05/03/2024

O Soltador de Palavras

Como quem soltasse gases ou fosse acometido de sudorese, ele soltava palavras. Era incapaz de represá-las em suas entranhas, tinha necessidade fisiológica de as libertar, fosse como fosse, estivesse onde estivesse.

Começou, como qualquer um, soltando as palavras pela boca. Na infância, ele as expelia por meio de correspondências que trocava com distantes desconhecidos; bem mais tarde, com o advento do computador e do celular, passou a evacuá-las por e-mail, por blogues, pelo Facebook e X-Twitter. Arrotava-as ao ar livre ou por microfones. Preferia os meios que as levassem mais longe, para que mais pessoas pudessem senti-las. 

Escrevia versos e frases soltas em guardanapos de papel, que esquecia em bares, lanchonetes, restaurantes, ou espalhava pelos bancos de ônibus, praças e igrejas. Poltrão, todavia, não foi capaz de ceder ao desejo de pichá-las no alto dos prédios, tampouco em paredes e portas de banheiros.

Por algum desarranjo intestino, era um soltador de palavras compulsivo. Sonhava, entrementes, poder um dia aprisionar as palavras que excretava sem método e as confinar num livro.

Um dia, enfim, decidiu buscar ajuda de profissionais. 

(Perdoem-me se conspurco o ambiente)

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Escrita e postada originariamente no grupo de alunos do curso "Escrita Criativa", ministrado pelo escritor Tiago Novaes

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25/01/2024

A Pequena São Paulo

A primeira vez que fui a São Paulo foi para retirar meu “RG”, o registro geral do qual se origina a cédula de identidade, documento com foto que se presta a provar que eu sou eu. Precisava do número para anotá-lo na inscrição para o vestibular da Fuvest, e com urgência, em razão do prazo. O despachante Corimba, de minha cidade, recomendou procurar um congênere que atendia no número 51 do Largo Paiçandu. Não me lembro do nome dele, mas era um dos integrantes dos "Demônios da Garoa", grupo musical que representa com fidelidade a "terra da garoa" - suponho que fosse o Ventura Ramirez, conterrâneo nascido no distrito de Mombuca em 1939.

Eu tinha de dezessete para dezoito anos – ainda menor, portanto – e fui acompanhado de minha mãe, que havia residido na capital paulista do início da idade adulta até casar-se, em fins de 1962. Fazia, portanto, em torno de vinte anos que ela não ia até a maior cidade do país. De todo modo, ela conhecia mais do que eu.

Até então, eu conhecia São Paulo apenas pela televisão, desde que acompanhei a transmissão do incêndio do edifício Joelma, em fevereiro de 1974, a inesquecível tragédia em que as pessoas em desespero atiravam-se para a morte, ao vivo e em rede nacional.

A primeira visão que tive da cidade, no entanto, foi a de uma rua escura, à noite, com as luzes dos postes acesas. Era uma bela imagem que estampava a folhinha de calendário do ano 1971 que meu tio mantinha afixado à vista da freguesia, em alguma prateleira do boteco em que eu trabalhara desde então, na flor dos meus sete anos de idade. A legenda informava tratar-se da avenida Nove de Julho, em cujo inicio fica o mesmo edifício Joelma. Aquela ilustração cravou em meu imaginário a impressão de que a capital dos paulistas era uma cidade sombria; ainda assim, a cintilância das lâmpadas ligadas exercia em mim uma espécie de atração que eu não era capaz de compreender.

Voltamos, posteriormente, eu e minha mãe, para minha posse no cargo de escrevente, em 1983, e, um ano e meio depois, para meu ingresso no Banco do Estado de São Paulo, o extinto Banespa, hoje transformado em Santander. Servi como escrevente, pelo curto período, junto ao fórum de Piracicaba e fui, por seis anos e meio, escriturário e caixa do Banespa na agência de minha própria cidade, o que me aliviou os custos com viagem e almoço em restaurantes piracicabanos.

Seis anos depois, aprovado para o cargo de advogado do banco, vi-me na contingência de me mudar para São Paulo. Eu já era vereador em Capivari e, no início, precisei viajar diariamente entre minha cidade natal e a capital. No início de 1991, pedi licença à câmara e aluguei um apartamento na rua Maria Antônia, uma espelunca dotada de um fogão amarelo, velho e sujo, uma cama e um guarda-roupas povoado por baratas. Ficava num prédio defronte a rua Doutor Vila Nova, na vila Buarque – a uma quadra da Consolação, bem próximo do Mackenzie. No térreo, havia uma padaria.

Na primeira semana, tendo deixado, com desconfiança, as chaves com o porteiro, um sujeito magro, de bigode, cabelos desgrenhados e cara de safado, para que ele abrisse a porta quando chegassem os móveis que eu havia encomendado, fui premiado com um assalto. Ao chegar no apartamento à noitinha, notei a porta destrancada, só encostada. Abri e logo constatei que faltavam itens que havia trazido do interior. Como eram poucas as coisas que havia no muquifo, somente o que eu conseguira trazer como bagagem de mão, pois tudo o que comprara para a nova residência ainda não havia sido entregue, tomaram-me apenas um desodorante, um rádio-relógio, uma antiga máquina de escrever portátil e um barbeador elétrico que havia acabado de ganhar de presente de Luciana. Tivessem esperado mais um dia e teriam levado a pequena TV Phillips de vinte polegadas que eu comprara no Mappin no mesmo dia. Nesse mesmo magazine, hoje extinto, comprei um novo barbeador, para não decepcionar minha amada namorada, e uma máquina de datilografar semelhante à furtada, pela qual eu tinha alta estima.

O departamento jurídico do banco ficava no décimo primeiro andar do edifício da rua Doutor Falcão, onde hoje está sediada a prefeitura do município, um prédio quadrado que lembra a caixa-forte do Tio Patinhas em cujo teto há o famoso jardim suspenso. No dia em que me deparei com o furto ao meu apartamento, eu havia saído do trabalho e ido para casa a pé, acompanhado da colega Adriana, mas em geral tomava um ônibus urbano que saía da praça do Patriarca. Numa das primeiras viagens, passando pelo largo do Paiçandu, avistei pela janela um conhecido conterrâneo, um sujeito magérrimo, de barbicha, óculos pesadamente grossos, pernas tortas, parado num dos pontos de espera em posição de quem tentava enxergar o letreiro dos coletivos – com a mão cobrindo o alto dos olhos, como se tapasse o que restava de sol. Era o inconfundível Ardumanes, mas não tive como falar com ele, pois o vi de passagem e a larga distância.

Costumava caminhar com colegas pelo centro de São Paulo depois do almoço, no entorno do prédio em que trabalhávamos. Numa ocasião, enquanto atravessava o Viaduto do Chá com Rosélys, também colega advogada do banco, cruzei com quatro conhecidos de Capivari, seu Mário, jornalista, o professor Tarcísio, um de seus filhos e o cunhado, Cláudio. Conversamos brevemente, destacando o inusitado do encontro em pleno centro da capital paulista.

Às sextas-feiras, ao fim do expediente, tomava o metrô e ia direto do trabalho para a rodoviária, onde apanhava o ônibus das dezoito horas para minha amada terreola. Numa dessas, porém, os metroviários estavam em greve e, ao chegar à estação São Bento, deparei-me com um movimento muito intenso e desisti. Caminhei até a avenida Prestes Maia para tomar um táxi. Como eu, havia muitas pessoas no mesmo lugar acenando para taxistas, que não estavam dando conta da demanda. Conversando com algumas delas, não foi difícil encontrar quem também fosse para a rodoviária. Combinei com duas moças e um rapaz dividirmos o preço da mesma corrida. Fomos conversando animadamente durante o percurso, que se alongava em face do congestionamento inevitável. Conversa vai, conversa vem, ouvi uma das moças dizer que estava em cima da hora para pegar o ônibus para Capivari. Ao mencionar o nome da minha cidade, olhei espantado para o banco de trás. Mal podia crer que, em meio à multidão, no centro de São Paulo, eu encontrara uma conterrânea que se dirigia no mesmo horário para a terrinha, um município a cento e trinta quilômetros da capital, à época com menos de cinquenta mil habitantes.

Tomamos juntos o ônibus para a cidade natal, sentamo-nos em bancos contíguos e seguimos conversando. A moça contou que vivia com a mãe e um irmão, na capital, havia alguns anos, desde que a mãe, viúva e já em idade avançada, reencontrara seu primeiro namorado e, a partir de então, passaram a viver juntos. Achei curiosa a história dos namorados que se separaram na adolescência e, mais de trinta anos depois, vieram a se casar. Quis saber quem eram eles e, para nova surpresa, tratava-se de Miguel, o primo mais velho de minha futura esposa Luciana.

Pouco depois, já casados, mudamo-nos para o Itaim Bibi. Fazíamos as compras no Eldorado da avenida Pamplona, à noite. Em duas dessas vezes, encontrei no supermercado doutor Frank, juiz de direito de quem fora escrevente de audiências no fórum de Piracicaba, vizinha à minha Capivari. Cumprimentamo-nos e fiquei feliz por ter sido reconhecido pelo magistrado e a ele ter podido apresentar a minha esposa.

Um dos entretenimentos, nos finais de semana em que não partíamos para o interior, era rodar de automóvel pela São Paulo vazia, sem destino certo. Ao passar pela pequena e, por ser domingo, pacata rua Luís Coelho, paralela à avenida Paulista, a caminho da Angélica, ouvi um grito que me pareceu de alguém chamando por meu nome. Com a rua deserta – nem o mendigo idoso de muletas e longa barba branca que costumava pedir esmolas naquele trecho, a quem eu chamava de “papai Noel”, encontrava-se em seu ponto habitual –, não foi difícil parar o veículo, recuar um pouco e olhar. À esquerda, vi João Jerônimo, velho amigo da terrinha, que de fato gritara meu nome. Estavam ele e família saindo de um restaurante. Conversamos rapidamente e trocamos a mais célebre das promessas paulistanas, de que qualquer dia desses um apareceria na casa do outro.

Um dos meus lugares preferidos, aonde eu ia com frequência, era a livraria Saraiva, na praça da Sé, defronte o fórum João Mendes. Certa feita, ali encontrei outro conterrâneo, Luís Henrique, o “Spoke”, que residia há tempos na capital paulista. Em outro dia, bem próximo dali, enquanto tirava cópias xerox de um processo judicial no prédio da associação dos advogados, encontrei Tatiana, filha de João Jerônimo.

Na mesma região, na calçada da rua Riachuelo, confluência com a praça João Mendes – na verdade, uma rua que vem da praça da Sé e ladeia a Catedral, um dos pontos mais movimentados de São Paulo –, escutei alguém gritar meu sobrenome em meio ao povaréu. Não era de todo impossível que naquele vuco-vuco houvesse alguém com o meu nada comum sobrenome, mas a circunstância exigia que eu olhasse. Voltei meus olhos na direção do chamado e, de fato, era mais um conhecido. No meio do povo, avistei Armando, jornalista natural de Capivari que trabalhava na Câmara Municipal paulistana, próximo dali. Era assessor do então presidente José Eduardo Cardozo, que no futuro viria a se tornar ministro da Justiça. Conversamos e ele me convidou para visitá-lo na sede do legislativo municipal paulistano. Tempos depois, Armando me telefonou dizendo que Cardozo queria me conhecer, com intuito de estabelecermos relações políticas. Eu continuava vereador em Capivari. Marcamos dia e hora e, na data aprazada, para lá me dirigia quando o carro quebrou, num viaduto sob a avenida do Estado, e nunca mais tive oportunidade de conhecer o futuro ministro.

Houve também uma ocasião em que o mesmo carro, um Monza branco fabricado em 1984, apresentou defeito quando eu e Luciana chegávamos em uma igreja, no Belenzinho, para o casamento de um colega de trabalho. O danado enguiçou a duas ou três quadras do destino, numa rua tranquila do bairro. Um morador da vizinhança, de sobrenome Lobato, vendo os meus apuros, ofereceu-se para guardar o automóvel em sua garagem. Na segunda-feira, eu poderia transferi-lo para a oficina mecânica localizada bem defronte à sua residência. O mecânico era confiável, disse-me o solícito morador, e assim fiz, o que salvou nossa ida ao casamento e o restante do final de semana.

Como combinado, na segunda-feira fui logo cedo à casa do simpático morador e de sua garagem o mecânico e seus auxiliares empurraram o automóvel para dentro da oficina. Ao ver a placa indicando a cidade de origem, o mecânico disse que tinha uma amiga muito querida nascida em Capivari. E qual não foi a surpresa, mais uma, quando o mecânico, um baixinho gordinho de cabelos e bigodinho brancos, também muito simpático, me disse quem era a sua conhecida: a prima de Luciana, Cida, irmã mais nova do mesmo Miguel, padrasto da moça do táxi. Anos depois, revi o mecânico em minha cidade, no velório de Cida, falecida jovem, creio que aos cinquenta anos de idade.

Outra das poucas diversões de quando moramos em São Paulo era ir ao cinema, quase sempre nos shoppings centers, por ser lugar mais seguro. Fomos assistir à estreia do filme Malcom X numa das salas de cinema do imponente Conjunto Nacional, na avenida Paulista. Na escadaria de acesso à sala, encontramos Lúli e sua esposa. Lúli, também originário da terrinha, havia feito contato comigo ao tempo em que eu era vereador. Ele era assessor do então deputado estadual Pedro Dallari, com quem, a partir daquele contato, estabeleci sólida relação política. Ele mesmo, o deputado, encontrei um dia, enquanto eu atravessava a pé a esquina da avenida Nove de Julho com a Bandeira Paulista. Morador da região, ele passava com o carro oficial lendo um jornal no banco dianteiro, ao lado do motorista, com destino à Assembleia.

Quando voltamos a residir no interior, já fora do banco, tive de ir com um cliente ao fórum João Mendes, de onde saímos com destino ao Primeiro Tribunal de Alçada Civil. Ao atravessar a praça da Sé, em meio ao bulício popular, encontrei novamente doutor Frank, então já promovido a juiz de alçada, caminhando no sentido contrário. Tempos depois, ele viria a falecer no cargo de desembargador.

Em 2003, voltei a trabalhar na capital, como assessor jurídico da bancada do PT na Assembleia Legislativa. Ia de ônibus até Campinas, de lá ate a rodoviária do Tietê, onde tomava o metrô até a praça da Sé e dali até a estação Santa Cruz, onde finalmente tomava um ônibus até o Parque do Ibirapuera. No retorno, fazia o mesmo percurso em sentido contrário. No metrô, no entra-e-sai das catracas, avistei várias pessoas conhecidas da terreola, como Jaques, um sujeito careca e boa praça que eu costumava ver no Cine Vera Cruz, em Capivari, e as amigas Nadine e Luciana, sempre juntas, que frequentavam meu escritório.

Noutra ocasião, voltei à capital para uma consulta ao oftalmologista, doutor Mauro, na rua Francisco Leitão, em Pinheiros. Eu havia sido submetido a duas cirurgias para transplante de córneas, em 2014, e retornava para os exames pós-cirúrgicos. Residia, à época, em Americana. Como enxergasse tudo embaçado, haja vista que as córneas levam pelo menos seis meses após o transplante para permitirem uma visão próxima do normal, pedi ao amigo Rogério que me levasse. Em retribuição, convidei-o para almoçar em uma churrascaria, em Pinheiros. Lá, Rogério me informou que havia pessoas conhecidas no restaurante, César, prefeito de Rafard, cidade vizinha de Capivari e onde nasci, e alguns de seus auxiliares. Conquanto nada pudesse enxergar, cumprimentei-os.

O mesmo Rogério levou-me, posteriormente, para nova consulta, na mesma clínica. De novo, ofereci-lhe um almoço em retribuição ao favor, só que dessa feita em lugar mais modesto, numa padaria próxima ao endereço do médico. Na fila do self-service, enquanto montava meu prato, ouvi atrás de mim uma voz com forte sotaque familiar indagando se eu não era de Capivari, seguido de menção ao meu nome. Quase disse a ele que não estava certo de que fosse eu mesmo, mas que com certeza ele era de Capivari, tal a força do sotaque. Era Erinho, que me conhecia da terrinha e fazia um curso de pós-graduação nas imediações da padaria.

Essa profusão de coincidências estendeu-se também à Grande São Paulo. Residíamos no interior quando eu e Luciana fomos a um casamento em São Bernardo do Campo. A noiva, Helka, era irmã de Hérika, colega de república de minha esposa. Ao chegarmos à porta da igreja, reconheci, com estranheza, a voz do cantor, que se preparava para sua participação na cerimônia. Entrei e, de fato, era Miguelito, um renomado pianista capivariano. Os convidados foram, em seguida, recepcionados num local de Santo André. Lá, não só Miguelito abrilhantava a festa com seu talento como encontramos Vornei e esposa, sua filha - minha amiga Lílian -, um dentista e vários conhecidos de Capivari. A família do noivo era de Rafard!

Na primeira ida à capital, em busca do "RG", minha mãe aproveitou para ver as lojas da rua 25 de Março. Caminhávamos por lá quando fui acometido de uma necessidade inadiável de aliviar meus interiores. Adentramos a uma loja de tecidos e me lembro de ter sido atendido por uma garoto da minha idade que, muito gentil, me permitiu usar o sanitário do estabelecimento. Considerando tudo o que viria a me acontecer no futuro, dos tantos acasos que acabo de relatar, não duvido nada que aquele rapaz possa ter sido Fernando Haddad, companheiro de partido que, salvo mais essa possível coincidência, até hoje não conheço pessoalmente. E - vejam só! - ele comemora seu aniversário no mesmo dia de São Paulo. E, como eu, ele nasceu em 1963, em 25 de janeiro; eu, em 19 de novembro. Por aquela época, ele tomava conta da lojinha do pai na mais famosa rua comercial do Brasil.

Essa é São Paulo, tão imensa e tão pequena que quase cabe na palma da minha mão, praticamente uma extensão da minha amada Capivari. Estou convencido de que o rio que corta minha aldeia é mesmo maior (e mais belo, e mais livre) que o Tietê e o Pinheiros juntos, porque pertence a menos gente, segundo a poética de Fernando Pessoa, pela persona de Alberto Caeiro. E, de mais a mais, a pauliceia desvairada de Mário de Andrade sempre foi para mim o pequeno trecho lôbrego da avenida com seu luzidio noturno retratada na folhinha do calendário de 1971.

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11/10/2023

Eu, o Ministro

Os amigos e amigas que me acompanham decerto se surpreenderão com a notícia. Desde o início do governo Lula, desde o primeiro dia, a honroso convite que recebi do presidente, ocupo o cargo de ministro. Não tive como me negar a atender a um apelo do amigo Luiz Inácio, companheiro de longa jornada.

Não é um ministério de grande visibilidade, embora de vital importância, e por essas circunstâncias prefiro não divulgar. Quem me conhece sabe o quanto sou discreto e avesso a holofotes.

O fato é que, comandando uma pasta ministerial, fui convocado a depor perante uma comissão conjunta do Congresso Nacional. Convocado, não: convidado. Afinal, sou ministro. Optei por aceitar, pela compreensão que tenho de que todo ocupante de um cargo público tem obrigação de prestar contas de seus atos à nação.

Bem, seja como for, o certo é que na data aprazada lá estava eu, a enfrentar os leões desdentados da extrema-direita. Espero que ninguém tenha visto esse fastidioso episódio da vida nacional.

Fiz minha apresentação de modo sucinto, “sou advogado de profissão, procurador municipal, ex-vereador de Capivari, São Paulo. Palpiteiro de Facebook e Twitter, aliás, ex-Twitter, ou simplesmente “ex” (pronunciei “équis”; grafa-se “X”). Escritor frustrado, presidente e único membro do MESL, Movimento dos Escritores Sem Livro”.

Assim que concluí a leitura, senti um arrepio de arrependimento. Ser ativista de movimento, qualquer que seja, não é de bom tom naquele ambiente. Temi sair preso dali, por conta da sanha criminalizadora de vários membros do Parlamento aos movimentos sociais. Enfim, assim saiu, por sorte sem a repercussão temida.

Encerrei aí minha apresentação inicial, embora tivesse bem mais tempo à minha disposição. Percebi certo desconforto entre os parlamentares, mas é de minha índole, como disse, essa minha discrição.

Não vinha me inteirando muito a respeito do universo paralelo em que vive parte do congresso, de modo que não conheço bem os deputados e os senadores da atual legislatura. Até porque, desde o primeiro dia estou às voltas com as inesgotáveis tarefas da pasta. E todos sabem como Lula é exigente com seus auxiliares, sobretudo os mais próximos, como é o meu caso.

O primeiro a me fazer perguntas eu jurava que era um menino. Decerto seria filho de parlamentar, pensei a princípio, que, na ausência do pai ou da mãe, fazia-lhe as vezes.

Depois supus que fosse um daqueles “deputados-mirins” dos programas de incentivo a que as crianças tomem contato com a Política, comum nas câmaras de vereadores e assembleias legislativas, mas não entendi a razão de aquele rapazote participar de um ato oficial.

Ele fez um longo discurso atacando a mim e ao governo Lula, chamou-me de “ministro da justiça” (debito a confusão a este meu corpo roliço, embora em nada eu seja parecido com o amigo Flávio Dino) e, por fim, a gritos histéricos, me indagou por que na guerra desencadeada recentemente o governo teria tomado posição favorável aos palestinos e contrária aos israelenses.

Minha resposta, que dei com toda a serenidade que marca meu caráter, foi exatamente esta:

“O governo que aqui represento não tem posição a favor de um país e contra outro. A posição do governo brasileiro é histórica, vem desde 1947, e sempre foi pela paz, pela solução pacífica dos conflitos. O governo se guia pela Constituição, cujo artigo quarto prevê”.

Dei uma pausa e li:

“Artigo quarto. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios”.

Continuei dizendo que os pouparia do enfado de ler o artigo todo e que iria ao que interessa, como de fato fui:

“Inciso sétimo. Solução pacífica dos conflitos”.

E dei por respondida a pergunta.

Em réplica, ele vociferou contra uma tal “ideologia de gênero”, que estaria sendo praticada pelo governo, da qual jamais eu ouvira falar em reunião ministerial alguma. A partir daí, fez duras críticas ao fato de o governo ter enviado a Israel um avião da FAB, dentro do qual, disse ele, haveria um certo “banheiro unissex”.

Eu não tinha a menor ideia do que o menino falava (“a imaginação infantil é mesmo fértil”, pensei) e nada respondi. Não tenho vocação para professor de jardim de infância.

Parêntese: numa reunião ministerial posterior à audiência, meu amigo e colega ministro Silvio me repreendeu, com a elegância que lhe é peculiar, dizendo que o rapaz era de fato um deputado e que deveria ser tratado como homem, não como moleque. Estranhei, mas se Silvinho está dizendo, eu acredito.

Depois dele foi a vez de uma senadora que, pelas feições, julguei que fosse uma ex-ministra do governo anterior, aquela que havia tido um exótico encontro com Jesus num galho de goiabeira.

“Por que o governo Lula...”, e fez a mesma pergunta do rapaz. Eu respondi, pausadamente:

“Artigo quarto, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios”. E completei: “inciso sétimo, solução pacífica dos conflitos”.

Em seguida, foi a vez de outro que, pela aparência física e trejeitos engraçados, era o próprio Curly, irmão de Moe e Larry, de uma série famosa de TV da minha infância chamada “Os Três Patetas”.

Ele fez um discurso totalmente desconexo, que, confesso, não compreendi, e emendou a mesma pergunta. Dei-lhe a mesma resposta.

Assim se sucederam os parlamentares, um a um, uma a uma, dos quais só reconheci o mundialmente famoso “juiz ladrão”, ex-juiz, eterno ladrão.

Ao fim e ao cabo de quase dez horas em que a mesma pergunta me foi feita por todos os que me arguiram, à qual dei a mesmíssima resposta, sempre lendo o artigo quarto e o inciso sétimo, eu me despedi dizendo de minha alegria de poder servir à nação – sem outras palavras, senão essas e apenas essas mesmas.

Nesse instante, adentrou ao recinto um sujeito trôpego, apoiando-se nos ombros e cadeiras dos colegas, que reconheci como um senador capixaba cujo nome me escapa (só me vinha à mente “malte, malte”). Com a voz pastosa, arrastada, disse que meu comportamento, respondendo às perguntas com a mesma leitura do artigo quarto, inciso sétimo, da Constituição era um “deboche” - acusação que me fizeram todos os demais parlamentares, após cada resposta dada -, e que, por essa razão, iria propor meu impeachment. Enroscou na palavra, engasgou duas ou três vezes, até que conseguiu pronunciá-la às inteiras.

Meu microfone já havia sido desligado, mas nem fiz questão. Debater com pessoa naquele estado é algo que fiz muito com um tio alcoólatra, na minha infância, e sei da inutilidade.

Peguei meu paletó que descansava sobre a cadeira, vesti-o e saí em silêncio, com meus assessores, da mesma forma como cheguei. E um só pensamento passava por minha cabeça: “que futuro terá um país cujos representantes no poder legislativo acham que ler e seguir a Constituição é um deboche?”

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Jacareí, SP, aos 11 de outubro de 2023).

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15/09/2023

Os "Manés" Chegaram ao Supremo

Errar é tão humano que até o irreprochável ministro Alexandre de Moraes permitiu-se cometer seus deslizes. Em abril de 2022, em palestra na FAAP, ele atribuiu ao jurista italiano Norberto Bobbio a frase “a internet deu voz a uma legião de imbecis”. Moraes, preparado como é, naturalmente leu incontáveis livros e, por isso mesmo, confundiu os autores. A frase é do escritor Umberto Eco. Ambos intelectuais italianos, foram contemporâneos e morreram neste século XXI - Bobbio, em 2004; Eco, em 2016. Pecadilho de venial tomo, portanto, que em nada deslustra a cabeça luminosa do supremo julgador, que até aqui acha-se em crédito perante a Nação, esbanjando saldo positivo. Tão elevado que, para zerar, teria que ele próprio cometer uma tentativa de golpe de Estado.

Um segundo deslize, quase imperceptível, deu-se quando trocou as letras "in" por "ni" ao mencionar "Antoine" e ao pronunciar "Anto_ni_ê" em lugar de "Antoan". Ocorreu em 14 de setembro, durante a segunda sessão de julgamento dos três primeiros "manés" acusados, e já condenados, pelos acontecimentos de 8 de janeiro.

Três "manés", como esperado, contrataram outros "manés" para defendê-los. A trinca de causídicos teve a coragem e conseguiu o feito de se expor ao ridículo em dimensão nacional. Se é para causar, vamos logo à tribuna do plenário do Supremo Tribunal Federal, devem ter conjecturado de si para si. E, de fato, a seu modo, foram bem-sucedidos. Atingiram o objetivo, lacraram e viralizaram nas redes.

O primeiro a fazer sustentação oral em defesa de um "patridiota" foi um ex-desembargador, logo um magistrado aposentado que, agora tendo sobre os ombros o peso da beca da advocacia, pôs de lado a ética da profissão, o estatuto da classe e a exigência dos códigos processuais que nos impõem, a todo causídico, portarmo-nos com urbanidade no trato com os demais colegas, juízes e partes do processo. Sentiu-se tão à vontade que, sem freios nem pejos, apontou o dedo para os ministros do STF e lançou-lhes nas fuças que, segundo vozes de sua própria cabeça, seriam eles as pessoas "mais odiadas" do país. No país dos terraplanogolpistas, sim, devem ser mesmo. Desde a ascensão de Sérgio Moro ao cargo de juiz federal uma pergunta tornou-se inevitável: como foi que esses jabutis chegaram ao cume do poste?

No dia seguinte, uma exemplar feminina dos ""manés"" de beca, mal saída dos bancos da faculdade, sentiu-se também muito confortável para fazer sua encenação. Esforçou-se para derramar lágrimas de crocodilo e, dizendo ter ódio à política, fez sua performance política. Não se pejou a expressar a vergonha que disse estar sentindo dos mesmos ministros, e, dos porões de seu saber jurídico, permitiu-se passar-lhes uma carraspana. Segundo disse, debitava a vergonha que deles sentia à conta dos critérios, que ela confessou não compreender, pelos quais os vexaminosos juízes estavam julgando seu cliente, mais um descuidado e ingênuo turista que tão somente havia aproveitado uma agradável tarde de domingo para fazer um passeio no parque dos poderes.

Outro "mané" bacharelado, ávido também por lacrar e criar imagem para suas campanhas eleitorais, acabou passando vergonha no débito, no crédito, no pix e sobre a tábua de passar roupa. Aluno exemplar da antiescola do bolsonarismo, o nobre causídico confundiu "O Príncipe", do filósofo Nicolau Maquiavel, com "O Pequeno Príncipe", do escritor e piloto de aeronaves Antoine de Saint-Exupéry. Uma confusão de quase quinhentos anos de distância entre uma e outra obras, entre um e outro autores - um, italiano; o outro, francês -, sem contar a diferença abissal entre as respectivas temáticas. O confuso rábula ordinário, já condenado pela justiça por conta de sua exemplar conduta de bater na própria mãe, acabou expulso pelo Solidariedade, partido ao qual pertencia. Pois é. Decidiu espancar também o Direito, a literatura e até a já combalida Pátria-mãe e acabou tendo que dar adeus à candidatura.

Todos os três sofreram dura, embora elegante, reprimenda dos integrantes da Corte e pelo menos o ex-desembargador terá de se ver com o tribunal de ética da OAB, que prontamente enviou um desagravo ao STF.

BolsoNero, quando no exercício da despresidência, certa feita encantou o gado que frequentava o cercadinho no entorno do Palácio ao criticar os livros didáticos. Disse que estes seriam "um monte de palavras escritas amontoadas". Daí a um bolsonarento lacrador confundir ciência política com jardim de infância, se fazia falta, não faz mais. Como disse o ministro, decerto um leitor dos clássicos, o advogado citou livro que não leu e contentou-se com os memes que passaram diante de seus olhos na sua "taimelaine". Como já dizia Platão em século passado, "não confieis nas feiquinius que rolam pela internet".

Desde que a imbecilidade, como afirmou com precisão o autor de "O Nome da Rosa", emergiu dos esgotos pelas infovias para ocupar, orgulhosa, o panteão do "celebritismo", todo pensamento elaborado com base na História, nas ciências, nos dados da realidade, no conhecimento acumulado por toda a longeva experiência humana, acabou reduzido a "textão", "palavreado", "lenga-lenga", "mimimi", "um monte de palavras amontoadas".

É a sagração da estupidez. A inépcia chegou ao topo e se instalou no Supremo Tribunal Federal. Lá, porém, recebeu o justo veredito em venerando acórdão relatado pelo ministro Luís Roberto Barroso: "perdeu, mané!"

(Luis Antônio Albiero de Capivari SP, em Jacareí, SP, aos 15 de setembro de 2023)


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06/09/2023

A Língua Solta de Lula

O que não falta neste mundo é gente minúscula que ostenta a pretensão de desmoralizar o presidente Lula por qualquer motivo. Um sopro do presidente que soe como um "a" é suficiente para assumir proporções gigantescas, ao gosto e interesse dos que se dedicam a policiá-lo.

O episódio mais recente foi a declaração que ele fez, na "entrevista com o presidente" que deu ao jornalista Marcos Uchoa na manhã desta terça-feira, 4. Indagou ele se, quem sabe, talvez, será que não seria melhor que os votos dos ministros do STF fossem sigilosos.

Lula expressava preocupação com a segurança dos ministros. Ele falava especialmente da agressão que os fascistas de Santa Bárbara D'Oeste praticaram no aeroporto de Paris contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Falava também sobre a postura do Inominável que, num 7 de Setembro recente, dirigiu pessoalmente duras agressões verbais ao mesmo Alexandre de Moraes, a quem chamou de "canalha" diante de uma multidão de seguidores. Cego-idores, como costumo chamá-los. O diarreico verbal ex-presidente chegou mesmo a dizer que jamais cumpriria uma ordem exarada pelo dito ministro do STF. Na prática, incitou seus insanos adoradores a adotarem toda e qualquer forma de violência contra Moraes e contra quem quer que pudesse representar freio às suas diatribes.

Lula, ao fazer a cogitação que fez, tinha em mente também a pressão que a Globo e o resto da mídia corporativa fizeram no seu próprio caso, incensando o juiz incompetente e parcial que o julgou em Curitiba a ponto de transformá-lo em heroi nacional de pés de barro. Falava da superexposição de juízes, desembargadores e ministros durante toda a malfadada Lava Jato. Falava, com certeza, do "tuíte" que o general Villas Boas atirou como um canhão nas fuças do STF, lido no Jornal Nacional enquanto os ministros julgavam um habeas corpus que poderia tê-lo livrado da prisão em 2018. Rosa Weber que o diga.

O presidente não é jurista. Não conhece as filigranas jurídicas. Não tem obrigação de conhecer cada vírgula das infinitas leis e normativos que conformam o ordenamento jurídico nacional. Não tem sequer obrigação de conhecer cada milímetro cúbico do volume formado pelas famosas "quatro linhas" que enquadram a Constituição.

É verdade, a ideia de votação sigilosa por juizes vai de encontro com o que estabelece a Constituição brasileira, cujo art. 93 estabelece, em seu inciso IX, que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos". Não seria possível, portanto, à luz desse comando constitucional, que se instituísse um sistema de votação sigilosa para os ministros do STF ou para qualquer juízo ou tribunal do país.

Mas, alto lá. A uma, o disposto no art. 93 não constitui "cláusula pétrea" da Constituição. Logo, o mencionado dispositivo é, sim, passivel de modificação, até mesmo para adotar o mecanismo que Lula nem ao menos chegou a propor, já que ele apenas conjecturou como uma eventual possibilidade.

A duas, essa mesma Constituição traz, sim, em seu próprio bojo uma hipótese de votação judicial sigilosa: está lá na alínea "b" do inciso XXXVIII do art. 5°, que a estabelece para preservar a soberania dos vereditos emanados do tribunal do júri, exatamente para garantir a imparcialidade e a segurança dos jurados, cidadãos investidos da condição de juízes.

E nem seria novidade, no âmbito de uma corte constitucional, pois assim é nos Estados Unidos. Lá, em regra, os juízes da Suprema Corte votam em sigilo.

A fala de Lula teve o mérito de acender um debate para lá de urgente e necessário, que diz respeito à superexposição dos membros do Poder Judiciário, a qual os torna presas fáceis de uma mídia cada vez mais ávida por ditar os rumos do país, sejam sociais, políticos e até mesmo jurídicos. E que, em tempos de ódios acirrados, torna-os fragilizados, sujeitando-os a que qualquer cabeça-de-bagre possa meter-se a enfrentá-los em ambientes públicos e mesmo sob vigilância de câmeras de segurança e aparelhos celulares.

Lula, ele sim o verdadeiro herói nacional que, enfrentando leões e dinossauros, segurou na unha a Democracia brasileira que escorria pelo ralo. Não será, portanto, a maledicência dessa gente chinfrim que o abalará.

É uma pena que, ao invés de debatermos com seriedade as percepções, ainda que por vezes equivocadas, mas na maioria pertinentes, dessa lenda viva da História brasileira, gastemos energia e nos percamos na atmosfera insalubre das fofocas de salão.

(Luís Antônio Albiero, de Capivari, SP, em Jacareí, SP, aos 6 de setembro de 2023)


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13/08/2023

Não Precisava, Ministro

Estive vendo a enxurrada de comentários e respostas dadas a um tuíte do ex-ministro do Trabalho, ex-presidente do TST, meu conterrâneo Almir Pazzianotto Pinto, pessoa por quem tive a honra de ser recebido em seu escritório em São Paulo, em 2004 - às vesperas de eu assumir o cargo de assessor jurídico da Liderança do PT na Alesp -, ocasião em que ele me disse, para minha surpresa e alegria, que era leitor dos meus escritos no saudoso jornal "Dois Pontos - Capivari", do qual fui um dos sócios fundadores.

Almir postou no antigo Twitter, hoje apenas o enigmático "X" (eita, Elon Musk!), uma crítica ao ministro Flávio Dino por este ter "determinado a invasão à residência de um general de quatro estrelas" - o que, por evidente, passa longe de ser verdadeiro.

Sem perceber que a bobagem do amigo ex-ministro já havia tido grande repercussão, inclusive com nota do próprio Flávio Dino, eu postei um comentário, muito constrangido, em que explicava a ele que a polícia federal só "invade" casas em atendimento a ordem judicial. Coisa básica. Qualquer estudante de Direito de primeiro semestre sabe que a casa é o "asilo inviolável do indivíduo", que só pode ser penetrada por determinação judicial ou em situações excepcionalíssimas previstas na própria Constituição, como flagrante delito ou desastre.

Em seguida, inspirado num comentário do Yuri Carajelescov, fiz nova intervenção para dizer que a postagem dele, ex-ministro, jurista renomado e respeitado, contribuía para fomentar uma "feiquinius", a de que a ação da polícia federal teria sido ilegal.

Por fim, comentando uma resposta que a ele havia dirigido uma pessoa conhecida, Dirce Perissinotto, aduzi que imaginar que o governo Lula pudesse mesmo determinar a invasão de qualquer casa era desconhecer que hoje os tempos são outros, em que a Polícia Federal age de modo estritamente republicano - reconhecimento que, se bem o conheço, ele jamais fará.

Lembrei-o de que quem pôs a mão pesada do Estado brasileiro no pescoço de um pobre porteiro havia sido outro ministro da Justiça, o quase finado Sérgio Moro, exatamente para dar sumiço a provas e testemunho do aparente envolvimento do então presidente da República, Jair BolsoNero, no assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson.

Enfim, lendo um a um os comentários, a enxurrada de respostas, cheguei à conclusão de que o ministro Almir Pazzianotto bem poderia ter-se abstido de se expor a tamanha vergonha pública.

A biografia dele não merecia esse capítulo derradeiro. Que tristeza.

(Luís Antônio Albiero, em Capivari, SP, aos 13 de agosto de 2023)


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