo ele e a maioria do Supremo mandaram para a cadeia o menino pobre de Garanhuns, primário e dono dos melhores antecedentes possíveis. É o que acontece diariamente, Brasil adentro. Prisão por um crime que o acusado não cometeu, corrupção passiva sem propina, sem ato de ofício, sem provas, baseada apenas em delação. Enfim, uma condenação teratológica, a teratologia (monstruosidade) que Luiz Fux disse não ter vislumbrado nos autos.

A direita hoje festeja porque pensa ter alcançado seu objetivo. Depois de quatro derrotas seguidas, arrancou à força a presidenta legitimamente eleita pelo povo e agora, por faltar-lhe um candidato minimamente competitivo, imagina ter tirado do jogo o craque que tanto a amedronta. Quer ganhar por “WO”, sem adversário em campo. E se orgulha desse vexame.

(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)

30/03/2018

Os Três Barbudos

A Semana Santa é sempre uma excelente oportunidade para refletirmos sobre o que queremos fazer da vida, desde nossa vivência em particular até nossa convivência em sociedade – na família, no país, no mundo. É o período em que comemoramos a trajetória, a paixão, a morte e a ressurreição de um ser humano que, para uma parcela expressiva da Humanidade, tornou-se ícone, modelo de como conduzirmos nossas próprias vidas, e que nos deu exemplos que dizem respeito não somente aos cristãos, mas que, por seu profundo caráter humanitário, podem ser aproveitados pelos crentes e descrentes de toda e qualquer religião ou forma de pensar.

Assim é exemplo o exercício da tolerância, que nos inspira a aceitar os outros exatamente como eles são. O sujeito barbudo, cuja memória celebramos, convivia com pessoas de todas as raças e origens, com homens e com mulheres, com idosos e crianças, com sãos e com doentes, com prostitutas e toda sorte de desajustados sociais – os tais “pecadores”, hoje os ditos “bandidos” e “vagabundos”. Ele nos legou a lição de cultivar o amor em lugar do ódio, a justiça em vez da truculência, a paz e não o conflito. A vida, não a morte.

Exemplos de outra ordem também podem ser lembrados. Naquele tempo, não havia tríplex, nem dallagnóis e moros, mas já havia processos judiciais sem crime e condenações sem provas. Não havia vazamentos para a imprensa, nem Rede Globo, mas os poderosos da época já manipulavam e insuflavam o povo, a ponto de um populacho irracional e irascível ir às ruas pedir a crucificação de quem lhe houvera trazido pão, esperança e fé. Não havia Eduardo Cunha, nem Michel Temer e sua trupe, mas aquela gente insana também pediu a libertação de um criminoso em troca de um honesto, como nos dias de hoje não faltou quem defendesse a liberdade de Cunha e ainda há quem tolere passivamente o governo de Judas e seus corruptos. Não havia um supremo tribunal, mas houve magistrado que também se acovardou e lavou as mãos.

Os primeiros seguidores do judeu barbudo praticavam o modelo de uma vida em comunidade, em que nada era de ninguém e todos dividiam entre si o que obtinham para sobreviver. Uma ideia genial que, séculos depois, um segundo barbudo, este alemão de origem também judaica, adaptaria aos novos tempos e transformaria em teoria econômica, a qual, estranhamente, passaria a assombrar e ainda assombra os que se dizem seguidores do primeiro.

A História nem sempre, quase nunca é original. Ela se repete e se alterna, ora como tragédia, ora como farsa, mais ou menos como dizia o segundo barbudo, o alemão.

Eis que a farsa judicial se repetiu com contornos de tragédia em terras brasileiras, onde um terceiro barbudo, oriundo não da rejeitada Galileia, mas do Nordeste do país, vem sofrendo sob as nossas barbas implacável perseguição imposta pelos poderosos de hoje. E há também uma parte da sociedade que quer, como nos tempos do Império Romano, vê-lo condenado, preso, morto, ao mesmo tempo em que esse mesmo segmento expressa admiração por um “especialista em matar”, pregador do ódio a negros, índios, homossexuais e mulheres – que diz que as mais belas “merecem” ser estupradas –, propagador da tortura, arauto da morte.

Modelo é para ser seguido e o terceiro barbudo seguiu à risca o exemplo do primeiro. Não operou milagres, que santo ele não é, mas, com políticas governamentais, ele levou pão a quem tinha fome, levou dignidade, autoestima, esperança e fé; levou vida, e vida em abundância, não só alimentos, mas água, luz, crédito, saúde e educação, salvando da morte por inanição ou da exclusão social mais de trinta milhões de seres humanos brasileiros.

Tal qual lá no remoto passado, essas práticas incomodaram os poderosos e a parcela manipulada da sociedade de hoje, que agora o querem condenado, preso, se possível morto. Esquecem-se que a morte na cruz não calou o barbudo da Galileia, que seguiu e prossegue no mundo a pregar pela voz de seus seguidores. Suas ideias jamais foram encarceradas ou assassinadas e atravessaram os séculos, vivas e libertas até os dias de hoje.

Como dizia o primeiro das barbas longas, não podemos servir a dois senhores ao mesmo tempo. O amor não combina com o ódio. A justiça é o contrário da arbitrariedade. A tolerância se opõe ao preconceito. A vida é o reverso da morte. Aproveite esta Semana para refletir sobre o que quer para o nosso Brasil e faça a sua escolha.

Páscoa, ressurreição, oportunidade imperdível para repensar e selar um compromisso com a tolerância, com a solidariedade, com o amor, com a justiça. Com a vida!

(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)

24/03/2018

Carminha e o "S" Minúsculo

A Pequena Carmen apequenou-se.

A presidenta do Supremo Tribunal Federal jurou de pés juntos aos representantes da Shell e da Rede Globo que não colocaria em pauta o debate genérico em torno da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, muito menos o pedido de habeas corpus formulado pelo ex-presidente Lula. Isso porque – dizia ela – o Supremo não poderia “apequenar-se”; e mais, porque ela não é desse tipo que se submete a pressões. A menos, claro, que se trate da maior emissora de televisão do país. Ninguém é de ferro, afinal.

Ela desonrou as juras e, matreiramente, pôs em pauta o pedido de habeas corpus, antes que o caso mais abrangente fosse “posto em mesa” para julgamento. Com isso, forçou o ex-presidente a ir para o tudo ou nada e evitou que pudesse vir a ser favorecido com uma decisão genérica que devolvesse a normalidade constitucional à tormentosa questão da prisão já em segundo grau. É que há a expectativa de que já se tenha formado maioria em favor da prevalência da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória, tal qual inscrito na Constituição. De quebra, a Pequena Carmen, Carminha para os íntimos, jogou sobre os ombros do ex-presidente mais essa “culpa”, a de provocar uma inversão no entendimento da Corte que já se desenhava, a contragosto de certa parcela da tal opinião pública, ávida por prisões em massa.

Com essa poltronice, Carminha cedeu a interesses mesquinhos e escusos de grupos e se superou, indo além da pequenez que tem marcado sua conduta à frente da mais importante Corte brasileira.

Ainda nesta mesma semana, causou espécie o bate-boca em que se meteram os supremos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, sob o olhar complacente da ministra presidenta. Durante toda a discussão que resultou no “barraco”, Mendes, a despeito de sua linguagem sempre ferina, havia desfiado argumentos pertinentes acerca do tema debatido (financiamento empresarial de campanhas eleitorais), embora adotando posição favorável ao nefasto expediente recentemente julgado inconstitucional. Ao mencionar espertezas de seus colegas de tribunal para garantir vitória de suas teses, atirou uma carapuça que fez Barroso saltar como mocinha casadoira em busca do buquê da noiva. “Como um gato”, ele a agarrou e a vestiu, e eis que ela lhe caiu com perfeição, como se confeccionada sob medida. Dizendo-se ofendido, o trejeitoso ministro desandou a encenar uma peça de ensaiada indignação e a declamar um discurso decorado que atingiu o fígado e as partes baixas do colega, para delírio da patuleia ignara.

E Carminha lá, inflexível, sentadinha na poltrona principal, até que, esquecendo-se de que há muito pouco tempo ela mesma dissera que “cala-boca já morreu”, silenciou Mendes e suspendeu a sessão. Gilmar, a própria encarnação do Mal – segundo Barroso –, ainda teve oportunidade de provocar o oponente com uma sentença, concitando-o a “fechar seu escritório de advocacia”, o que propiciou voos de águia aos pensamentos dos atônitos súditos espalhados por todo o país, acometidos de vergonha alheia.

A reação desproporcional de Barroso fez parecer que ele escolheu precisamente o momento em que se debatia uma questão em que Gilmar, que nutre ódio confesso pelo partido do ex-presidente, demonstrava poder vir a se posicionar em favor deste, quiçá na intenção de delimitar os campos "pró" e "contra Lula", num evidente jogo de cena voltado mais para as câmeras, para os holofotes, para o respeitável público.

Se o “S” que compõe a sigla do tribunal já se havia tornado minúsculo por obra e graça de sua presidenta, após esses episódios o supremo tornou-se "suprimo", apequenado ao limite extremo e insuplantável. Suprimiu-se a si mesmo, depois de ter contribuído para a supressão dos demais poderes. Temos no comando do Executivo um usurpador que lá foi posto de forma inconstitucional e, no Legislativo, uma plêiade de iguais corruptos preocupados em salvar a própria pele, frutos do acordo nacional avençado “com o supremo, com tudo” e prenunciado por Romero Jucá, ele mesmo metido até o pescoço em acusações e ainda posicionado no centro do Poder.

A República ruiu, acabou, desmoronou até não restar pedra sobre pedra – como também já nos alertara a profetisa Dilma Vana Rousseff. É chegada, pois, a hora de refundarmos o que um dia foi a República Federativa do Brasil.

(Luís Antônio Albiero, advogado em Americana e Capivari, ex-vereador pelo PT de 1989/92 e 2001/04)

17/03/2018

A Grande Novela da Globo

Da esquerda à direita, há um clamor na sociedade brasileira, embora ainda distante de ser uma unanimidade: “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.

Pela direita, condena-se a emissora da família Marinho pelo que ela tem de avançado, por sua capacidade de influenciar a sociedade a despertar o respeito à diversidade, sobretudo ao modo de ser de cada um. Excessos de cenas sensuais ou de sexo explícito nos programas de entretenimento, dos auditórios às novelas, chocam uma moral média com o que, para parte da sociedade, significa avanço, amadurecimento, expressão de liberdade de um povo. Ao discutir temas como identidade de gênero, a Globo presta um serviço inestimável para que o Brasil se torne um país em que todos nos respeitemos, respeitando nossas diferenças, mas isso desperta o preconceito jacente em certo segmento, que se transforma em ódio aos que lhe são diferentes e à própria emissora.

É, porém, exatamente na área do entretenimento que a Rede Globo emprega e dá amplitude à voz de gente como Paulo Betti, José de Abreu, Marieta Severo, Osmar Prado, atores que são linha de frente na divulgação de um certo ideário de esquerda.

Onde realmente a Globo tem problemas não é no divertimento, mas no jornalismo. A direção da emissora, nessa área, parece inapta a lidar com a Democracia, com a diversidade de pensamentos, vale dizer, não aprendeu com os seus próprios programas de entretenimento. Quer impor um pensamento único, influenciar nos destinos políticos do país – de modo consentâneo, claro, com seus interesses econômicos e da classe social que representa.

Ao longo da História, as Organizações Globo sempre fomentaram golpes de Estado e interferiram nos resultados das eleições. Foi assim em 1964, quando se instalou o regime militar, durante o qual nasceu e floresceu a rede de televisão; foi assim na cobertura das Diretas Já, em 1984, nas eleições de 1989, nas últimas quatro eleições presidenciais, em que a emissora investiu carga pesadíssima contra os candidatos e partidos vitoriosos. Foi assim na cobertura das Jornadas de Junho e dos movimentos de rua pelo impeachment, que culminaram com o golpe contra uma presidenta honesta, sem que houvesse um crime de responsabilidade que o legitimasse.

As Organizações Globo não se acanham em confundir as áreas, transformando seu jornalismo em uma perigosa oficina de ficção. Na era da pós-verdade, especializaram-se em produzir “fake news” de repercussões nefastas para a sociedade.

Foi seguindo essa linha de “reality fiction” que teve início, com uma reportagem do jornal O Globo, a novela do tríplex do Guarujá. Foi voltando os holofotes para certos juízes e procuradores da República que a organização deu curso real à falsa notícia, que foi chancelada por um juiz transformado em super-herói antinacional, que emitiu uma sentença absolutamente divorciada das provas e do ordenamento constitucional brasileiro.

A condenação, apesar de juridicamente insustentável, foi ampliada por três patéticos desembargadores que, com o mesmo artificialismo com que se escrevem roteiros de novela, elevaram a pena para evitar a prescrição. Um enredo de dar inveja a autores talentosos como os saudosos Dias Gomes e Janete Clair, substituídos por pouco hábeis Williams das bancadas ditas jornalísticas.

Desmascarada ao vivo em transmissão internacional do carnaval do Rio, a emissora deu o troco e lançou mão de seu talento ficcional para ampliar a percepção de insegurança que reina sobre o estado fluminense e assim legitimar uma desastrosa intervenção militar federal, a qual fez seu primeiro cadáver importante no capítulo da noite desta quarta-feira, 14 de março. A vereadora Marielle Franco, do PSOL, foi cruelmente assassinada em pleno centro da capital, ao que parece por sua valentia ao denunciar e combater a violência policial contra seus irmãos negros da periferia. A intervenção, como era esperado, não conteve os abusos dos órgãos de segurança e só contribuiu para empoderá-los ainda mais.

Assim segue a grande novela da Globo, que prevê um capítulo tenso para a próxima semana, quando saberemos se o ex-presidente será ou não preso por um crime que não cometeu. A equipe de jornalismo da Globo parece não ter percebido que em todo dramalhão que exibe, saído do imaginário competente de Sílvio Rodrigues, Gilberto Braga e até do preconceituoso Aguinaldo Silva, os heróis são perseguidos e presos injustamente, mas no final da novela o bem sempre vence o mal.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04).

10/03/2018

Nus em Pelo

Nos meus habituais momentos de navegação pelos infomares da internet, não raro acabo me metendo em “tretas” com internautas incapazes de conviver com o pensamento divergente de suas próprias convicções, tenham elas base real ou meramente fantasiosa. Essa colisão ocorre especialmente pelo Twitter, já que, no Facebook, há tempos venho adotando um processo de higienização do meu quadro de “amigos”. Costumo brindar com bloqueio aqueles que exibem grau mais elevado de falta de educação, um recurso que nos oferece Mark Zuckerberg que é um santo remédio contra dores de cabeça e indisposição hepática.

O que mais me tem espantado, a par da insensibilidade e do grau de ignorância sobre a História do país e do mundo, é a sem-cerimônia com que esses infonavegantes lidam com o interlocutor – ou seja, comigo, com o apertador de teclinhas que está do lado de cá do aparelho.

O respeito é zero. O sujeito que está do outro lado não me conhece, não faz ideia de quem eu seja, nunca me viu, nunca trocou uma só palavra antes comigo, mas já se sente no direito de extrair um milhão de conclusões sobre o meu caráter. Eu, o sujeito que está do lado de cá, sou agraciado com diversos qualificativos, ou desqualificativos, muitos dos quais fariam corar porteiro de casa de tolerância. De “burro” a “ladrão” – os mais singelos –, os designativos variam ao gosto do freguês, mas o que mais me desperta a atenção é quando me chamam de “velho”.

É evidente que basta uma breve pesquisa no meu perfil para o sujeito saber qual a minha idade e avaliar a minha imagem, que aparece no meu “avatar”. Não creio que meus 54 anos e essa minha carinha de dezoito emoldurada por grisalha cabeleira sejam suficientes para me caracterizar como “velho”, se é que alguém, qualquer que seja a faixa etária, há de merecer ser tratado como tal, ainda mais em tom evidente de xingamento. Não demora, o nada refinado internauta solta uma pérola, um juízo qualquer sobre política ou realidade social, o que me dá ensejo de lhe dizer “meu caro, quando você crescer em idade e em conhecimento certamente terá vergonha do que acabou de escrever".

Em geral, são jovens, de ambos os sexos, com inegável propensão ao fascismo que não se pejam de passar vexame nas redes sociais, expondo a nudez peluda de seu espírito carregado de ódio e preconceito, do tipo que aplaude um ogro mentecapto que afirma que o melhor caminho para enfrentar a violência é “metralhar a Rocinha” e que se julga no direito de decretar quais mulheres têm o “direito” de ser estupradas, conforme a beleza física de cada uma.

São meninos e meninas que mal ouviram falar dos anos de chumbo da ditadura militar e que não viveram as dificuldades econômicas que o país atravessou logo após a redemocratização. Garotos e garotas que passaram a infância e a juventude metralhando e matando inimigos virtuais em joguinhos de “videogames”, o que deve ter contribuído para lhes passar a falsa impressão de que a vida humana tenha o mesmo valor das “vidas” dos personagens fictícios que se acostumaram a eliminar e de que há um “chefão” a ser destruído no final do jogo.

Não sou psicólogo, não ambiciono dar qualquer peso técnico à avaliação que acabo de fazer, mas é o que me ocorre a partir da observação do que tem ocorrido tanto na vida real quanto nas redes sociais, especialmente no contato direto com uma parcela dessa juventude, à qual se juntam, bobos alegres, os “tiozões” sem-noção de todas as idades.

Nestes sombrios tempos pelos quais estamos passando, temo que esse comportamento odiento, de desqualificação e eliminação do outro, tome corpo e venha a ser determinante no pleito eleitoral que se realizará em outubro. A democracia brasileira, recentemente falecida, não merece ser substituída – muito menos por meio do voto popular, suprema ironia – por um regime que já experimentamos e que julgávamos morto e enterrado, que se baseia na intolerância, na truculência e na destruição de quem ouse pensar diferente.

Alguém precisa dizer a esses jovens que só há uma alternativa à velhice. Torço para que todos eles possam experimentar o prazer e o privilégio de envelhecer.

(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04).

03/03/2018

Memórias de um Advogado Bissexto

Hoje seria dia de eu comemorar exatos trinta anos de profissão, mas o calendário gregoriano engoliu a minha data e me deixou assim, pendurado na brocha, sem escada, sem folhinha para rasgar.

Em 29 de fevereiro de 1988 deu-se minha inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Lá nos primórdios calculei que aos vinte anos de carreira eu estaria rico. Profissional bissexto nos ganhos, três décadas depois o cálculo continua o mesmo, só se deslocou no tempo o marco zero, que passa a ser o dia de hoje. Enfim, a cada dia renova-se a velha e imortal esperança! A diferença é que inicio um novo período marcado já por rica experiência.

Como advogado, sou anterior à Constituição Federal, quase contemporâneo. Acompanhei nos bancos da faculdade o desenrolar da assembleia nacional constituinte, que, naquele mesmo ano, em 5 de outubro, viria a conceber a tal “Carta Magna”, a que o saudoso Ulysses Guimarães ousou chamar de ”Constituição Cidadã”, tais as conquistas prometidas em favor da cidadania nacional.

De Lula a Mário Covas, passando pelo próprio Doutor Ulysses, a Constituição brasileira de 1988 foi concebida por muita gente séria. A despeito de um perfil conservador, mais inclinado à centro-direita, aquele congresso constituinte soube elaborar uma carta política francamente progressista, das mais avançadas do mundo. Lá estavam Florestan Fernandes, José Genoíno, Plínio de Arruda Sampaio, Roberto Campos, Delfim Neto, Jarbas Passarinho, dentre outras estrelas de primeira grandeza.

Ao longo desses trinta anos, tive a oportunidade de vivenciar, na prática diária do Direito e da Política, o desenvolvimento constitucional brasileiro. Eleito vereador no mesmo ano em que me tornei advogado, sou em parte testemunha, em parte, muito modestamente, protagonista dos avanços que o país experimentou a partir do seu novo marco jurídico, cercado, no parto, das esperanças de que dias melhores viriam, e que em boa medida vieram, de fato.

Nos moldes do novo desenho constitucional, sobrevivemos ao primeiro impeachment, em que o presidente Collor fora diretamente acusado de envolvimento em ato de corrupção, e experimentamos importantes conquistas sociais, econômicas e políticas. Depois de um golpe na poupança, confiscada pelo presidente afastado, instituímos uma nova moeda e controlamos o monstro insaciável da inflação. Seguiu-se a eleição do primeiro operário presidente da República e, com ele, trinta milhões de brasileiros antes condenados a morrer de fome ou à exclusão social, souberam o que é ter um mínimo de dignidade e puderam desfrutar de um inédito processo em massa de inclusão e ascensão social. Direitos foram ampliados, salários e benefícios previdenciários valorizados, empregos criados aos milhões. O Brasil ganhou respeito no cenário internacional. O operário foi reeleito, elegeu e reelegeu a primeira mulher a ocupar a presidência da República. Com ela, chegamos ao final de 2014 em situação de pleno emprego, com índices irrisórios de desocupação, abaixo dos 5%.

Mas, com a reeleição da presidenta, aflorou o ódio de uma casta insatisfeita com a presença dos da senzala na sala de controle da casa grande, ingrediente que se somou ao recalque de um narcocandidato das elites que não soube digerir a derrota e fez juras de vingança e morte à eleita. Em meio a essa combinação explosiva, ascendeu o hoje presidiário Eduardo Cunha, a par do mais conservador, reacionário e corrupto conjunto de parlamentares jamais visto na História do Brasil. Com as pautas-bomba de Cunha e a execução da promessa de sangria de Aécio e seus aliados, inviabilizou-se o governo Dilma até o ponto de tirá-la do governo sob falsa acusação de crime de responsabilidade, por conta de mal explicadas “pedaladas fiscais”. Executou-se o golpe, enfim, que se desenhava desde as “jornadas de junho”; aliás, desde o “mensalão”, em que líderes políticos progressistas foram condenados sem provas, na esteira de uma tal “teoria do domínio do fato”.

Esse processo de esgarçamento dos direitos assegurados pela Constituição Federal alcançou seu clímax recentemente, com a condenação de um ex-presidente da República também sem crime e sem prova, igualmente sustentado, de maneira envergonhada, enrustida, na mesma teoria que nem contra os nazistas ousou-se aplicar, com a clara intenção de alijá-lo da disputa presidencial deste ano. Três desembargadores que poderiam ter posto um fim a esse propósito da classe dominante de alijar do processo político o ousado representante das camadas populares preferiram cumprir o papel que lhes foi destinado pela elite e, num julgamento patético que fez corar o mais distraído aluno do primeiro ano de Direito, mantiveram a sentença e ampliaram a pena para Lula. Tudo sob o olhar complacente e conivente de um acovardado supremo tribunal federal, “guardião da Constituição”, indigno, no entanto, de ter seu nome escrito com iniciais maiúsculas.

Em 29 de fevereiro deste ano eu deveria estar comemorando meus trinta anos de carreira profissional. Imaginava fazê-lo em melhor condição. A riqueza não veio e me comeram até o dia da comemoração. Há três décadas, como diria Drummond, um anjo torto deve ter-me dito “vai, Luís, ser um advogado bissexto na vida”. Só não imaginei que ao fim e ao cabo desse longo espaço de tempo eu viesse a concluir um artigo pedindo – como o jogador que marca três gols num mesmo jogo e pede música no programa dominical da TV – um réquiem para nossa Constituição Federal, falecida, coitada, antes mesmo de chegar aos trinta.

Som na caixa, maestro!

(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04).

24/02/2018

Intervenção Política Já

Nenhum compêndio de História ou de Ciência Política fez mais em favor da conscientização popular sobre a atualidade brasileira do que o primoroso desfile da valente escola de samba Paraíso do Tuiuti, do Rio de Janeiro. Foi uma verdadeira aula pública, transmitida do Sambódromo ao vivo para todo o Brasil e para o mundo, a respeito dos acontecimentos políticos recentes, em que os nomes foram dados aos bois.

“Manifestoches” foi a designação mais que perfeita já dada para os patos patetas que, manipulados pela mão grande do empresariado nacional e da mídia, Globo à frente, encheram as ruas do país em favor do golpe que violentou nossa Democracia e defenestrou do poder uma presidenta legítima, para por em seu lugar esse desastre que hoje nos desgoverna. O “Vampiro” também representou à perfeição o presidente usurpador, sanguessuga dos nossos direitos trabalhistas, da nossa Democracia, dos nossos 54 milhões de votos dados a Dilma Rousseff.

A Globo acusou o golpe, ou seja, o tiro que a escola lhe deu nas fuças, à queima-roupa, tanto que na transmissão ao vivo seus comentaristas foram cautelosos ao extremo, ao ponto de ignorarem a exatidão do que viam, incrédulos. No compacto exibido no dia seguinte, as cenas mostradas foram escolhidas a dedo para nada de significativo revelar, tendo ao fundo um silêncio sepulcral, inquietante e revelador. Michel Temer também sentiu o tranco.

Claro que um já desgastado e desgraçado presidente da República – usurpador e ilegítimo, é verdade, mas ainda presidente, assim tolerado por aqueles que não toleraram as “pedaladas” de Dilma – e a maior emissora de TV do país não tardariam a dar o troco. E a vingança veio na velocidade lenta, gradual e nada segura dos tanques de guerra, na marcha imponente dos soldados das Forças Armadas, no peso das metralhadoras apontadas para o povo pobre e majoritariamente negro dos morros cariocas. Mas quem se importa com pretos e pobres favelados, não é mesmo?

Em conluio com a Globo, que se encarregou de disseminar uma percepção de insegurança que não corresponde aos dados estatísticos, “pra mó de dar mais realismo à cena” (diria o impagável Chico Bento dos quadrinhos), Temer encetou a tal “intervenção militar”, supostamente restrita à segurança pública, mas que pôs nas mãos de um general poderes quase plenipotenciários. Uma medida inconstitucional, despropositada, atabalhoada, que, a exemplo de experiências anteriores, algumas recentes e bem mais brandas – do ponto de vista da violação aos direitos dos seres humanos que habitam aquelas comunidades –, tende a dar em nada ou a produzir resultados ainda piores.

A Humanidade desenvolveu a Política como forma de substituir a barbárie e a beligerância pela civilidade, em busca da sempre almejada paz social. A guerra – e é para ela que estão preparados nossos valorosos homens das Forças Armadas – é o oposto à marcha civilizatória. Soluções imediatistas com claro viés midiático, destinadas apenas a salvar a imagem dos que foram desmascarados por um desfile de Carnaval, só conduzem ao caos.

Se desejamos paz, só nos resta insistir na Democracia, vale dizer, persistir apostando na Política, no aprendizado e no aperfeiçoamento das instituições e daqueles homens e mulheres que, com boa ou má intenção, um dia resolveram dedicar-se a gerir a coisa pública.

Se o governador do Rio de Janeiro e o presidente da República se sentem incompetentes para resolver os problemas que lhes cabe solucionar, não podem torcer a Constituição para entregar aos militares, de modo envergonhado e dissimulado, o poder que lhes foi conferido pelo voto popular (se bem que, no caso de Temer, isso é apenas meia verdade). Que entreguem a rapadura, que passem o bastão, mas que o façam renunciando aos cargos nos termos constitucionais, de modo a permitir que a sociedade defina seu próprio rumo.

(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)

27/01/2018

Cérebro e Alma

Ontem fui acusado aqui, no meu próprio perfil, por uma pessoa da minha família, de ter sofrido "lavagem cerebral" - eu e o "bando de comunistas" a que eu pertenço.

Pois bem. Refleti muito desde ontem a esse respeito e cheguei à conclusão de que ela tem razão.

Tenho clareza da minha opção política desde antes mesmo do surgimento do PT, desde que tomei consciência de que o mundo era injusto com as pessoas como eu, como aquelas em cujo meio social eu vivia na infância.

As possibilidades de ascensão social e de alcance de um patamar de dignidade mínima eram diminutas. Eu sabia da minha capacidade pessoal, eu nunca temi o futuro, eu sempre lutei por meus ideais e minhas conquistas, mas sempre tive clareza de que o gargalo dessa tal meritocracia era estreito, que poucos passariam por esse funil. De fato, a maioria ficou lá no fundo do garrafão.

Sabia que tinha que lutar pelos outros, por aqueles que viviam em situação semelhante ou pior que a minha. Não foi difícil reconhecer e escolher meu caminho.

Mas é possível que, nesse meu caminhar, meu cérebro possa ter-se sujado com alguma substância imposta, por exemplo, pelos meios de comunicação de massa. Afinal, estamos todos sujeitos a sermos encantados pela telinha com a qual mantive encontros regulares, diariamente, por muito tempo.

É possível também que os grupos a que pertenço ou pertenci, profissionais, religiosos, tenham conspurcado em alguma medida meu cérebro que, afinal, é dotado da fragilidade inerente à condição humana.

Por isso, sempre que tomei consciência dessa parte suja, ou pelo menos empoeirada do meu cérebro, dei um jeito de lavá-lo.

Nessa trajetória de mais de cinquenta anos deixei que me lavassem o cérebro muita gente, desde autores de grandes obras literárias a pessoas simples com quem cruzei ao longo do tempo.

Devo confessar que sempre preferi que minha massa encefálica fosse higienizada pelos mais humildes, como dona Cícera, essa senhora do vídeo, que não conheço, nunca vi antes, mas que acabou de me dar mais um banho cerebral.

Dona Cícera lavou não só o meu cérebro; lavou minha alma!

(Luís Antônio Albiero, em Capivari-SP, 27 de janeiro de 2018; republicado em 27 de janeiro de 2020)

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=2004848789543665&id=100000556891795

19/01/2018

Preocupem-se

Postei a seguinte resposta a um comentário no Facebook:

"Prezado Elton, perdoe-me a intromissão. Você está confundindo alhos com bugalhos. Automóvel é bem móvel e obedece a um certo regramento. Falando tecnicamente, a propriedade do bem móvel se dá pela simples tradição. O que significa isso? Que eu posso lhe vender o meu carro e não passar documento algum, não transferir o registro para o seu nome. Mas a partir do momento da entrega ( = tradição, vem do verbo "trazer", do latim "tradere"), você é o dono e, portanto, responsável por qualquer acidente em que ele venha a se meter.

Outro regramento tem o bem imóvel.

Dada a importância da terra, da repartição do solo para nossa sociedade, há exigência de registro em cartório. Só é dono quem registra. O registro é, juridicamente, essencial para a prova da propriedade. Eu só provo a propriedade da minha casa com uma certidão do cartório de Registro de imóveis que ateste que a casa, o terreno, está em meu nome. É a chamada "certidão de matrícula". Nem a escritura é suficiente, é preciso que esteja registrada.

Mas há outra coisa, que se chama posse. A posse não depende de registro. A posse é um fato, um acontecimento da realidade. A posse se dá com a simples ocupação, de fato, de um imóvel - de um bem qualquer, móvel ou imóvel.

Pois bem.

Para que Lula tivesse realmente obtido uma vantagem indevida, ele deveria ter obtido a transferência da propriedade, com registro em seu nome - e isso, comprovadamente, não ocorreu. Então, a propriedade do triplex não é dele, é da OAS. Moro pode fazer o malabarismo jurídico que quiser que não vai conseguir demonstrar que Lula é o proprietário. Não existe, no nosso Direito a "propriedade de fato", expressão absurda que ele usou (criou) na sentença!

O que mais se aproxima de uma "propriedade de fato" é a figura da posse - a segunda hipótese do que ele poderia ter obtido como "vantagem indevida". Mas também não há no processo, não há nos autos, prova alguma de que Lula tivesse tido a posse do imóvel, que em algum momento ele, sua família ou alguém em seu nome tivesse ocupado o apartamento.

Com efeito, Lula não ficou no imóvel por mais de alguns minutos, horas talvez, em companhia dos proprietários ou de seus agentes, examinando o apartamento para decidir se comprava - eu disse comprava! - ou não. E não comprou. Desistiu.

Lula não pernoitou lá uma noite sequer, não alugou, não emprestou, não pôs à venda, não deu em garantia de empréstimo... Não exerceu a posse, nem obteve a propriedade. Sequer as chaves do apartamento lhe foram entregues, como testemunhou a funcionária da OAS responsável por guardá-las!

Por isso, eu recomendo aos antilulistas, aos antipetistas, aos fanáticos da seita evangélico-católico-espírita-judaica "igreja da Fé Cega na Prisão do Lula" que, se o ex-presidente vier a ser absolvido, se a sentença de Moro for anulada ou reformada, não culpem, não acusem os três desembargadores. Eles não terão culpa. Eles só estarão cumprindo a lei.

Mas se Lula for condenado, nessas circunstâncias, se a sentença de Moro for confirmada apesar de toda fragilidade, toda ilegalidade, toda nulidade, preocupem-se. Preocupem-se! Pois se fazem isso com um ex-presidente, imaginem o que não farão com vocês, conosco, pobres mortais e indefesos cidadãos! Porque será a inauguração de uma nova era do Direito, a era do arbítrio."

(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, aos 19 de janeiro de 2018)

17/12/2017

Diálogo com um Coxinha Querido

Um coxinha muito próximo e querido me enviou a seguinte mensagem, pelo Whatsapp:

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"15 anos de Lulismo deixaram o país nesta situação. Mas estamos voltando aos trilhos. Um pouco de crescimento este ano ano que vem previsão de 3% de aumento do PIB e inflação próxima a meta e dólar baixo"

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Respondi:

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"J., não seja desonesto.

Lula nos levou à condição de sexta economia do mundo. Com Dilma, houve desemprego zero até 2015.

Quem nos levou a 'essa situação' foi Eduardo Cunha, que em parceria com Aécio Neves tudo fez para que ela não não pudesse governar.

Você já se esqueceu das 'pautas bombas'? Esqueceu que a dupla se uniu a Temer para dar o golpe?

Tudo o que Lula e Dilma construíram em treze anos - não foram 15, foram pouco mais de treze - Michel Temer destruiu em menos de dois anos.

Destruiu o legado de Lula e destruiu o legado de Getúlio Vargas.

E entregou nossas riquezas e nosso futuro para as petrolíferas estrangeiras.

J., J., você continua me decepcionando..."

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Ele replicou:

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"Albiero vamos trabalhar política não nos enche a barriga vamos trabalhar e ganhar dinheiro não somos ricos ainda temos que batalhar pois esses políticos estão todos nadando em dinheiro Vamos trabalhar amigo e deixar bens para os nossos Estes ladrões já deixaram para a quinta geração Se liga você é inteligente"

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Eu trepliquei:

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"J., eu trabalho e trabalho pra caramba. Trabalho de dia, de noite, de madrugada. Trabalho para mim, para minha família e dedico também um tanto do meu tempo, do que a natureza me deu de inteligência e capacidade de raciocínio em favor dos outros, dos que precisam mais do que eu.

Eu vim de baixo, do nada, da miséria, de não ter o que comer. Eu sei o que é você ter esperança no futuro e não ter ajuda de ninguém. Sei o que é viver sob governos que não olham para os de baixo. Superei tudo sozinho, eu, minha mãe e minha irmã. Conquistei o que conquistei por esforço próprio. Poderia muito bem ter-me acomodado, cuidar da minha vida, enaltecer a tal da 'meritocracia', e deixar o resto que se explodisse.

Mas não.

Desde cedo eu tomei consciência do que é a vida, do que é a sociedade em que vivemos, do que é a Política. Eu acompanho a política do país desde meus sete anos de idade.

Por isso lutei para que um dia este país tivesse um governo que de fato representasse os de baixo, como eu estive lá embaixo, lá na base da pirâmide social. Que enxergasse os invisíveis, o faxineiro que passa por você e você nem nota. O gari, o cortador de cana, o morador de rua, o negro da periferia.

Eu sabia que se eu chegasse à presidência da república eu olharia para essa gente. Eu não cheguei, nem chegaria, mas ajudei um cara excepcional que me representou nessa missão.

Esse cara se chama Luís Inácio Lula da Silva.

E ele não me decepcionou. Ele olhou para os de baixo. Ele salvou da miséria, da morte pela fome, ou da exclusão social, 36 milhões de brasileiros.

Você tem noção do que isso significa? Do que significa você não ter o que comer, estar condenado a comer calango ou gabiru, como nos tempos de FHC, e passar a poder fazer três refeições por dia?

Você tem ideia do que seja uma família nordestina, acostumada à seca, passar a ter uma cisterna em sua propriedade? E foram um milhão de cisternas que o governo, desse cara que você acha que é ladrão porque a Globo diz que é, fez. Um milhão de cisternas!

Você tem ideia do que sejam cinco milhões de jovens que antes não tinham oportunidade de estudar, passarem a ser universitários? Você sabe quantos universitários o Brasil tinha antes de Lula? Eram 3 milhões, Lula botou mais 5 milhões de jovens nas universidades. Mais que dobrou!

Aí, porque um empresário quis fazer um agrado a ele, oferecendo a ele um triplex - ou seja, três apartamentos de 70m2 um em cima do outro - numa praia como o Guarujá, tipo classe média, e ele RECUSOU, você segue a manada liderada pela Globo e o chama de 'ladrão'.

Porque vem outro empresário e oferece a ele um terreno, e ele de novo RECUSA, você o chama de 'ladrão', "corrupto".

Lula foi condenado por corrupção passiva, sabe por quê? Porque recusou propina! RECUSOU!

Você mesmo chegou a acreditar que Lula ou Lulinha fosse dono da Friboi. Hoje, depois de tudo o que houve na JBS, ninguém mais se dispõe a passar vergonha e dizer uma estupidez como essa!

Sim, eu luto e lutarei para que esse 'ladrão' volte a ser presidente da república. Eu ponho em risco meu emprego, meu cargo, onde tenho um salário invejável e invejado, mas não abro mão de lutar por esse objetivo. Porque não luto por mim, luto pelos que estão na mesma condição em que eu me encontrava quarenta anos atrás e não tinha um prefeito, um governador, um presidente da república que efetivamente pensasse em mim e nos meus iguais.

Por isso, meu caro, Lula vale a luta!

Não será esse discursinho pronto, feito pelo Merval e pelo Sardenberg, pelo racista do Waack ou pelo imbecil do Bonner, pela Míriam Leitão ou pela Eliane Cantanhêde, todos capachos da família Marinho, que vai me fazer mudar minhas convicções.

Não perca seu tempo tentando me convencer. Contra fatos, contra dados oficiais, contra reconhecimentos da ONU e da comunidade internacional, contra o sentimento do povo agradecido, nada me convencerá. Nem a mim, nem a esse povo que sabe bem o que está acontecendo com seu presidente, com nosso querido presidente Lula.

Ao contrário, gaste um pouco do seu tempo e do seu cérebro para pensar no que era o Brasil antes de Lula e no que se tornou, de fato e de verdade. Dedique um pouco de seu tempo e de suas faculdades mentais para olhar para essas pessoas que passam invisíveis perto de você.

Seja mais humano, mais solidário, mais honesto consigo mesmo, mais conectado à realidade que o cerca. Seja mais inteligente!

Não se deixe levar pelo preconceito, pelo ódio de classe, pelo efeito manada promovido pela Globo, Veja e outros meios de comunicação interessados apenas em se manter no topo da pirâmide social.

E não me venha mais dizer para eu trabalhar, porque isso eu já faço, todos os dias, e desde meus sete anos de idade. Minha infância praticamente foi perdida justamente porque fui obrigado a trabalhar para garantir um mínimo de sustento para mim e minha família."

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PS.: A quatréplica dele foi: "Chega"

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(Em Americana, SP, aos 17 de dezembro de 2017)

18/07/2017

Laís Ficou me Devendo

Uma velha amiga da família e vizinha de infância ficou me devendo resposta ao seguinte questionamento, que fiz em resposta a um comentário com o qual ela me honrou numa postagem minha de 18 de julho de 2017 sobre o presidente Lula.

Ela havia comentado "Só para lembrar, esse 'cara' de madeira que não é de lei, chefiou o maior esquema de corrupção da HISTÓRIA DESTE PAIS" - concluindo assim, em letras maiúsculas, como quem estivesse gritando.

Eis minha resposta:

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Laís, querida, como vai? Tudo bem?

Acredita que dia desses sonhei com você? Ontem ou anteontem, não me lembro bem, mas muito recentemente. E olha que coincidência, eis você aqui, comentando uma postagem minha!

Vou aproveitar que você me honrou com um comentário e também o fato de que você me conhece desde os meus tempos de calças curtas, desde o “Bar do Tota”, no bom e velho “Buraco da Onça”, para lhe fazer uma pergunta. Quero que você me ajude a raciocinar, você que é uma pessoa que conheço há tanto tempo, de quem sei da boa índole e do seu conhecimento sobre política – na verdade, imagino que troque impressões a esse respeito com meu querido amigo Osvaldo, um expert no assunto.

A pergunta é simples. Por que, afinal de contas, as pessoas – muitas pessoas, e não falo de você, porque a vejo muito acima da linha dessa mediocridade reinante – não conseguem admitir, sequer por hipótese (nem por “remota hipótese”, como gostamos de dizer, nós advogados, em petições, quando queremos raciocinar pela ótica do adversário; “por epítrope”, diria a ministra Rosa Weber), essas pessoas não conseguem admitir que um sujeito que venha de baixo – como eu vim –, que se torne político – como eu me tornei –, que chegue à presidência da República, que seja reeleito, que em seguida eleja sua sucessora e depois a reeleja, possa ser um homem honesto?

Simplificando a questão: por que essas pessoas têm dificuldade em admitir que o outro seja honesto?

Pense no conjunto dessas pessoas, na média dessas pessoas: são pessoas simples, de boa índole, formadas na cultura cristã, que prega a noção de honestidade, de justiça, de amor ao próximo, de solidariedade e, ao fim e ao cabo – para aqueles que erram, que “pecam” –, prega a possibilidade de regeneração (a partir da noção do perdão). Essas pessoas, portanto, cristãs que são, ao meu ver deveriam partir da ideia de que os outros são honestos, até prova em contrário. Não é mesmo? Da ideia do não prejulgamento (afinal de contas, o exemplo mais marcante de toda a História da Humanidade de um erro de julgamento está na raiz do cristianismo, correto?).

Pois é. Aí é que eu fico me perguntando. Por que essas pessoas têm uma dificuldade intransponível de admitir que aquele sujeito que veio de baixo e chegou ao posto mais elevado de governante de seu país possa ser aquilo que todos nós devemos ser: honesto. Por quê?

Será só por preconceito? Se o sujeito era pobre, ficou poderoso, ”só pode” ter aproveitado para roubar. Se entrou para política, “só pode” ter sido para roubar. Afinal, esse cara governou um país, comandou ao longo de oito anos orçamentos que, somados, dão algumas dezenas de trilhões de reais (ou dólares, ou euros... tanto faz, trilhão é trilhão em qualquer moeda). Então, “só pode!”

Ou será que essas pessoas – repito, não incluo você, obviamente, pois sei da sua índole – projetam nesse sujeito, no “outro”, nas outras pessoas, as vontades, as intenções, os desejos delas próprias? Tipo, “ah, se fosse eu, metia a mão mesmo!” Será que é isso? Será que honestidade é mesmo só uma falta de oportunidade?

Outra coisa. Proporcionalidade. Na minha adolescência, eu me destacava em matemática. Hoje, mergulhado no Direito, só me restam noções da “mágica dos números”, dentre elas a da proporcionalidade.

Um sujeito desonesto, ladrão contumaz, que governasse seu país e tivesse sob seu controle trilhões de reais (ou dólares, ou euros...), sairia desse governo para voltar a morar no mesmo apartamento onde morava antes? Sairia desse governo com um apartamento no Guarujá do qual não tem a chave, nunca usou, nunca alugou, nunca cedeu a um casal de amigos sequer, que não está em seu nome, que não pode vender, não pode deixar de herança para os filhos...

Ah, verdade! Não é só isso. Tem o sítio de Atibaia... Mas esse sítio é anterior à presidência, é de amigos, sócios de um de seus filhos. Portanto, ele não recebeu por propina e, ainda que disso se tratasse, também não pode vender, não pode doar, não pode emprestar ou alugar, não tem como deixar de herança... porque também não está no seu nome!

Será mesmo que o comandante dos trilhões, seja de que moeda for, sendo um corrupto ladravaz incorrigível, sairia desse governo com um sitiozinho e um apartamento que não são dele, que ele não pode negociar, e nada mais?

Ah, tem também o terreno do instituto... que também não é dele, nem jamais foi! Ah, o apartamento alugado para guardar as quinquilharias da presidência... Também!

Enfim, que raio de corrupto ladrão é esse que comanda orçamentos trilionários e sai apenas com dois pedalinhos e dois barquinhos de lata num lago de um sítio de amigos?

Ah! Mas tem as provas. As provas que o juiz disse que estão no processo e, por causa delas, condenou esse sujeito a nove anos e meio... Um contrato não assinado, as palavras de um empresário que ficou dois anos preso até que lhe batesse o desespero e ele pudesse, enfim, delatar até a própria mãe, e notícias de jornal. Do jornal “O Globo”.

Então, se nosso glorioso "Correio de Capivari" publicar que o casarão dos Lembo é meu, eu vou poder reivindicá-lo na justiça, porque, afinal, é meu, já que a imprensa está dizendo que é?

Essas são as tais “provas”. Do triplex, no caso. Que não está em nome dele, onde ele nunca pernoitou sequer por uma noite, do qual ele nem ao menos recebeu as chaves. Que ele não pode vender, doar, alugar, emprestar, deixar de herança.

Voltamos à estaca zero, concorda?

Ah! Sem querer abusar, mas já abusando, me ajude a pensar noutra coisa. Agora o sentido é inverso ao da proposição que lhe fiz anteriormente. É possível que haja um juiz desonesto?

Bom, nessa área, confesso minha dificuldade de raciocinar. Sou dos que medem os outros pela própria régua. Sei do meu caráter e presumo sempre que todos sejam honestos, até prova em contrário. Assim ajo e raciocino por minha formação cristã, como lhe disse, pelo que aprendi desde o berço com minha mãe, que você tão bem conheceu, como conhece toda minha família. E também por minha formação jurídica. E não só eu raciocino assim, mas a Constituição também. É, ela mesma, nossa gloriosa Constituição. Sabia que uma Constituição é formada de raciocínios, de modos de pensar? Pois é. Ela raciocina, e nos diz: todos são inocentes (vale dizer, todos somos honestos) até prova em contrário. Então, para mim, é difícil pensar especificamente num juiz desonesto.

Mas deve haver, não deve? Juízes desonestos devem ser como bruxas. ¡"No creo em las brujas, pero que las hay, las hay!"

E uma pessoa desonesta não é necessariamente alguém que “roube”, que se “corrompa”. Um juiz que deliberadamente julga de modo injusto, sem levar em conta as provas, só para prejudicar alguém, só para favorecer alguém, é uma pessoa desonesta, não é?

Mas, enfim, essa é uma hipótese na qual prefiro não acreditar, nem me aprofundar em pensamentos. É minha índole, já lhe disse.

Espero muito por sua ajuda, Laís, para me auxiliar a compreender esses dramas existenciais que me atormentam, a mim e – creio – a toda nossa amada nação brasileira.

Resumindo, para facilitar para você: por que as pessoas não conseguem admitir que uma pessoa, vinda da miséria, que chegue ao governo de seu país, possa ser honesta?

E mais: pode existir um juiz desonesto?

Beijão, querida. Lembranças para o Osvaldo, para o Álisson (veja que não me esqueci!), para a menina (ih! Minha memória agora falhou...).

15/03/2017

Fez um Cocozinho e Voou

PARA REGISTRO

Sabem aquele meu amigo de Piracicaba, que foi meu colega de faculdade e hoje advoga em Brasília? Ele me enviou pelo whattsapp​ uma sequência de memes reportando bilhões de dólares que o governo Dilma teria "doado" a países "comunistas" via BNDES, acompanhado de um vídeo com a imagem daquele bando de aloprados que invadiu uma sessão da câmara de deputados para pedir intervenção militar.

Eu me recusei a entrar nesse jogo tolo e respondi a ele:

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"Meodeos! É nesse tipo de gente e de informações que você se fia? Muito pior do que eu pensava... Lamento profundamente.

Amigo, parodiando a velha canção, 'podemos ser amigos simplesmente, coisas *da política* nunca mais...' "

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Ele retrucou dizendo que eu estava "fugindo". Anteriormente, já me havia dito : "você perdeu!"

Respondi a ele, enfim:

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"Eu não fujo, não. Quem foge é quem faz comentário e em seguida deleta, sai voando, como passarinho que fez cocozinho e sumiu... Kkk

Sou de enfrentar, sou homem de debate, pau pra toda obra. Mas não tenho mais saco para ficar rebatendo argumentos tão pueris, tão tolos como essas coisas de "bolivarianismo", "intervenção militar" (jura que você é adepto dessa tolice?). Data venia, data máxima venia, preclaro colega, não dá. Nem Reinaldo Azevedo está mais nesse patamar.

Por outro lado, não sou do tipo que busca desqualificar o debatedor, porque tenho respeito, e peço desde logo perdão pelo parágrafo anterior. Foi necessário me explicar.

Então, em respeito a você, que não quero ver na condição desses tolos, como essa senhora histriônica e seu bando que invadiram o congresso para pedir "intervenção militar", e em respeito a mim mesmo, à minha sanidade intelectual, paro por aqui.

Nada do que eu lhe disser vai convencê-lo. Nada do que você me disser, nesse nível rasteiro, nesse modo primário de encarar a Política, vai me convencer. Então, amigo, é inútil, absolutamente inútil, continuarmos discutindo.

Você disse a mim, lá em cima, "perdeu!". Perguntei o que foi que eu perdi, você não me respondeu, mas é óbvio que eu entendi o que você quis dizer. Você estava numa disputa comigo, e eu não sabia, e se soubesse não a teria alimentado, porquanto estéril.

Não, amigo. Eu não "perdi" absolutamente nada. Ao contrário, debater com quem quer que seja já é, para mim, sempre, um ganho, um aprendizado. No mínimo, porque serve ao aprimoramento da minha capacidade argumentativa. Não faço de um debate, de uma discussão qualquer, sobretudo sobre Política, que é o que mais me empolga, uma "disputa". Não quero "vencer" ninguém. Quero apenas, se possível, colaborar com o crescimento do meu interlocutor e tirar proveito do que ele me diz, aprender com ele.

Meu conceito de viver em sociedade é o que determina esse meu comportamento.

Se tudo o que eu digo não serve para engrandecimento daquele com quem debato e se tudo o que ele me oferece - por favor, estou falando genericamente, não se ofenda - são tolices que superei já na infância, eu prefiro me retirar. Como lhe disse acima, e parodiando a música que lhe enviei, "podemos ser amigos simplesmente"... Coisas da política, não mais.

Grande abraço!"

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Enfim, só queria registrar e compartilhar.

PS.: Acabo de ver a última fala dele. Vejam o nível:

----------------------------------------------------------------------------------------- "

Você sabe que está errado! Admita, os amiguinhos comunas do Lula tem tudo. Empresários brasileiros fecham as portas porque o BNDS não lhes dá crédito. Esse é o Lula. O brasileiro!!!!!"

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PS2: minha resposta derradeira (não me aguentei):

----------------------------------------------------------------------------------------- Para afagar seu ego e provar que sou seu amigo até debaixo d'água, vou lhe deixar essa sua fala como última palavra. Vai alimentar sua sensação de que me "venceu". Vai lhe fazer bem ao espírito.

Então tá.

Um dia, quem sabe, você mesmo venha a descobrir a verdade sobre o BNDES, sobre os empréstimos - empréstimos! - que concede dentro e fora do Brasil,.

Descobrirá o que era a indústria naval brasileira durante seu idolatrado governo militar, o que fez com ela o governo do PSDB, o que fizeram com ela os governos Lula e Dilma e o que acabaram de fazer com esse importante e estratégico segmento da economia brasileira a Operação Lava Jato e o governo Temer.

Descobrirá​ o que era a construção civil até FHC, o que foi feito com ela de Lula a Dilma e como se acabou nas mãos de Sérgio Moro.

O que era a Petrobras até FHC, o que houve com ela nos últimos três anos e como foi que Sérgio Moro contribuiu decisivamente com suas concorrentes internacionais.

Vai entender o que era o "conteúdo nacional" que Lula fez questão de prestigiar e incentivar por meio de leis e que acabou nas mãos de Temer.

Mas não sou eu que vou lhe dizer isso tudo. Não adiantará nada mesmo. Você não me acreditará.

Você mesmo um dia compreenderá. Um dia.

Grande abraço.

Ah! E parabéns! Você venceu! Indiscutivelmente, você venceu. -----------------------------------------------------------------------------------------

05/02/2017

A Inveja é a Mãe do Ódio

Tudo o que é bom é invejado, não é mesmo?

Há a inveja boa – a confessada, a que na verdade é admiração – e há a perversa, que produz engulhos na alma, que a corrói e leva o invejoso a sentir ódio daquele a quem, inconfessadamente, no silêncio de sua mente perturbada, tem por paradigma inatingível.

Eu, por exemplo, invejo – e confesso – quem tem o dom da escrita. Invejo, porque os admiro, Machado de Assis, Luís Fernando Veríssimo, José Saramago, Chico Buarque, por exemplo. Deles faço meus paradigmas na hora de escrever. Sei das minhas limitações, mas sei que, quanto mais os tiver como exemplo, como guias, melhor produzirei meus textos. Essa é a inveja boa, que nos impulsiona para a frente e para o alto.

Agora pense nos portadores da inveja perniciosa. Do sujeito que inveja o outro com a consciência de que jamais o alcançará e, por isso, se revolta contra ele. O fracasso diante do paradigma o leva a odiá-lo. Vejo aí, na inveja nociva, a origem desse ódio descomunal que as pessoas têm de Lula.

Lula é um homem simples, veio da miséria e, por seus próprios méritos, sem ajuda governamental alguma, chegou aonde chegou. Imagine a inveja que isso não causa nos defensores da meritocracia. Deve ser duro medir-se por ele e ver que, com tão poucos recursos, comendo o pão que o diabo amassou – aliás, pão que ele só conheceu e comeu aos sete anos de idade –, ele conquistou o cargo mais importante da República. Foi eleito, reeleito, fez a sucessora e a refez. Não deve ser fácil suportar essa comparação.

Imagine a inveja que dele não sentem os que passam horas e dias contemplando suas dezenas de diplomas que ostentam orgulhosos nas paredes de casa ou do escritório ao constatarem que, sem possuir nenhum, a não ser o de torneiro mecânico, Lula conquistou milhões de pessoas, no Brasil e mundo afora. Conquistou respeito e condecorações de governantes, lideranças e universidades, nacionais e internacionais, que lhe concederam dezenas – eu disse dezenas! – de títulos de Doutor Honoris Causa.

Até a honestidade causa inveja. Como é possível um sujeito entregar-se de corpo e alma à Política e ser honesto? Não ostentar pelo menos um iate, uma fazenda, um jatinho, uma mísera Lamborghini? Não, as pessoas não descreem – sentem inveja! Porque Lula põe à prova, a todo instante, o limite da honestidade de cada um. Quantos desses que o acusam sem fatos concretos, sem provas e a despeito de todas as provas em favor dele produzidas nos processos, quantos desses teriam tido força suficiente para resistir às inevitáveis tentações sobre quem tem, como Lula teve, sob seu comando trilhões em orçamentos? E tanto faz se são trilhões de reais, de dólares ou de euros. Um trilhão é um senhor trilhão em qualquer dessas moedas. Quantos desses teriam resistido à oferta de uma propinazinha, zero vírgula zero zero zero alguma coisa por cento, sobre um contratinho barato da Petrobras? É, essa força, essa capacidade de resistência de Lula é outro insuspeito objeto de inveja.

Quem, com todos os cursos e todo o conhecimento da língua portuguesa e de tantas outras línguas, de seus recursos linguísticos, das bibliotecas que pôs abaixo e devorou, dos romances e dos poemas que leu, das músicas que ouviu e filmes a que assistiu, pode suportar indiferente à capacidade oratória de Lula? Às suas múltiplas, inventivas e envolventes figuras de linguagem? Coisa do diabo? Não, coisa de Jesus! Não era Jesus que falava em parábolas? Pois é.

Quantos honrados pais de família, defensores da família e das tradições, suportam constatar que, ao contrário da realidade dos seus próprios lares, Lula viveu intensamente, por 43 longos anos, um casamento que é um verdadeiro conto de fadas? Você que me lê viu a foto dele, já de barbas brancas, abraçando Marisa, tendo ao fundo uma paisagem iluminada (na minha ignorância, confesso que não reconheci o lugar), beijando-a apaixonadamente? É a capa do meu perfil, veja lá. Viu o sorriso dela? Típica cena de filme de Hollywood! O que terão sentido, ao vê-la, esses que falsamente cultuam a família como valor?

A solidariedade é outro elemento de inveja. Solidariedade é a filha madura da caridade, essa coisa que os cristãos inventaram para aliviar a alma e o peso na consciência dos que muito têm e nada, ou quase nada, querem repartir. Solidariedade é o nobre sentimento que inspira um governante a criar um programa que tira mais de trinta milhões de pessoas da linha da miséria, que salva vidas, que leva um mínimo de dignidade às famílias, sem que elas precisem mendigar uma ajuda nos semáforos ou nas portas de restaurantes e igrejas à espera da caridade dos que vão à missa ou ao culto fingir-se de cristãos.

Integridade, tenacidade, sabedoria, inteligência, respeito à família, amor ao próximo e ao distante. Lula reúne todas essas qualidades. É muita coisa boa num homem só. Ele não pode ser real. Se é, como de fato é, eles o odeiam. E o odeiam visceralmente, porque o invejam e estão conscientes de que não conseguem e jamais conseguirão alcançá-lo.

Luís Antônio Albiero, 5 de fevereiro de 2017.

https://www.facebook.com/luis.albiero

31/12/2016

Os Estertores de um Desertor

Juanito deixou Cuba quando mal houvera completado vinte anos. Cedo avaliara que a vida lhe reservava algo mais emocionante do que passar sete, oito horas seguidas ouvindo inflamados discursos del comandante.

No ardor da rebeldia juvenil, chegou a esboçar uma ou outra investida contra o regime de Fidel, mas sucumbiu. Passou a alimentar o sonho de viver em solo americano, como alguns de seus amigos de colégio haviam ousado tentar, com êxito. Resoluto, seguiu-lhes os passos. Fez o perigoso percurso dos desertores e migrou para os Estados Unidos, onde permaneceu clandestino por muito tempo. Conveniências políticas, porém, facilitaram-lhe a vida, tornando regular sua permanência no país de Tio Sam, Tio Patinhas e dos Três Patetas.

Trabalhou com o afinco com que um latino-americano sabe trabalhar em terras ianques. Cresceu na profissão a ponto de montar negócio próprio, que lhe proporcionou uma pequena fortuna. Entregou-se às inteiras à sedução capitalista, o que o fez gozar prazeres que jamais teria tido em seu país natal. É verdade que se desinteressou pela política insular, mas manteve-se fiel ao anticastrismo juvenil.

Casou-se com uma compatriota, Regla, também fugitiva, que lhe deu cinco hijos. Juanito fazia à esposa constantes e sinceras juras de amor; porém, nunca foi verdadeiramente capaz de se ajustar às rígidas regras do matrimônio. Quando amigos expressavam desconfiança de suas múltiplas aventuras amorosas e lhe cobravam fidelidade, ele costumava sair-se com uma frase assaz enigmática:

- Soy fidel, pero no soy castro!

Tantas foram suas desandanças que um combinado de derrame cerebral e infarto do miocárdio veio colhê-lo ainda em pleno regozijo da idade do lobo. A vida tem dessas coincidências. Ao mesmo tempo em que Juanito agonizava incógnito num quarto de uma clínica particular de Nova York, os jornais pelo mundo afora estampavam Fidel Castro esboçando sorrisos ao lado de Hugo Chávez num hospital público de Havana, fingindo convalescença.

Pressentindo o desfecho indesejado, Juanito quis porque quis que lhe arranjassem uma bandeira de seu torrão natal. Não queria partir desta para melhor (nunca compreendera por que haveria de ser melhor estar a sete palmos do chão...) sem que primeiro pudesse demonstrar todo amor que ainda nutria pela pátria que o vira nascer. Queria, enfim, poder dar um beijo num estandarte de Cuba, antes que o instante fatídico pusesse tudo a perder.

Seus cinco filhos empenharam-se na busca do objeto do derradeiro desejo do pai. Em plena era Bush, porém, estava difícil encontrar um pavilhão cubano em território americano. Foi então que apareceu uma compatriota, una cubanita mui hermosa, que afirmava ter a tal bandeira tatuada nas nádegas.

Acertadas as bases contratuais, ela compareceu ao leito de Juanito no dia e na hora combinadas. Delicada e piedosamente, baixou as calçolas e deixou que ele lhe tascasse um beijo em seu belo traseiro. Foi um longo e apaixonado ósculo, naturalmente. Afinal, ele estava longe da pátria amada havia décadas.

Quando la chica levantava as calças com a dignidade de quem cumprira um dever cívico, imaginando que Juanito estivesse satisfeito, eis que este começou a suplicar-lhe:

- ¡Ahora vira! ¡Vira! ¡Por favor, vira-te!
- ¿¡Que pása!? – indignou-se a garota. ¿Usted no deseaba solo besar el estandarte de Cuba?

- ¡Si, si! – respondeu o ávido e impávido Juanito. ¡Pero ahora – explicou – deseo también dar uno patriótico beso en la face socialista de camarada Fidel!

A garota tanto que relutou, heróica, mas resolveu ceder às súplicas do moribundo e lhe deu enfim a outra face. Foi quando Juanito deparou-se com um portentoso charuto cubano devidamente aceso. Não resistiu. Foi fulminante.
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Publicado originalmente no blog "Crônicas do Falsíssimo", em 19 de fevereiro de 2007

A Inclusão Digital de Terêncio

Quando Terêncio completou quarenta anos, seu compadre Luís Fernando falou alto, em pleno churrasco de comemoração do natalício, diante da esposa, filhos, amigos, da parentada toda:

- Ê, Terêncio, é chegada a hora de te inscreveres num programa de inclusão digital!

Acostumado à lida dos pastos, ao trato de bezerros e de touros, homem que aonde chegava despertava a atenção por recender a estrume de vaca, Terêncio não entendeu. Teve um princípio de vergonha, mas venceu-a e perguntou:

- Mas que diacho é isso, tchê?

Luís Fernando não se fez de rogado e disparou, sem medir o vexame a que submetia o compadre:

- Inclusão digital, oras! Terás que ir ao médico, que introduzirá um dígito no miolo de ti!

Foi uma gargalhada geral. Enrubescido, Terêncio dessa vez engoliu a seco e deliberou não escancarar sua ignorância. Sua esposa Elis, entendida e constrangida, adiantou-se em concordar com o compadre e se comprometeu a agendar consulta com um especialista, que o próprio amigo indicara.

Na data aprazada, Terêncio compareceu ao consultório do Doutor Avamileno. Chegou até ali sem saber ao certo de que se tratava a tal inclusão digital. O médico, um bonachão duns sessenta anos, cabelos inteiramente grisalhos, que clinicava nos pampas desde o início da carreira, apareceu à porta da sala. Exibindo um sorriso maroto, fez com o indicador direito o peculiar movimento para chamar o paciente.

Terêncio entrou sozinho. Olhou suplicante para Elis, mas a mulher achou que seria constrangedor acompanhá-lo.

- Te abanque, índio velho! – disse o médico paulista, imitando o sotaque e o linguajar próprios do lugar.

Um tanto ressabiado, o paciente sentou-se diante da pequena escrivaninha. O doutor procurou tranqüilizar Terêncio, explicando-lhe que seria apenas um toque e o quanto o exame era importante para prevenção do câncer na próstata. Dito isso de maneira sucinta, ainda incompreensível para o criador de gado, recomendou a ele que fosse para trás do biombo e ali trocasse toda a roupa por um avental azul.

Assim fez o pecuarista. De volta, o médico pediu a ele que, mantendo-se em pé, dobrasse o tronco sobre uma maca, de modo que suas nádegas ficassem em posição que facilitasse o exame. Bundinha arrebitada e atônito, Terêncio imaginou que o médico fosse aplicar-lhe uma injeção, decerto para coleta de sangue. Não viu quando o outro meteu uma luva de borracha na mão direita e a ajeitou especialmente no dedo indicador, que esticou para conferir que estava em ordem. Tudo evidentemente foi feito às costas do paciente.

Quando o médico introduziu o dígito, Terêncio soltou um “uuu!” doloroso, mas sua reação foi abafada pelo toque do celular do doutor. Mantendo o dedo em riste no lugar onde fora introduzido, o especialista atendeu a ligação segurando o aparelho com a outra mão, abrindo-o com a boca e apoiando-o no ombro esquerdo. Era sua filha, que recentemente obtivera licença para dirigir.

- Oi, filha! Tudo bem, meu amor?

Terêncio mordia os lábios e se contorcia, incomodado com o dedo que parecia penetrar-lhe a alma. O médico seguia impassível.

- Sei sim onde fica esse salão de cabeleireiro, filha. Onde é que você está? Hmmm, deixe-me ver. Você está vendo à sua esquerda o prédio da prefeitura, não?

Ao dizer isso, o médico moveu levemente seu indicador para o lado esquerdo. Terêncio suportou, mas não pôde conter uma primeira lágrima.

- Ótimo, ótimo! Então, filha, você vai passar pela frente da prefeitura e virar na primeira esquina à direita.

O dedo do médico seguia as orientações que ele dava à moça, agora em movimentos bruscos. Outras lágrimas escorreram pelo rosto de Terêncio.

- Em seguida, você vai andar por duas quadras e virar à esquerda!

E lá foi o dígito do médico, primeiro num movimento de duplo vaivém, depois girando para a esquerda.

- Isso, isso. Depois, você vira novamente à direita...

E o dedo girou na mesma direção.

- ...dá uma volta na praça...

Nesse momento, o médico desenhou no âmago de Terêncio um círculo, dando com o dedo uma volta de 360 graus.

- ...segue por mais uma quadra...

Fez um entra-e-sai derradeiro.

- ...e pronto! Chegou!

Num momento de profunda ternura, despediu-se da filha dizendo o quanto a amava e pôs-se à disposição para novas informações. Desligou o celular, e só então percebeu que Terêncio, antes tenso, agora estava relaxado e suando a bicas. Com o pescoço torcido e a cabeça voltada para trás, disse ao médico:

- Ah, doutor, dá mais uma voltinha na praça! Só mais uma voltinha, tchê!

Elis jamais entendeu por que o marido passou a fazer visitas quinzenais ao Doutor Avamileno.

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Publicada originalmente no blog "Crônicas do Falsíssimo" em 18 de abril de 2007

19/12/2016

Sim, Roubou

Muitas pessoas me acusam de fanatismo porque ouso caminhar na contramão do fanatismo delas próprias.

Por exemplo, elas costumam dizer que têm certeza (convicção...) de que Lula roubou.

Nessas horas, eu costumo dizer a elas - cuidando para não as ofender - que o acusam certamente porque sabem de fatos criminosos e dispõem de provas, porque não posso partir do pressuposto de que ajam com leviandade.

Então, para que não sejam ou não se comportem como levianas, recomendo-lhes que sejam patriotas, que tomem uma atitude cívica, que comuniquem os fatos e encaminhem as provas ao MPF ou à Polícia Federal, que andam louquinhos para botar Lula atrás das grades.

Ultimamente, já de paciência perdida, tenho-lhes dito o seguinte, em "concordância" com o que dizem, como fiz há pouco:

"Sim, roubou. Só deve estar esperando passar desta para melhor para, no além-túmulo, usufruir de toda fortuna que roubou. Ou talvez aguardar uma nova encarnação e se lembrar de onde enterrou o tesouro."

(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, aos 19 de dezembro de 2016)

02/12/2016

Caro Cara

Caros amigos, caras amigas, caríssimos e caríssimas caras.

Advertido por um faceamigo que, generosamente, me concedeu a inestimável lição de que é "esdrúxulo" um advogado tratar os amigos na respeitosa tribuna do egrégio Facebook de "cara", venho solenemente rogar a todos a quem um dia assim tratei minhas mais profundas e sinceras escusas por tamanha falta de respeito e esdruxularia.

Tudo começou com uma provocação do meu dileto e ínclito amigo, sobre meu suposto "chefe", que me fez enviar a ele a seguinte resposta (a segunda, porque na primeira resposta só o fiz ver que meu "chefe" talvez não fosse quem ele pensa que seja):

"Meu caro. Primeiro, quem você pensa que é meu chefe, lamento informar, não é meu chefe. Primeiro engano. Segundo engano, quem você pensa que é meu chefe está sendo investigado há quarenta anos, os Procuradores e juiz espetaculosos e midiáticos estão doidos para prendê-lo e não têm uma única razão qualquer para isso. Agora, se você sabe de algo contra quem você acredita que seja meu chefe, não perca tempo, preste esse grande serviço à nação, envie uma simples mensagem aos lavajatistas que têm até página na internet e assessoria de marqueteiro à disposição, relate os fatos que sabe, envie as provas que certamente só você tem. Sabe por quê? Eu vou dizer porque. É que esse seu comportamento parece coisa de gente leviana. E eu sei que você não é um sujeito leviano. Então, cara. Seja patriota! Envie!"

E ele me retornou o seguinte comentário, que me levou a este meu gesto, de pedir desculpas a todos os caras - ops! - a todas as caras pessoas a quem um dia chamei de "cara":