“Eu me lembro com saudade o tempo que passou", cantava o jovem Roberto Carlos na virada dos anos sessenta para setenta do século passado, hoje expoente da boa e velha guarda da MPB, versos que o eterno rei completava com o refrão "velhos tempos, belos dias".
O adjetivo "velho" tem diversas acepções. Quando dizem de mim, por conta dos cabelos em neve e à porta da idade que me outorgará a condição oficial de idoso, em geral assim tachado por gente com bem menos tempo de juventude do que eu, costumo dizer que torço para que a natureza contemple meu interlocutor com a bênção da velhice, esta mesma com a qual ele crê me achincalhar, porque a única alternativa a ela será uma experiência sobre a qual ele não estará aqui para contar como terá sido.
Noutra acepção, como na bela canção do rei hoje octogenário, "velho" traz à mente algo bom, agradável, reconfortante, nostálgico. Essa concepção acaba me deixando incomodado sempre que leio ou ouço o tratamento que se dá ao jornalismo cativo como "velha mídia". Soa fofo e pode despertar uma nostalgia que não corresponde à realidade. Quem, como eu, acompanha desde tenra idade a mídia brasileira sabe como ela se comportou nesses anos todos. Ela, de fato, envelheceu, e envelheceu muito mal.
Não a trato, por isso, por "velha mídia". Basta uma singela mudança de posições e tenho o que considero uma construção melhor: "mídia velha". Os canalhas envelhecem e isso se deu também com o jornalismo comandado por meia dúzia de famílias que dirigem a Casa Grande.
Hoje, porém, vi-me obrigado a atribuir outro qualificativo: maldita.
Lula deu uma longa entrevista à TV Brasil 247, serena, responsável, proveitosa. Falou de sua saga no combate pela redução dos juros, de seu empenho em criar empregos, da promissora viagem à China, dos vários programas sociais que vem implementando e que pretende realizar - um manancial de informações a serem exploradas pelos espectadores e pelos demais veículos de comunicação do país.
De uma entrevista de quase duas horas, a mídia velha destacou menos de dez segundos em que, em dado momento, o presidente permitiu-se rememorar o que dizia a procuradores que o visitavam na carceragem de Curitiba, lá entre 2018 e 2019. Quando lhe perguntavam se tudo estava bem, ele respondia que "estará bem quando eu ‘f***r’ o Moro". Contou isso com serenidade, rindo, depois de um momento de emoção ao relembrar a dor que o ex-juiz lhe impingira ao submetê-lo a um processo de desmoralização e destruição de sua imagem.
Processo que, a reboque, levou-lhe a esposa, morta por conta da hipertensão causada pelas mentiras que contavam Moro e a mídia velha sobre o marido e filhos. Que lhe custou não poder ir ao velório do próprio irmão e ter de ficar tempo mínimo no do neto de sete anos de idade. Que também levou à morte da indústria naval, à destruição da construção civil, de milhões de empregos, da economia nacional e do estado democrático de direito. E que ainda retirou da corrida presidencial o candidato que liderava as intenções de voto porque encarnava a esperança do povo brasileiro pela volta das tantas alegrias dos velhos tempos, dos belos dias de crescimento econômico, inclusão e ascensão social.
Moro promoveu a maior fraude eleitoral da história e, literalmente, “f***u” Lula e o Brasil.
Com muita perseverança e invejável capacidade de resiliência, contando com uma defesa judicial aguerrida e competente promovida pelo próximo ministro do STF Cristiano Zanin e equipe, Lula deu o troco. Desmascarou o juiz parcial e odiento que extrapolou todos os limites éticos e jurídicos para “f***r” o petista. Enfim, Lula, sem ultrapassar os limites do devido processo legal, praticou a justa vingança só admitida pela sociedade moderna se e quando praticada pelo Estado, que detém o monopólio punitivo, com plena observância das leis e princípios jurídicos. Assim foi que ele se vingou. E, realmente, “f***u” Moro.
Na entrevista, portanto, Lula referiu-se a um desejo e a uma promessa já cumpridas e apenas contou o que era sabido por todos, ou ao menos intuído. Quem, que não tenha sangue de barata, não diria em privado que gostaria de “f***r” um seu algoz de tal magnitude em semelhante situação? Quem, senão alguém que fosse capaz de flutuar acima dos demais seres humanos?
Lula é humano, demasiadamente humano, e por mais que pregue a paz e não guarde ódio, nem alimente espírito de vingança, tem também seus momentos de desabafo em que se dá ao luxo de exteriorizar resíduos de ressentimentos ainda não completamente cicatrizados.
A mídia velha, no entanto, teve a audácia de abrir a Moro e seu dalanholzinho amestrado tempos jamais concedidos a Lula quando estes o “f**iam” dia sim, dia também. Não bastasse, essa mesma imprensa comprometida com o capital e isenta de qualquer compromisso com a verdade e com a vontade popular ainda se deu ao desplante de atribuir a Lula a condição de “desequilibrado”, com ameaças até de “impeachment”.
Ora, ausência de equilíbrio revelou o hoje senador paranaense já ao tempo em que essa característica lhe era exigida por lei, por dever de ofício. Um desequilibrado político, então maldisfarçado sob a toga, que condenou o então ex-presidente por um crime inexistente, inocorrido, improvado. Que fez malabarismo jurídico para o condenar por corrupção passiva porque uma empreiteira “atribuiu” a Lula um certo imóvel que este recusou. “Atribuir” não corresponde a nenhum dos três verbos que tipificam o crime em questão (art. 317 do Código Penal), que são “solicitar”, “receber” ou “aceitar” (a promessa de receber) vantagem indevida (propina; no caso, o tal apartamento tríplex no Guarujá). Lula não “solicitou”, não “recebeu”, nem “aceitou” promessa alguma, mas o canalha togado afirmou, na sentença, que o condenava porque a OAS havia “atribuído” o imóvel a ele.
Insuficiente o fundamento, ainda assinalou na mesma sentença que o condenava por “atos de ofício indeterminados”. Incapaz de apontar um ato de ofício ou uma omissão em relação a dever de ofício que Lula houvesse praticado ou deixado de praticar para favorecer a OAS de modo a justificar o apartamento “atribuído” a ele – uma exigência do tipo penal –, o canalha apelou para a indeterminação dos atos.
Ainda carente de sustentação sólida e vendo que não havia como caracterizar a posse do imóvel pelo ex-presidente, muito menos a propriedade do imóvel em favor de Lula, porque escritura não houve, porque registro imobiliário não houve, porque desfrute do imóvel não houve (nem por si, nem por outrem), o mesmo canalha recorreu à criatividade e inventou uma tal “propriedade de fato”, que não é propriedade, nem posse, nem coisa alguma.
Canalha, canalha, canalha! Três vezes canalha, como disse Tancredo Neves ao presidente da Câmara que cassou o mandato de João Goulart em 1964 por estar “ausente do país” num momento crítico, quando na verdade Jango se encontrava no interior do Rio Grande do Sul. Algo parecido com o que se tentou fazer em 8 de janeiro deste ano, sem sucesso, quando a Democracia brasileira foi salva graças à tecnologia do whattsapp e à argúcia do ministro Flávio Dino, experiência – a de 1964 – que pode voltar a se repetir durante a viagem de Lula à China. Mantenha-se alerta, ministro!
Mas três vezes canalha não é a medida exata de Sérgio Moro. A despeito de ter sua vida salva por uma pronta, eficiente e competente ação da Polícia Federal do governo republicano liderado por Lula, sob a batuta do ministro Dino, o ex-juiz suspeito e sempre canalha aproveitou-se da fala do presidente da República para atacar quem salvou a si e à sua família. Um ingrato, um desalmado, um injusto e, sobretudo, ele sim, um desequilibrado, porque foi à mídia velha dizer que ao mencionar que, no passado, Lula alimentava o desejo já realizado, o presidente estaria terceirizando aos seus seguidores a tarefa de promover algo grave contra o atual senador e familiares, associando a fala aos planos da quadrilha do PCC. Algo surreal e desconcatenado que não resiste a um raciocínio minimamente lógico e inteligente, mas faz todo o sentido para os que habitam a terra plana em constante estado de desequilíbrio emocional e cognitivo.
E com maior desequilíbrio agiu o ensandecido ex “preocupador da República”, aquele que seguiu o exemplo de seu “coach” de toga e também abandonou carreira jurídica sólida para aventurar-se no terreno movediço da Política, o ungido das faces róseas a quem foi concedido espaço e tempo igualmente longos na mídia velha para associar a fala de Lula à quadrilha desbaratada e presa pela Polícia comandada, em última instância, pelo atual presidente.
Um bando de canalhas desequilibrados que arruinaram a própria biografia e hoje estão desesperados por conta de sanções que vêm sofrendo por parte do CNJ e do TCU, por conta dos excessos cometidos. Dallagnol chegou ao cúmulo de caracterizar o CNJ, o TCU e o presidente da República como extensões do “crime organizado” associado ao PCC. Isso em meio ao prende-e-solta do doleiro Alberto Youssef e às vésperas do depoimento do advogado Tacla Duran ao juiz Eduardo Appio, na próxima segunda-feira, com potencial para promover estragos irreparáveis à desmoralizada OrCrim da Lava Jato. O medo, de fato, leva a atitudes descontroladas.
E a quem a mídia velha resolveu tachar de “desequilibrado”? Exatamente ao presidente Lula, sobretudo depois que este, em nova entrevista, esta concedida “no meio da rua”, abriu os olhos da Nação para a armação do circo e do palanque que Moro resolveu montar juntando a frase dita ao Brasil 247 ao plano da quadrilha do PCC desvendado pela Polícia Federal. Logo Lula, que em cada aparição pública faz questão de frisar, com evidente sinceridade, que não guarda ódio no coração, que não age por vingança. Exatamente ele que havia acabado de dar um “pito” na companheirada radical de Pernambuco que, num evento da presidência da República, vaiou e deu as costas à governadora Raquel Lira só por ela ser do PSDB, que lá estava a convite do presidente, gestos que o reafirmam como estadista detentor de absoluto equilíbrio.
Ao longo desses anos todos em que atacou desmedidamente Lula e o PT, a mídia velha deixou cravado na História do jornalismo brasileiro o quão desequilibrada é capaz de ser e, de fato, foi e continua sendo. Mídia velha, carcomida e maldita! “Apesar de você”, como segue cantando outro ícone da velha guarda da MPB, é pelas mãos do seu “desequilibrado” Lula que estão retornando todas as alegrias dos belos dias, dos bons e velhos tempos.
(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, aos 25 de março de 2023)