06/09/2023

A Língua Solta de Lula

O que não falta neste mundo é gente minúscula que ostenta a pretensão de desmoralizar o presidente Lula por qualquer motivo. Um sopro do presidente que soe como um "a" é suficiente para assumir proporções gigantescas, ao gosto e interesse dos que se dedicam a policiá-lo.

O episódio mais recente foi a declaração que ele fez, na "entrevista com o presidente" que deu ao jornalista Marcos Uchoa na manhã desta terça-feira, 4. Indagou ele se, quem sabe, talvez, será que não seria melhor que os votos dos ministros do STF fossem sigilosos.

Lula expressava preocupação com a segurança dos ministros. Ele falava especialmente da agressão que os fascistas de Santa Bárbara D'Oeste praticaram no aeroporto de Paris contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Falava também sobre a postura do Inominável que, num 7 de Setembro recente, dirigiu pessoalmente duras agressões verbais ao mesmo Alexandre de Moraes, a quem chamou de "canalha" diante de uma multidão de seguidores. Cego-idores, como costumo chamá-los. O diarreico verbal ex-presidente chegou mesmo a dizer que jamais cumpriria uma ordem exarada pelo dito ministro do STF. Na prática, incitou seus insanos adoradores a adotarem toda e qualquer forma de violência contra Moraes e contra quem quer que pudesse representar freio às suas diatribes.

Lula, ao fazer a cogitação que fez, tinha em mente também a pressão que a Globo e o resto da mídia corporativa fizeram no seu próprio caso, incensando o juiz incompetente e parcial que o julgou em Curitiba a ponto de transformá-lo em heroi nacional de pés de barro. Falava da superexposição de juízes, desembargadores e ministros durante toda a malfadada Lava Jato. Falava, com certeza, do "tuíte" que o general Villas Boas atirou como um canhão nas fuças do STF, lido no Jornal Nacional enquanto os ministros julgavam um habeas corpus que poderia tê-lo livrado da prisão em 2018. Rosa Weber que o diga.

O presidente não é jurista. Não conhece as filigranas jurídicas. Não tem obrigação de conhecer cada vírgula das infinitas leis e normativos que conformam o ordenamento jurídico nacional. Não tem sequer obrigação de conhecer cada milímetro cúbico do volume formado pelas famosas "quatro linhas" que enquadram a Constituição.

É verdade, a ideia de votação sigilosa por juizes vai de encontro com o que estabelece a Constituição brasileira, cujo art. 93 estabelece, em seu inciso IX, que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos". Não seria possível, portanto, à luz desse comando constitucional, que se instituísse um sistema de votação sigilosa para os ministros do STF ou para qualquer juízo ou tribunal do país.

Mas, alto lá. A uma, o disposto no art. 93 não constitui "cláusula pétrea" da Constituição. Logo, o mencionado dispositivo é, sim, passivel de modificação, até mesmo para adotar o mecanismo que Lula nem ao menos chegou a propor, já que ele apenas conjecturou como uma eventual possibilidade.

A duas, essa mesma Constituição traz, sim, em seu próprio bojo uma hipótese de votação judicial sigilosa: está lá na alínea "b" do inciso XXXVIII do art. 5°, que a estabelece para preservar a soberania dos vereditos emanados do tribunal do júri, exatamente para garantir a imparcialidade e a segurança dos jurados, cidadãos investidos da condição de juízes.

E nem seria novidade, no âmbito de uma corte constitucional, pois assim é nos Estados Unidos. Lá, em regra, os juízes da Suprema Corte votam em sigilo.

A fala de Lula teve o mérito de acender um debate para lá de urgente e necessário, que diz respeito à superexposição dos membros do Poder Judiciário, a qual os torna presas fáceis de uma mídia cada vez mais ávida por ditar os rumos do país, sejam sociais, políticos e até mesmo jurídicos. E que, em tempos de ódios acirrados, torna-os fragilizados, sujeitando-os a que qualquer cabeça-de-bagre possa meter-se a enfrentá-los em ambientes públicos e mesmo sob vigilância de câmeras de segurança e aparelhos celulares.

Lula, ele sim o verdadeiro herói nacional que, enfrentando leões e dinossauros, segurou na unha a Democracia brasileira que escorria pelo ralo. Não será, portanto, a maledicência dessa gente chinfrim que o abalará.

É uma pena que, ao invés de debatermos com seriedade as percepções, ainda que por vezes equivocadas, mas na maioria pertinentes, dessa lenda viva da História brasileira, gastemos energia e nos percamos na atmosfera insalubre das fofocas de salão.

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Jacareí, SP, aos 6 de setembro de 2023)


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13/08/2023

Não Precisava, Ministro

Estive vendo a enxurrada de comentários e respostas dadas a um tuíte do ex-ministro do Trabalho, ex-presidente do TST, meu conterrâneo Almir Pazzianotto Pinto, pessoa por quem tive a honra de ser recebido em seu escritório em São Paulo, em 2004 - às vesperas de eu assumir o cargo de assessor jurídico da Liderança do PT na Alesp -, ocasião em que ele me disse, para minha surpresa e alegria, que era leitor dos meus escritos no saudoso jornal "Dois Pontos - Capivari", do qual fui um dos sócios fundadores.

Almir postou no antigo Twitter, hoje apenas o enigmático "X" (eita, Elon Musk!), uma crítica ao ministro Flávio Dino por este ter "determinado a invasão à residência de um general de quatro estrelas" - o que, por evidente, passa longe de ser verdadeiro.

Sem perceber que a bobagem do amigo ex-ministro já havia tido grande repercussão, inclusive com nota do próprio Flávio Dino, eu postei um comentário, muito constrangido, em que explicava a ele que a polícia federal só "invade" casas em atendimento a ordem judicial. Coisa básica. Qualquer estudante de Direito de primeiro semestre sabe que a casa é o "asilo inviolável do indivíduo", que só pode ser penetrada por determinação judicial ou em situações excepcionalíssimas previstas na própria Constituição, como flagrante delito ou desastre.

Em seguida, inspirado num comentário do Yuri Carajelescov, fiz nova intervenção para dizer que a postagem dele, ex-ministro, jurista renomado e respeitado, contribuía para fomentar uma "feiquinius", a de que a ação da polícia federal teria sido ilegal.

Por fim, comentando uma resposta que a ele havia dirigido uma pessoa conhecida, Dirce Perissinotto, aduzi que imaginar que o governo Lula pudesse mesmo determinar a invasão de qualquer casa era desconhecer que hoje os tempos são outros, em que a Polícia Federal age de modo estritamente republicano - reconhecimento que, se bem o conheço, ele jamais fará.

Lembrei-o de que quem pôs a mão pesada do Estado brasileiro no pescoço de um pobre porteiro havia sido outro ministro da Justiça, o quase finado Sérgio Moro, exatamente para dar sumiço a provas e testemunho do aparente envolvimento do então presidente da República, Jair BolsoNero, no assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson.

Enfim, lendo um a um os comentários, a enxurrada de respostas, cheguei à conclusão de que o ministro Almir Pazzianotto bem poderia ter-se abstido de se expor a tamanha vergonha pública.

A biografia dele não merecia esse capítulo derradeiro. Que tristeza.

(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, aos 13 de agosto de 2023)


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20/07/2023

32 Anos de Dias e Noites do Meu Bem

Esses meninos do vídeo são os "Seresteiros de Capivari". 

O jovem do violino é o consagrado Vitor Priante, que, como noticiei há pouco, faleceu ontem, 20 de julho, aos 92 anos de idade. 

O do violão é Denizart Fonseca, de Rafard, levado pela Covid em 2020 aos 94 anos de idade. 


Os dois bebês, o do pandeiro e o do trombone,  não conheço ou não estou reconhecendo.

Ao piano está Miguel Ângelo Annicchino, o saudoso "Miguelito", falecido em 2017, aos 75, que registrou em sua carreira dois momentos importantes. O primeiro foi quando se apresentou no teatro municipal do Rio de Janeiro (se eu não estiver enganado; pode ser que tenha sido no de São Paulo, mas à lembrança me vem o do Rio).


O segundo, foi em 20 de julho de 1991, quando, para minha surpresa e de Luciana, ele tocou e cantou em nosso casamento, na cerimônia religiosa realizada na igreja de São João Batista de Capivari. 

Alguns anos depois fomos ao casamento da irmã de uma amiga de república de Luciana, quando ambas estudavam na Unesp de Rio Claro. As irmãs eram de São Bernardo do Campo, cidade onde se realizou a cerimônia. Ao chegarmos ao salão de festas, outra surpresa. Miguelito, ele mesmo, era o músico e cantor da festa! 

Surpresa maior: a festa estava repleta de capivarianos e rafardenses, parentes do noivo, cuja família tinha suas origens em Rafard. Eita mundo pequeno!

Enfim, tudo isso só para deixar registrado que ontem, 20 de julho, fez 32 anos que Luciana aguenta este tormento em sua vida. Não é fácil ser casada com este que vos tecla, e por tanto tempo!

Fiz questão que a canção principal da cerimônia religiosa do nosso casamento fosse "A Noite do Meu Bem", de Dolores Duran (eu jurava, até hoje, até agora há pouco, que era de Milton Nascimento), que Miguelito executou de forma magistral. Havíamos contratado nossa amiga Ana Maria Giacomini Ferraz para essa tarefa, mas desconfio que ela "tramou" para nos presentear com a exibição do renomado pianista.

Hoje, eu quero a rosa mais linda que houver e a primeira estrela que vier para enfeitar a noite do meu bem.

Hoje, eu quero a paz de criança dormindo e o abandono de flores se abrindo para enfeitar a noite do meu bem.

Quero a alegria de um barco voltando, quero a ternura de mãos se encontrando para enfeitar a noite do meu bem.

Ah! eu quero o amor, o amor mais profundo. Eu quero toda beleza do mundo para enfeitar a noite do meu bem.

Ah! como esse bem demorou a chegar, eu já nem sei se terei no olhar toda pureza que eu quero lhe dar.

Amo você, Luluzinha. Beijos beijos beijos!

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=561477607287614&id=100002761381815&sfnsn=wiwspwa&mibextid=2Rb1fB








14/07/2023

A Turma da Maré Nada Mansa

Na minha passagem da infância para a juventude, entremeio dos anos 70 e 80, eu ouvia, por intermédio de um radinho de pilha que captava ondas curtas, um programa humorístico veiculado pela rádio Globo do Rio de Janeiro chamado ""A Turma da Maré Mansa"" (link nos comentários). Ia ao quintal de casa, à noite, para captar a transmissão, e ainda assim ouvia com dificuldade, entre interferências e falhas de sinal.

Formado por uma sequência de quadros vividos por comediantes por mim desconhecidos - eram vários e os nomes não eram anunciados -, o formato inspirou os programas de humor que àquela época já faziam sucesso na TV, especialmente na Globo.

Foi lá que nasceu, por exemplo, o célebre Saraiva, o sujeito nervosinho que não suportava perguntas imbecis. Não sei o nome do ator que emprestava a voz ao personagem, no rádio; sei, porém, que, levado à TV, foi encarnado pelo saudoso camarada piracicabano Francisco Milani. No rádio e na TV, a esposa Carolina perguntava ao marido, depois de uma crise de irritação, ""tá calminho agora, tá?"" E o Saraiva respondia: ""agora tô!""

Outro personagem marcante era um aluno de uma escola cujo quadro se iniciava com o locutor anunciando ""de Barroso a Burroso"". Não me perguntem o nome do comediante, pois também não faço a menor ideia.

Este segundo quadro me veio à lembrança por conta do que aconteceu ontem, no Congresso da UNE, em que o ministro Luís Roberto Barroso, valendo-se de sua mortal condição de cidadão brasileiro, discursou que ""nós derrotamos o bolsonarismo, a extrema-direita"", além de outras sentenças pronunciadas nessa mesma linha.

Nenhum reparo a fazer, em princípio. Afinal, todo cidadão desta amada ""terra brasilis"" que seja portador de mais de um neurônio, tenha um pingo de consciência democrática, vergonha nas fuças e uma lasca de amor no coração diria o mesmo. Só que ele se esqueceu que não é um simples cidadão, como eu, como você, meu leitor, minha leitora. É ministro do STF e, ainda que não seja seu atual presidente, sua fala é institucional.

Claro que a turma da maré revolta não perdeu tempo. Até em impeachment do ministro já falam os sensíveis e magoados bolsonarentos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a arvorar-se em censor do supremo magistrado e lhe passou um pito em público, reforçando as especulações sobre o impedimento do iluminado falastrão.

Tenho para mim que Barroso não deu uma de Burroso e, sim, como o mexicano ""Chapolim Colorado"", seu movimento foi friamente calculado.

Barroso fez foi sua estreia no ambiente político ao discursar para uma plateia de estudantes. Até porque, que diabos haveria de fazer um membro dos píncaros do Poder Judiciário num congresso de estudantes? Não custa lembrar que ele foi nominalmente homenageado em incontáveis acessos de loucura pelo ex-inquilino do Palácio da Alvorada, inclusive com adjetivos dos mais chulos e acanalhados, e ninguém, por conta disso, aventou a hipótese de provocar a defenestração antecipada do despresidente da república, embora fosse o caso.

Por impeachment - do qual duvido - ou por frios cálculos dos passos que, a meu ver, pretende dar e voos que almeja alçar, Barroso decerto antecipará sua aposentadoria e deixará o conforto do cargo vitalício que hoje ocupa para enveredar pelo terreno movediço da política.

Duvido do impeachment do ministro porque o Brasil já amadureceu o suficiente para saber que deve desviar de rotas perigosas como essa, sobretudo passado tão pouco tempo de uma sequência de diatribes golpistas que o país vivenciou. Uma nova crise institucional é tudo de que não precisamos.

Quanto ao que disse Pacheco, como líder de uma casa politicamente plural como o Senado Federal - que detém a competência constitucional de promover o processo de impeachment de um ministro do Supremo -, mesmo não sendo ele um típico bolsonarento, deu por cumprido o papel que dele se exige de não deixar barato o infeliz pronunciamento do juiz da Corte dita excelsa. Depois da tempestade, é inevitável que venha a mansidão da maré.

O ministro Barroso cometeu uma grande bobagem, é certo, mas é inegável que o cidadão Luís Roberto lavou a própria alma e falou por milhões de concidadãos brasileiros.

Aos Saraivas deste imenso Brasil, profetas do caos, pergunto se já estão calminhos. Agora estão?

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Jacareí, SP, na madrugada de 14 de julho de 2023)


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05/07/2023

Agora, Agorinha Mesmo

O pastor V. Adão Veladão contou aos seus fiéis, em um culto da igreja Balística da Ladainha transmitido para o Brasil a partir do Estados Unidos, que teve um papo-cabeça com Deus.

Segundo revelou o célebre tonsurado, o Altíssimo determinou a ele que, cheio de amor ao próximo e Jesus na veia e no coração, extermine os homossexuais de todo o país.

O autoproclamado Todo Poderoso teria dito ao eclesiástico que não poderia Ele mesmo praticar tal mortandade, pois prometera para Si próprio que, desde que patrocinou o dilúvio e mandou um arco-íris no "gran finale", não mais cometeria tais atrocidades, daí a razão de terceirizar a tarefa.

V. Adão Veladão estranhou a terceirização de um genocídio dessa magnitude e apelou para o instituto jurídico da "quarteirização". Imediatamente, repassou a missão para o exército de anjos, arcanjos e marmanjos formados por piedosos membros de sua igreja.

Ao anunciar ao público a transferência da responsabilidade, o clérigo gospel observou um incômodo silêncio na escuridão da plateia e disse: "vocês não pegaram. Agora é com vocês!"

Foi então que V. Adão Veladão contraiu o próprio corpo, soltou a munheca direita, deu um gritinho de "aaai", um pulinho bem maneiro de arrebatar o bumbum e disse "que absurdo, bofe!" (foto).

E repetiu, enfatizando que a obrigação divina "agora está com vocês".

Indagado pelo repórter Bohn Badão da FEIXnews sobre o gritinho aviadado que havia dado, V. Adão negou que tivesse vindo dos porões de seu próprio espírito, onde mantém acorrentado o menino mariquinha que ele vem tentando assassinar desde sempre.

A reportagem da FEIXnews perguntou então ao pai de V. Adão, Houtro Veladão, se o filho alguma vez teria dito ter sentido, em algum momento, atração por pessoa do mesmo sexo. "Agora, agorinha mesmo", respondeu o sumo pontífice da igreja Balística da Ladainha com um enigmático sorriso (foto).

O repórter Bohn Badão foi aconselhado pelo diretor de redação da FEIXnews a deixar o local o mais rápido possível. Mais detalhes assim que o fogo do pastor apagar.

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(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Jacareí, SP, aos 5 de junho de 2023)


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30/06/2023

Sorte o Sirva

“Sorte ele, seu juiz! Sorte ele, dotô!”, esgoelava meu amigo de Capivari, o Nivardo, gente dos Borba, caprichando no gostoso sotaque característico de cá dos lados de Piracicaba.

O Nivardo assim berrava em um dia em que esteve na vigília, em Curitiba, defronte o prédio da polícia federal. Fazia sol e uma revoada de marrecos cruzava os céus da cidade onde o então ex-presidente fora confinado pelo juiz que, em seu linguajar também peculiar, falava e ainda fala “conje”, “cupção” e “depedrar”, dentre inúmeros outros estranhos vocábulos de uma língua à qual um ministro designou como “morês”. “Muito semelhante ao português”, explicou o supremo malvado favorito.

Por mais que o Nivardo arrebentasse a própria goela e estourasse os tímpanos dos circunstantes, o fato é que o juiz ladrão não “sortava” o ex-presidente.

Água mole e berro caipira tanto batem que um dia chegam ao Supremo Tribunal Federal. Lá, finalmente, outro ministro, também paranaense, depois de tanto fazer ouvidos moucos ao advogado noivacolinense, eis que se mostrou todo ouvidos às súplicas do meu conterrâneo. E o preso político foi “sorto”. Graças, evidentemente, ao meu amigo, o Nivardo Borba e seus berros d’água.

O político, que da cela ouvia com alguma dificuldade os brados de “sorte, sorte” do Nivardo, tomou-os como uma bênção e se tornou, de fato e de direito, um homem de sorte. E bota sorte nisso. Tanta sorte que assim que foi “sorto” ganhou a eleição e conquistou seu triplex, seu terceiro mandato presidencial.

Mal tomou posse e já de cara teve de enfrentar uma tentativa de golpe de Estado. Conseguiu evitá-lo, segurando na unha a Democracia que escapava como touro bravo. Puro golpe. De sorte, claro.

No sexto mês de seu governo, por sorte o país já respirava aliviado. Por sorte, os preços começaram a baixar. Por sorte, o dólar iniciou um movimento de queda vertiginosa. Por sorte, o Congresso aprovou o arcabouço fiscal. Por sorte, tudo começou a dar certo, pondo fim e cabo aos seis anos de temeridades, destruição e azares bolsonarentos (toc, toc, toc na madeira, mangalô três vezes!!!).

Os jornais passaram então a registrar em editoriais e manchetes de primeira página que todos os avanços, todas as conquistas, eram pura sorte. A Globo News, o Merval e toda a mídia de cativeiro só falavam nos bons fados, nos bafejos benfazejos do destino que passou a nos sorrir.

A inflação em baixa, sorte. Os empregos e os salários em alta, sorte. Os descontos nos carros populares, sorte. A picanha e a cerveja de volta aos finais de semana, nada mais do que sorte.

Foi por sorte que o Brasil recuperou sua imagem e seu lugar de destaque na geopolítica internacional. Por sorte foram conquistados bilhões de dólares para socorrer a Amazônia.

Descobrimos que somos um povo de sorte, de muita sorte. Que, no caso, tem nome e sobrenome. Atende por Luiz Inácio Sorte da Silva. Temos a sorte de o termos vivo e forte na presidência da República, já pela terceira vez e a caminho da quarta.

Sorte maior, digo no entanto, a bem da justa justiça e da verdade verdadeira, é termos o Nivardo Borba, o caipira cá de Capivari, que tem tudo a ver com essa “sorte tuda”.

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, aos 30 de junho de 2023)


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23/06/2023

Plot Twist

Era uma vez um juiz de certa capital agrícola de um modesto estado de seu país que tinha por esporte predileto maltratar advogados com os quais interagia nas lides judiciais.

Muito vaidoso, deu-se conta o pretor, certo dia, de sua insignificância. Inconformado, resolveu projetar seu nome empreendendo perseguição logo ao líder político mais amado da nação. Tal empreitada tornou-o, de fato, conhecido por todo o país e pelo mundo afora.

O juiz humilhou o líder mais amado, a quem condenou e mandou prender sem crime nem prova alguma, e, com o advogado deste, praticou o esporte de sua preferência.

Por tal proeza, passou o magistrado a ser tratado como herói nacional. Além da fama, amealhou muito capital promovendo palestras para ricos empresários em que expunha o seu cativo como se este fosse um ser humano exótico, a exemplo dos selvagens que, em séculos recentes, eram apanhados de tribos da América do Sul e da África e exibidos como monstros em espetáculos públicos na Europa.

Com seu modo peculiar de exercer a magistratura, sem qualquer limite ético ou legal, abriu e pavimentou o caminho para a eleição, ao cargo de presidente da República, de um opositor de seu enclausurado, um sujeito desprovido de qualquer brilho, espécie de palhaço sem graça conhecido por suas diatribes e verborragia extremista.

Eleito o adversário de seu prisioneiro, o juiz ofereceu ao vitorioso a própria alma, com a condição de que em retribuição lhe fosse concedido ascender à excelsa judicatura.

O presidente recém-empossado levou-o então para o seu governo. Deu-lhe status de ministro e muito poder, com promessa de conduzi-lo ao tribunal mais elevado do país. Não tardou, porém, para tratá-lo como cão sarnento e dar-lhe um insultante chute no traseiro.

Ainda assim, o ex-juiz, como cachorrinho desprezado pelo dono, para ele voltou correndo, rabinho entre as pernas e a cara pidonha dos animaizinhos carentes de afeto e ração. Com auxílio envergonhado do antigo dono e ainda valendo-se da fama que obtivera com a prisão do líder mais amado da nação, o venal ex-magistrado acabou eleito senador por seu estado de origem.

Já o mais amado, por conta das injustiças que contra si empreendera o ex-juiz, eis que fora enfim libertado da masmorra em que estivera confinado. No primeiro pleito seguinte, derrotou seu opositor e foi novamente eleito presidente da República. Logo indicou, para ocupar vaga na corte suprema, o seu próprio advogado, o mesmo que com galhardia e competência houvera enfrentado as arbitrariedades do antigo herói de renome internacional e pés de barro.

Para valer a nomeação, todavia, o advogado teve de se submeter a uma sabatina no senado, como determinava a Constituição.

Quis o destino que o primeiro a lhe dirigir perguntas fosse exatamente o cachorrinho, agora elevado à condição de senador da República, graças ao apoio do Calígula dos trópicos defenestrado da presidência, embora ele próprio prestes a perder o cargo em razão das ilicitudes que cometeu no trânsito entre a magistratura e a política.

Na câmara alta do Parlamento, o Incitatus tupiniquim, em sua versão canina, emitiu uns grunhidos, uns latidos tímidos, mais próximos do grasnado abafado de marreco, aos quais o fleumático advogado respondeu com argúcia e respeitosas sutilezas, esbanjando sabedoria. Para desalento do parlamentar que abdicara da toga em busca do sonho supremo, o causídico teve seu nome aprovado por ampla maioria dos senadores.

Plot twist: o cachorrinho, que tudo fizera para alcançar seu desejo de chegar ao tribunal mais importante da federação, eis que acabou atuando como coadjuvante na cena final em que ao cargo por ele almejado ascendeu justamente seu desafeto, a quem, em passado recente, houvera tratado como rábula ordinário, com imenso desprezo, desrespeito e humilhação.

Que baita enredo, que final inesperado! Que história sensacional!

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Jacareí, SP, aos 23 de junho de 2023)


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