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16/06/2018
Deus e o Diabo na Terra do Quá
10/06/2018
Parente é Serpente
É uma comédia de costumes em que se acentua a hipocrisia reinante em todos os lares e ambientes. Todos somos muito solícitos e nos irmanamos com alegria, até que chega aquela hora em que é preciso que um de nós descasque algum abacaxi verdadeiramente grande. Aí a coisa pega e cada um procura tirar o corpo fora.
Esse raciocínio, porém, não vale para Pedro Parente, ele que na semana passada deixou, tarde demais, a presidência da Petrobras. Parente é pau para toda obra! Precisa de alguém para fazer caca em favor do deus “Mercado”? Basta chamá-lo, ele está sempre disponível.
Nos anos 80, durante o desastroso governo de José Sarney, Parente estava instalado em cargo importante no Ministério da Fazenda, onde foi secretário-geral adjunto de 1985 a 1986. De 1987 a 1988, ocupou cargos elevados na Secretaria do Tesouro Nacional e, de 89 a 90, na Secretaria de Planejamento, que detinha status de ministério. Por esses tempos, segundo dados do IBGE, a inflação anual pelo IPCA passou de 79,66%, em 1986, a 363,41% em 1987, a 980,21% em 1988 e elevou-se a estratosféricos 1.972,91% em 1989. Era uma senhora inflação, convenhamos. Atendia pelo nome de “hiperinflação”. É verdade que nesse período Parente não ocupou cargos em que ele respondesse diretamente pela definição da política econômica, mas estava lá, compondo a equipe que o fazia.
Em 1990, quando Zélia Cardoso rapou a poupança de todos os brasileiros, ele ainda não compunha o governo de Fernando Collor de Mello, de triste memória, mas foi convocado em maio de 1991 para carregar o caixão. Parente ficou no cargo até 1992, ano do impeachment, e enquanto lá esteve participou da elaboração do orçamento da União.
De 1993 a 1994, durante o governo de Itamar Franco (PMDB), Parente estava do lado do inimigo, atuando como consultor externo do Fundo Monetário Internacional. Nessa época, a inflação ainda estava alta e o Brasil acumulava grande dívida externa. O FMI deitava, rolava e dava as cartas na economia do país.
Em meados de 2001, por conta da absoluta falta de planejamento e investimentos em geração de energia, houve um apagão elétrico marcado por blecautes que se repetiram por praticamente todo território nacional, iniciando uma crise energética que se prolongou até fevereiro de 2002. Todos os brasileiros foram obrigados a reduzir em 20% o consumo de energia, sob pena de pagar pesadas multas. Era então presidente monsieur Fernando Henrique Cardoso e adivinhe quem estava lá, em posição estratégica? Ele mesmo, Pedro Parente, que chefiava a Casa Civil (desde 1999) e foi escalado por FHC para coordenar um gabinete montado para tratar da crise, o chamado “Ministério do Apagão”.
Sua competência foi novamente colocada à prova (e de novo reprovada...) agora, no desgoverno Michel Temer, que, atendendo aos apelos e interesses do “Mercado” – esse sujeito nervoso e emocionalmente instável cuja cara ninguém conhece, mas faz ideia, atribuindo-lhe semelhança à do próprio capeta –, nomeou o tucano Parente presidente da Petrobras. Após mais de duzentos aumentos sucessivos nos preços dos combustíveis em apenas dois anos, eis que sobreveio o locaute das empresas de transportes e motoristas autônomos. Duzentos, enquanto durante os oito anos do governo Lula foram apenas oito aumentos, mesmo número nos seis anos em que Dilma presidiu a República. Parente foi atropelado pelos caminhoneiros. Depois de doze dias de paralisação, respirando por aparelhos, não resistiu e partiu da Petrobras para melhor. Após deixar o cargo, o valor das ações da estatal petrolífera caíram vertiginosamente, enquanto subiram as da BRF. Especula-se que o grupo comandado por Joesley Batista seja seu próximo destino nessa longa estrada da vida.
Entre blecautes e locautes, Parente faz jus à alcunha de “Ministro do Apagão”, o que torna inacreditável a relação de amor incondicional que o “Mercado” revela por ele. Parece alguém imprescindível, não importa os resultados que proporcione. É um ícone do tucanato, síntese perfeita do que representa para as camadas populares a alcandorada gestão tucana.
Assim como os filhos do casal do filme italiano, o “Mercado” também não existiria sem o povo, sem as pessoas que produzem, consomem e o alimentam. Porém, na hora em que o “Mercado” é chamado para cuidar dos “pais”, eis que – perdoem-me o “spoiler” – seu representante predileto explode a casa em que estes vivem. Com botijões de gás, como se espera de um profissional com experiência no ramo.
(LUÍS ANTÔNIO ALBIERO, advogado em Americana-SP, ex-vereador do PT em Capivari-SP)
02/06/2018
Cortem Nossas Asas!
Para muitos, no entanto, pareceu à primeira vista ser a oportunidade de o país retomar a rota da qual se desviou por força do golpe dos corruptos de 2016. Para outros, a chance de darmos ré até, pelo menos, o ano de 1964, com alguns militares mais afoitos já acenando com as baionetas pelo retrovisor.
O fato é que o país foi tomado de um misto de desespero e esperança – um e outra em doses excessivas. O que se viu, no entanto, foi uma sucessão de fatos hilários, que já descrevi na crônica “Febeapá Número 3” (publicada apenas no Facebook, nesta mesma página “Crônicas & Agudas”), um verdadeiro “festival de besteiras que assolam o país”, cuja sigla (“Febeapá”) dá nome a duas obras de Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do jornalista carioca Sérgio Porto, publicadas nos anos 70.
A manifestação dos caminhoneiros, por exemplo, jamais seria tolerada por um governo de militares. Seria reprimida duramente pelas forças policiais.
É um contrassenso manifestantes, que parecem prezar pelo direito de expressão, reivindicarem intervenção militar. É algo tão surreal como um liberto clamar para ser escravizado, um pássaro implorar para que lhe cortem as asas, um leão pedir de joelhos para que o enjaulem num zoológico, um homem livre rogar que o mantenham encarcerado.
Uma pessoa querida me enviou um vídeo em que um ator com cara de tiozão reaça bradava contra a classe política, contra suas "mordomias", e convocava para um grande ato na avenida Paulista em favor dos caminhoneiros, coisa de "um milhão de pessoas". Entusiasmada, ela dizia que deveríamos compartilhar o vídeo ao máximo.
Ao ver a imagem do ator, já fiquei desconfiado. Mesmo assim, fui até o fim. E acabei jogando um balde de água gelada na euforia da companheira.
O cara não fala abertamente em intervenção militar, mas deixa suficientemente clara sua posição nesse sentido. "Está nas entrelinhas”, disse eu a ela. Ele mencionava destituição ou renúncia de “toda a classe política” e completava dizendo que “pelas urnas não dá mais”...
Perguntei a ela quem é que substituiria "toda a classe política"? Importaríamos governantes da Europa? De Marte? A fala é sedutora, é contra os privilégios, contra os desmandos, contra a corrupção. Em 1964 foi assim também. Acabamos de passar por algo semelhante em 2016, com o impeachment.
E como é que "o povo" iria governar? Quem seria o líder? Como seriam escolhidos os ocupantes dos postos chaves das administrações, desde o governo federal até cada município do país?
Diante de minhas ponderações, ela me disse que talvez Lula pudesse ser esse líder. Eu, lulista de carteirinha, continuei: "Pois é. Mas como? Por aclamação? Ele se tornaria um rei?”
Não existe saída fora da Democracia. Por isso é necessário focar incansavelmente na defesa do estado democrático de direito, no respeito à Constituição, à soberania da vontade popular, ao voto.
Quando Lula se entregou ao invés de fugir, de exilar-se numa embaixada qualquer, mesmo tendo certeza, mais do que ninguém, de sua própria inocência, que recado ele nos deu? Que, chova ou faça sol, temos de respeitar as instituições e brigar por nossos direitos dentro das leis, num ambiente em que impere a legalidade. Contra as iniquidades, contra o arbítrio, nós temos que lutar sempre pelo cumprimento das regras jurídicas democraticamente estabelecidas.
De mais a mais, segui ponderando à minha interlocutora, os políticos que aí estão são reflexo direto da nossa sociedade. Se eliminarmos todos eles, se os levarmos todos de uma só vez a câmaras de gás – como parece que é o desejo insano de grande parte das pessoas –, imediatamente teremos de substituí-los. E na mesma imediatidade os substitutos se tornariam o quê? “Políticos”, ora essa! Ei-los aí novamente, extraídos do mesmo povo, que com igual rapidez reproduziriam os mesmos defeitos, as mesmas mazelas, pois, sendo eleitos ou escolhidos por uma inteligência suprema, eles são todos nós!
O que precisamos é aprimorar nossas instituições, aprimorarmo-nos todos como seres humanos, até que um dia, lá distante, atinjamos o ponto ideal.
"Vai demorar”, disse eu a ela. “Muito”, enfatizei. “Décadas. Séculos!", concluí.
Ela refletiu, lamentou não ter percebido as intenções contidas no vídeo, lastimou já o ter enviado para muita gente e me agradeceu. Só me restou dizer à companheira: "acontece!..."
O movimento serviu, pelo menos, para a queda de Pedro Parente, desde ontem não mais presidente da Petrobras, mentor de uma política de preços nociva aos interesses da nação brasileira.
Assim sendo, fé em Deus e pé na estrada!
(LUÍS ANTÔNIO ALBIERO, advogado em Americana-SP, ex-vereador pelo PT de Capivari-SP de 1989/92 e 2001/04).
01/06/2018
FEBEAPÁ Número 3
Refiro-me à sequência inesgotável de fatos hilários produzidos pelos personagens do Golpe de 16, desde a patética sessão da Câmara em que os deputados corruptos e parentes de corruptos votavam para derrubar Dilma Rousseff "por Deus, pela família, pelo coronel Brilhante Ulstra, pelos corretores de imóveis e pelos motoboys" até os mais recentes candidatos ao protagonismo de uma pretensa derrubada de Temer. Um novo e estranho golpe a seis meses de uma nova eleição.
Hoje vi um vídeo em que um grupo de manifestantes, autointitulados "pelotão dos caminhoneiros", foi a uma base militar no Rio Grande do Sul entregar aos milicos os seus caminhões, antecipando-se à ordem dada pelo ocupante da Presidência da República, com direito a perfilamento e a bater de continência dos novos soldados, autênticos voluntários da pátria. A espécie humana não encontra mesmo limite à parvoíce.
Tenho recebido uma profusão de áudios e vídeos em que supostos capitães e coronéis desafiam a autoridade de seus superiores, inclusive e principalmente do chefe supremo das forças armadas, um dos papéis constitucionais reservados ao presidente da República. Anoto que a Constituição não distingue entre presidente legítimo do usurpador com foros de legitimidade. Insubordinação é algo inadmissível no meio militar, em que impera a hierarquia. Em tempos de governo raquítico, porém, toda esdruxularia é possível.
Mas há mais. Nas gloriosas redes sociais que, segundo Umberto Eco, escritor italiano morto em 2016, deram vez e voz à imbecilidade, não faltaram manifestantes decepcionados com a traição do Exército brasileiro à sua tão nobre causa, a ponto de chamarem os comandantes de "comunistas"!
Em outro áudio, alguém informa a todos os caminhoneiros que Michel Temer havia acabado de assinar "uma liminar" determinando isto ou aquilo. Ora, eu nunca soube que Temer fosse juiz ou que presidente concedesse liminares. Detalhe: ele teria assinado o tal documento "em conjunto com todos os deputados federais e estaduais". Deve se tratar de uma lista telefônica ou algo parecido, imagino.
E há até mesmo um áudio em que um figurão da República - ora um certo deputado federal, ora o próprio Carlos Marum - grava uma mensagem no WhatsApp contando a um amigo detalhes da estratégia do governo para enfrentar os caminhoneiros, mas adota o extremo cuidado de fazer uma importante ressalva logo no início: "não deixe vazar este áudio!". Sinto informar, ministro. Vazou!
Agora acabei de receber mais uma mensagem, em que algum manifestante - suponho que seja, pois o movimento, como nas jornadas de junho, peca pela ausência de um líder, um interlocutor autorizado a falar em nome do conjunto - pede a renúncia do presidente e de "todos os ministros de Estados". Assim mesmo, no plural. Com um adendo: "em todas as esferas". Esferas de governo, quero crer. Com certeza inclui a totalidade dos ministros estaduais e, se minha imaginação não estiver indo longe demais, também os bravos ministros municipais...
Há quem peça a renúncia ou destituição de todos os cargos, eleitos ou não - do presidente da República e congressistas aos vitalícios ministros do Supremo Tribunal Federal, com direito a citação dos prediletos dessa turba ensandecida, Lewandowski e Toffoli, além de um certo "beiçola" (alguém tem ideia de a quem o manifestante possa estar-se referindo? Minha imaginação esgotou-se). O passo seguinte, creio, será importarmos políticos da Europa, quiçá marcianos.
Tem até um vereador do PT, aqui da região de Campinas, que fala por vinte minutos aos caminhoneiros e, em dado momento, depois de chamar Temer de "usurpador", pois "roubou o mandato", ameaça derrubá-lo também e lembra que "nós tiramos o Collor, nós tiramos a Dilma!" Do PT! "Chose de loc", diria Sebá, o nordestino exilado em Paris, personagem do Jô Soares nos anos 70.
Sem contar o próprio Temer em pessoa que, recentemente, em solenidade oficial, anunciou o novo lema de seu governo: "o Brasil voltou, vinte anos em dois". A vírgula não prejudica a meia confissão. Meia porque o país voltou pelo menos uns dois séculos sob sua batuta.
Stanislaw Ponte Preta, vivo fosse, teria um farto material para escrever, sem grande esforço de criação, novos volumes da sua série de Febeapás.
A propósito, Febeapá são as iniciais de "Festival de Besteiras que Assolam o País". Umberto Eco poderia escrever o prefácio. Estivesse vivo também, claro.
(Luís Antônio Albiero, advogado em Americana-SP, ex-vereador de Capivari-SP pelo PT, palpiteiro de Facebook)
26/05/2018
A Mulher de César
Moro, que recentemente recebeu nos Estados Unidos (interessante esse apego do juiz ao reino de Donald Trump) uma homenagem patrocinada pela LIDE (empresa brasileira), que todos sabem pertencer ao ex-prefeito de São Paulo e atual candidato a governador do estado pelo PSDB João Doria Júnior, deve ter-se esquecido que o art. 13 do Código de Ética da Magistratura impõe que “o magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza”. Sugiro ao leitor desconfiado que dê uma “gugada” (faça uma pesquisa no Google) usando as palavras “Código”, “Ética” e “Magistratura” e confira com seus próprios olhos.
Aliás, esse evento foi patrocinado por um escritório de advocacia também brasileiro (da pequena Cianorte, no Paraná) que presta serviços jurídicos à Petrobras, empresa estatal que atua nos processos da Lava Jato como “assistente de acusação”, ou seja, como parte. Vê-se que Moro, o distraído, se esqueceu também do art. 17 do mesmo Código de Ética, segundo o qual “é dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional”. No caso, ele aceitou o benefício de ser homenageado e ter as despesas pagas por um advogado que representa uma empresa que é parte em processos que cabe a ele julgar. Difícil compreender a comprometedora confusão de interesses?
Depois de ter uma foto em que aparecem ele e Doria com as respectivas esposas divulgada por todos os veículos de comunicação e redes sociais do país – imagem que o ex-prefeito tucano já está usando como propaganda de sua precandidatura a governador -, Moro recusou-se a se declarar suspeito, como requerido pela defesa de Lula, no processo que investiga sua frequência ao sítio de amigos da família em Atibaia (cidade que, por sinal, a exemplo de Guarujá, também não fica no Paraná).
O pior foi a desculpa esfarrapada de Moro. Ele, que já havia dito publicamente que a tal foto era “uma bobagem”, nos autos escreveu que tinha a mesma importância de Lula posar ao lado de Aécio Neves ou Geddel Vieira Lima. Mas como é distraído esse piá! Parece que ele não sabe que Lula não é juiz, não vai julgar ninguém, e que a característica primordial de todo político é exatamente ser parcial, tomar partido, aproximar-se de outros políticos, dialogar com eles. Exatamente o oposto de como deve agir um magistrado, como é o caso de Moro, que a cada atitude revela-se um ignorante em política.
Ignorância não é crime, nem pecado, nem é algo feio. Sou tão ignorante em física quântica quanto Moro é analfabeto político. A diferença é que, mesmo néscio na atividade em que Lula é gênio, Moro, como juiz preparado que deveria ser, tem obrigação funcional de conhecer minimamente o universo político, item que inclusive compõe a lista de temas a serem estudados por qualquer candidato a concurso da magistratura. Assim, a comparação feita é descabida e impertinente e só aprofunda a revelação da inegável animosidade que move o juiz de Curitiba em relação ao réu cuja cabeça sempre teve como troféu a ser conquistado.
Com esse tipo de comportamento, Moro só faz crescer a certeza de que todo seu empenho é mesmo e somente para perseguir o ex-presidente Lula e que a prisão política que decretou contra este só atende ao objetivo mesquinho de o manter fora da disputa eleitoral deste ano, completando assim o “Golpe dos Corruptos de 16”.
Não por acaso, pesquisa divulgada ontem pelo jornal O Estado de São Paulo revela que a aprovação pessoal a Lula só cresce, batendo os 45% (a maior dentre todos os demais presidenciáveis), enquanto a rejeição à sua pessoa cai, ao passo que as impressões em relação ao juiz Sérgio Moro seguem sentido inverso: sua aprovação vem caindo e já está na faixa dos 40% (inferior à de Lula, portanto) e sua reprovação não para de subir (50%, tecnicamente empatada com o ex-presidente). Note-se que não se trata de pesquisa de intenção de votos, até porque não é o caso de Moro (ao menos no pleito deste ano), mas de avaliação pessoal, ou seja, sobre a conduta de cada qual. Revela, portanto, uma crescente desconfiança na capacidade de Moro de agir de modo imparcial e, ao mesmo tempo, uma crença também crescente na inocência de Lula e nas injustiças contra ele praticadas pelo juiz.
Denúncias sobre negociações espúrias de delações premiadas, já feitas pelo advogado hispano-brasileiro Rodrigo Tacla Duran e agora reforçadas pela delação de dois doleiros presos na operação “Câmbio Desligo”, têm o potencial bombástico de revelar, se houver empenho das autoridades responsáveis, até aqui negligentes, algo mais substancioso e bem menos nobre do que meras aparências, como César exigia da própria esposa honesta.
(LUÍS ANTÔNIO ALBIERO, advogado em Americana-SP, ex-vereador pelo PT de Capivari-SP de 1989/92 e 2001/04).
20/05/2018
A Avalanche Cirista
Chama a atenção a agressividade de muitos desses apoiadores que, ao invés de difundir virtudes que encontrem no seu candidato, preferem fazer pressão intensa contra os que optam por Lula. Os ciristas acreditam e pregam que só Ciro pode unificar as esquerdas, isso porque essa unidade é imprescindível para que sua candidatura ganhe a musculatura necessária para levá-lo ao segundo turno.
É uma baita falta de respeito a quem está convencido a apoiar a candidatura de Lula. Este, embora preso, para desespero da Direita, continua liderando com folga em todas –sem exceção! – as pesquisas eleitorais, em que aparece com mais de trinta por cento, contra dezesseis pontos percentuais do segundo melhor colocado (Bolsonaro). E, no segundo turno, Lula vence qualquer dos concorrentes com margem ainda maior, próximo dos sessenta por cento.
Ora, o partido que tem o candidato que lidera as pesquisas, que já foi presidente por dois mandatos, que elegeu e reelegeu sua sucessora, que tem muito a mostrar do que fez em favor do povo brasileiro; o partido que é o maior do país, talvez o mais importante de esquerda do mundo, que tem a maior bancada do Congresso; o partido vitorioso nas últimas quatro eleições presidenciais e que segue sendo o preferido do eleitorado brasileiro, com quase vinte por cento das preferências, contra no máximo cinco pontos do segundo colocado (PSDB), por que raios haveria de abrir mão de ter candidato próprio para apoiar um cavalo paraguaio que patina em torno dos cinco por cento de intenção de votos?
Nutro por Ciro certa admiração, pela sua inteligência, seu tirocínio, mas ele não é a última bolacha do pacote, como se acha e tenta surfar na onda de Lula só porque este está preso.
Os petistas têm consciência das dificuldades que Lula enfrentará, mas sabem da sua inocência e têm clareza de que ele pode – e deve – ser candidato. Eu mesmo escrevi um texto que viralizou nas redes sociais e foi publicado no jornal eletrônico Brasil 247 em que analiso, juridicamente, os passos da candidatura Lula. O partido pedirá seu registro que, certamente, será impugnado. O candidato terá, então, prazo para apresentar sua defesa. A decisão – que caberá desde logo ao TSE, por se tratar de eleição presidencial – muito provavelmente será pelo indeferimento (salvo se, a tempo, nos recursos criminais apresentados ao STJ e STF, for concedida medida liminar suspendendo os efeitos da sentença – art. 26-C da Lei 64/90).
Mesmo com a decisão desfavorável, Lula poderá recorrer, dessa feita ao STF. Embora as decisões do TSE sejam irrecorríveis, conforme está no Código Eleitoral, a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de um recurso chamado “extraordinário”, desde que voltado exclusivamente para discutir uma questão constitucional.
A questão constitucional diz respeito à própria condição de elegibilidade de Lula. É que o art. 15, inc. III, da Constituição prevê que os direitos políticos de qualquer brasileiro só podem ser suspensos ou perdidos, na hipótese de decorrer de uma sentença penal condenatória (como no caso de Lula), depois que esta transitar em julgado. Ora, qualquer cidadão que esteja no exercício pleno de seus direitos políticos reúne condição básica de elegibilidade, como está dito no art. 14, inc. II, da Constituição, e só a perderá ou a terá cassada depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Nenhuma lei infraconstitucional, como é o caso da ficha limpa, pode derrogar esse preceito constitucional.
E enquanto a candidatura de Lula estiver “sub judice”, ou seja, por todo o tempo em que tramitar o processo eleitoral, ele poderá continuar fazendo sua campanha, inclusive participando de debates e entrevistas, e poderá até chegar ao dia da eleição com seu nome e foto na urna eletrônica e ser eleito.
Depois de eleito, qualquer decisão posterior desfavorável que se torne irrecorrível, que lhe venha a cassar o registro, o diploma ou até mesmo o mandato, obrigará a que se realize uma nova eleição.
Haverá um momento de tensão por volta de meados de setembro, desde a data limite prevista na lei eleitoral para substituição de candidatos até o dia da eleição. É que, se o partido, até a data limite (17 de setembro), decidir-se por levar a candidatura até o final e, porventura, uma decisão definitiva desfavorável venha a ocorrer antes de sua eleição, o partido terá perdido a oportunidade de fazer a troca. Nesse caso, o segundo e o terceiro mais votados no primeiro turno disputarão o segundo.
Enfim, não há razão nenhuma para, neste momento, o PT abdicar de uma candidatura expressiva como a de Lula, o preferido do povo brasileiro, hoje vivendo a condição de preso político por força de uma decisão judicial absolutamente nula, que o atinge no bojo do golpe de estado sofrido em 2016. Ao ver dos golpistas, o golpe precisa ser consumado nas eleições deste ano e, para isso, é imprescindível que Lula esteja fora do pleito, porque se não for por WO, eles não vencem a eleição.
Se houver eleição, claro.
(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 d 2001/04)
12/05/2018
Matou a Nação e Foi à Disney
Dono de quase 10% das intenções de voto, segundo pesquisas recentes de diversos institutos, Barbosa figurava em terceiro ou quarto lugares, no mesmo patamar de Marina Silva, abaixo de Lula – que segue liderando com folga, a despeito da incômoda situação de preso político – e Bolsonaro.
Barbosa notabilizou-se quando atuou como relator do caso Mensalão, sobretudo pela maneira truculenta e ditatorial com que desenvolveu seu trabalho, aí incluído até mesmo o modo de relacionamento pessoal com seus próprios pares. Não foram poucos os episódios em que se altercou ao vivo com outros ministros, em geral com uma grosseria que, em plena sessão da tarde, exigia tirar as crianças da frente da TV.
Esse não foi o seu pior, porém. Se “dar o melhor de si” é conselho repetido por cem de cada cem palestrantes motivacionais ou autores de livros de autoajuda, a máxima de Barbosa foi oposta. Ele se desdobrou para dar o pior de si, e conseguiu.
Foi ele quem deu início à onda de atropelos, em processos judiciais, aos direitos e garantias individuais consagrados pela Constituição Federal, de modo a seguir o "script" de criminalização da política e de perseguição implacável aos políticos que não interessavam ao “establishment”. Foi Barbosa que importou da Alemanha a malfadada “Teoria do Domínio do Fato”, publicada em 1963 pelo jurista alemão Claus Roxin, que a desenvolveu por ocasião do julgamento dos crimes cometidos por oficiais do partido nazista nos tribunais. Condenados como meros partícipes dos crimes contra a humanidade praticados contra judeus na época em que os nazistas estavam no poder, Roxin preocupava-se em demonstrar que eles eram autores dos fatos. “Achava que quem ocupa posição dentro de um chamado aparato organizado de poder e dá o comando para que se execute um delito tem de responder como autor e não só como partícipe”, disse o próprio jurista à Folha de São Paulo em 2014. Na mesma ocasião, frisou que “a posição hierárquica não fundamenta o domínio do fato” e que “o mero 'ter que saber' não basta”. Posteriormente, Roxin esclareceu que sua teoria não dispensa a existência de provas.
Usando de modo enviesado a teoria alemã, Joaquim Barbosa condenou José Dirceu sem qualquer prova de participação nos crimes, tendo-se contentado com o simples fato de que se tratava do ministro chefe da Casa Civil à época. Começou assim a mais grave e violenta sequência de agressões aos direitos constitucionais, no âmbito judicial, já vividos pelo país desde o regime militar.
Após anunciar sua desistência, Barbosa, que vive dizendo que foi eleitor de Lula e Dilma, mesmo durante o mensalão, e costuma acentuar as conquistas sociais de seus governos, afirmou que vê risco de um golpe militar no horizonte ou, ao menos, um golpe de Michel Temer para prolongar seu mandato. Ao fim, revelou que não votará em outubro, pois estará indo embora do país. Certamente vai curtir seu apartamento em Nova Iorque, que adquiriu de forma no mínimo suspeita, quanto à legalidade.
Muito oportunamente, Barbosa foi comparado pelo espirituoso jornalista Paulo Moreira Leite (do jornal eletrônico Brasil 247, que nesta semana me honrou com a publicação de um texto de minha autoria) ao protagonista do célebre filme brasileiro dos anos 60 – por sinal, censurado pela ditadura – que tem por título “Matou a Família e Foi ao Cinema”. O mais emblemático é que, nos anos 80, o filme teve um "remake" estrelado por ninguém menos, aliás, ninguém mais que Alexandre Frota, o protético “sex symbol” do Golpe dos Corruptos de 16. De fato, o ex-Batman do Supremo deu início ao assassínio em série dos direitos fundamentais dos brasileiros, matou a nação e agora vai tranquilamente curtir a aposentadoria nos Estados Unidos.
Outra baixa da semana na corrida presidencial foi a desistência do próprio presidente Michel Temer, outro notável “serial killer” dos direitos. Comandou a trama do “golpeachment” e seguiu pilotando a recente fase de aprofundamento do Golpe, em que se deu a morte do projeto de nação iniciado em 2003, projetado desde 1943 por Getúlio Vargas com a CLT e melhor delineado na Constituição de 88. Dono de ridículas intenções de voto nas pesquisas de opinião, Temer corria o risco de, considerada a margem de erro para menos, chegar em outubro com saldo negativo de votos. O presidente decorativo agora negocia uma aliança com Geraldo Alckmin, apostando em que, eleito, este lhe garantirá o foro privilegiado, nomeando-o para um cargo qualquer.
Temer é mais um que mata e, em seguida, quem sabe não vai também com Marcela e Michelzinho dar um pulinho na Disney.
(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)
28/04/2018
O Mito da Bolha
Ao longo da História, há registro de muitos mitos. A Mitologia grega os tem às largas. O Mito da Caverna, atribuído a Platão, alcançou foros de elevada representação filosófica e intelectual. É parte do célebre livro “A República”, em que o filósofo grego narra a história de prisioneiros que, desde o nascimento, passaram toda a vida acorrentados em uma caverna, observando as projeções das sombras produzidas na parede por uma fogueira acesa às suas costas. São projeções de estátuas representativas de pessoas, animais, objetos, aos quais os prisioneiros passam os dias analisando, atribuindo nomes e julgando. Platão sugere o que aconteceria se um deles se libertasse, saísse da caverna e se encantasse com a realidade com a qual tomaria contato do lado de fora. Conjectura que se esse liberto retornasse ao interior da caverna e relatasse tudo o que viu aos que lá permaneceram, estes certamente o ridicularizariam e o chamariam de louco, porque tudo o que conhecem como real são as sombras que se acostumaram a ver todo santo dia – algo como ocorre, nos tempos de hoje, com o telespectador acondicionado a ver e a raciocinar a partir do que lhe é mostrado através das telinhas da Globo.
Há o mito da Medusa, aquela da cabeleira formada por serpentes que se deixa seduzir por Poseidon, que a assedia e com ela faz amor - veja-se que desde sempre há gosto para tudo nesta vida. Há o de Sísifo, condenado a carregar uma grande pedra até o topo da montanha, de onde rolava para baixo e ele a reerguia, infinitamente.
Enfim, há uma infinidade de mitos, de origem, de destruição, messiânicos, folclóricos.
No Brasil, tem-se feito largo uso da palavra mito, sobretudo na política, área das atividades humanas muito favorável a surgimento de lendas e fantasias, a par de realidades históricas. O sujeito que no governo de um país reconhecidamente desigual promove um mínimo de dignidade e ascensão social aos esquecidos de sempre, fato concreto reconhecido pela ONU e pela maioria da população do próprio território e de todo o mundo, é natural que seja elevado à condição de “mito”. Sua obra autoriza a deferência.
O que não é razoável é dizer o mesmo do fenômeno eleitoral que parece desenhar-se no horizonte deste 2018. Refiro-me ao soldado raso eleito deputado federal pela primeira vez por conta de uma insurreição inaceitável nas hostes militares, motivada por questões salariais, que vem sendo chamado de “mito”, mas que, preparando-se para se sentar na cadeira presidencial de um país complexo como o Brasil, permite-se anunciar que resolverá o grave problema da violência “metralhando a Rocinha”. Como pode um “mito” acreditar num programa alimentar baseado na extração e distribuição do “leite de ornitorrinco” e, pior, supondo tratar-se de um animal que faria parte da “biodiversidade da nossa Amazônia”? O estimado leitor não acredita no que estou dizendo? Pois consulte o Google usando as palavras “Bolsonaro” e “ornitorrinco” e veja com seus próprios olhos essa insanidade vomitada da boca do mitológico candidato.
O que mais surpreende é que pessoas que posam na sociedade como inteligentes ou bem informadas arrisquem a própria biografia apostando num sujeito absolutamente ignorante, grosseiro, incapaz de conceder uma entrevista sem destratar o entrevistador na primeira pergunta que o desagrade. Sem contar os cristãos desavisados que não se pejam de comprometer a própria fé ao apoiar um pregador da morte, da tortura e que se dá ao desplante de classificar as mulheres como merecedoras ou não de serem estupradas conforme seu juízo de beleza. Um troglodita que sofre de incontinência verborrágica, useiro e vezeiro das expressões de preconceito contra negros, indígenas, mulheres e homossexuais.
A ausência de um maior conhecimento pelo grande público do que pensa o “mito” certamente é a razão de ele ainda figurar nas pesquisas de intenção de votos com algo em torno de 17% - teto em que há meses está estacionado. Evidentemente trata-se de uma candidatura bolha, como tantas que frequentaram a história das recentes eleições no Brasil desde a redemocratização. Foi assim com Doutor Eneas, com Heloísa Helena, com Marina Silva, com Ciro Gomes, no plano presidencial; foi assim com Francisco Rossi e Celso Russomano, no estado e na cidade de São Paulo – gente muito mais séria que o ogro parido em Campinas. Será assim também com ele próprio, o “mito”, que, como bolha, murchará paulatinamente à medida que se aproximar o dia das eleições ou explodirá na reta final. Basta deixá-lo abrir a boca.
Ao truculento Jair Bolsonaro restará, no máximo e quando muito, um lugar nos livros do folclore nacional, em que figurará como o “Mito da Bolha”, a envergonhar todos os que deixarem registrado nas redes sociais seu esfuziante apoio à sua candidatura. Esses que, quando nossa generosidade nos leva a mostrar-lhes a realidade, nos ridicularizam, tal qual os acorrentados da caverna de Platão.
(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)
21/04/2018
O Discurso da Sujeira
Tenta-se incutir nas pessoas a certeza de que é melhor por de lado as questões políticas e deixá-las para quem tem um dom natural para isso, ou seja, aquela casta de aristocratas supostamente ungidos por bênçãos celestiais que sempre dominaram a política no Brasil, os representantes da elite, sejam dela filhos naturais ou adotivos.
Na essência, o recado da turma de cima é o seguinte: nós, os legítimos donos da Casa Grande, é que desde sempre soubemos governar e não vocês aí da senzala. Contentem-se em chegar à nossa cozinha, limpar nossos banheiros, arrumar nossas camas e nos servir à mesa. De resto, fiquem quietinhos no cumprimento de seus deveres, porque esse é o seu lugar.
Vendida a ideia diariamente, de modo explícito ou velado, era preciso embalá-la em fatos concretos – e o que não falta são atores da Política a dar razão ao discurso da sujeira.
Instalado em 2003 o governo mais representativo das camadas populares da história do país, não demorou para eclodir a farsa do tal "mensalão", um suposto esquema que visava garantir aprovação de projetos no Congresso Nacional, como a reforma tributária, que nunca saiu do papel, e a da previdência. Ora, quem em sã consciência acreditaria que, comprando meia dúzia de deputados federais e nenhum senador, o governo garantiria a aprovação de medidas impopulares, que exigiam votos favoráveis de três quintos dos mais de seiscentos parlamentares, para "perpetuar-se no poder"? Mas foi essa a tese vencedora, foi por conta do uso artificial de um mecanismo jurídico chamado "Teoria do Domínio do Fato" que José Dirceu e José Genoino foram condenados e presos, o primeiro só por ter sido ministro-chefe da Casa Civil, o outro por ter assinado um contrato bancário na condição de presidente da instituição tomadora do empréstimo.
Apesar de todo estardalhaço, o governo foi vitorioso nas três eleições presidenciais seguintes, com Lula reeleito em 2006 e fazendo sua sucessora em 2010, quando deixou o governo com incrível aprovação na casa dos 90% dos brasileiros, e seu legado foi bastante para garantir a reeleição da primeira mulher presidenta do Brasil.
Insatisfeitos, os responsáveis pela narrativa da "política suja" persistiram e levaram muitos partidos políticos a, envergonhados, trocar o nome, extraindo dele a palavra "partido". Candidatos "não políticos" surgiram, autodenominados "gestores" ou "independentes". Dilma foi golpeada, apeada do poder sem um real crime de responsabilidade, sem nenhuma acusação de corrupção contra si, e em seu lugar, com forte apoio popular inicial, foi içada ao centro do poder a mais evidente e voluptuosa quadrilha de corruptos de que se tem notícia, chefiada pelo então vice Michel Temer.
A tentativa de consolidar o golpe, porém, tem uma gigantesca sombra a ameaçá-la - o próprio ex-presidente Lula.
Como todo político é sujo, ladrão, corrupto, segundo a lógica do discurso vendido à sociedade brasileira, não seria difícil pegar esse migrante nordestino que ousou tomar conta da sala de controle da Casa Grande. A ideia foi começar pelas beiradas, e foi facílimo apanhar, nos escalões mais elevados da Petrobrás, diretores atolados em corrupção. Pouco importa que muitos deles já fossem diretores desde o governo FHC ou que as construtoras corruptoras sugassem a companhia já desde os governos militares. O alvo era Lula.
Prenderam-se diretores, ex-deputados, ex-ministros, ex-governadores, todos flagrados com contas milionárias no Brasil e no exterior, joias e quadros valiosos, carros e imóveis de luxo, com áudios, vídeos, documentos. Não seria difícil pegar Lula.
Por um fatal erro de cálculo, porém, o alvo não correspondia exatamente ao que dele esperavam seus algozes. Exaustivamente investigado pela Lava Jato, nada foi encontrado de idôneo, sério e seguro que comprometesse o ex-presidente. Ao que tudo indica, toparam com uma raridade: um político honesto!
Foi necessário apelar à farsa do tríplex para condená-lo, um apartamento que seria dele num futuro incerto, segundo o juiz que o condenou. Foi-lhe aplicada a pena cavalar de doze anos e um mês - uma aberração para um réu primário e de excelentes antecedentes, que tanto fez em favor de milhões de necessitados deste Brasil afora.
Está preso. Está, segundo insistem em dizer, inelegível. Mas não, nem uma coisa, nem outra. Sua prisão é apenas física e sua inelegibilidade será enfrentada com amplo respaldo na lei eleitoral. Ele será candidato e lidera as pesquisas de intenção de votos, com vantagem superior ao dobro de votos do segundo colocado. Apesar de todo massacre midiático e das adversidades que vivencia, Lula arregimenta, segundo variadas pesquisas, um terço dos votos do país em primeiro turno e vence com dois terços em segundo. Também seu partido, dito morto e enterrado, segue firme e forte, ostentando a preferência do eleitorado, sem ter feito concessão ao discurso hipócrita da negação da política, sem ter mudado de nome ou orientação ideológica.
A liderança de Lula e do PT, sua resistência e resiliência, representam a vitória da Política sobre o discurso que tenta negá-la. Alvíssaras! (Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador pelo PT de Capivari de 1989/92 e 2001/04)
14/04/2018
Eu Sou o Cara
Eu sou a coragem, sou aquele que não se intimidou diante da opressão dos canhões, das botas e das baionetas, que não se curvou diante dos que o tentaram calar na prisão e na opressão midiática.
Eu sou o sonho, sou aquele que ousou projetar um futuro melhor para o seu povo, para além da própria categoria profissional.
Eu sou a tenacidade, sou aquele que sofreu derrotas sucessivas, mas jamais baixou a cabeça, jamais desistiu, que venceu a escalada e chegou ao cume da montanha.
Eu sou a realidade, sou aquele que levou vida em abundância aos condenados ao longo da história a morrer de fome ou à exclusão social, aquele que levou alimento e levou água, que proporcionou energia elétrica, casa própria, acesso ao crédito, à universidade e a todos os recursos públicos e privados antes reservados pelos poderosos para a casta de privilegiados, como se fossem dádivas divinas incompartilháveis.
Eu sou a dignidade, sou aquele que levou oportunidade e permitiu aos menos favorecidos superar os obstáculos, realizar os sonhos e se posicionar empoderados em meio à sociedade opressora.
Eu sou a justiça, aquele que sempre lutou em favor da igualdade, sem distinção de raça, de origem, de sexo, de ideologia ou de religião.
Eu sou o amor, aquele que sempre pregou a paz social e a prosperidade para todos.
Eu sou a liberdade, sou aquele que por toda vida preservou e fez valer, mesmo sob ataque desmedido dos que detêm o controle concentrado da informação, o direito ao pensamento e à livre expressão.
Eu sou a alegria, sou aquele incapaz de negar um sorriso a quem quer que seja e que, no momento mais difícil, sou capaz de dar alento e proporcionar esperança a quem esteja em desespero.
Eu sou a honestidade, sou aquele que por anos, por décadas, teve a vida investigada, a intimidade vilipendiada, os direitos violados, e nada, absolutamente nada, encontraram que comprometesse sua honra e que, ao contrário, só encontraram superação, coragem, tenacidade, dignidade, justiça, amor, liberdade e alegria.
Involuntariamente, porém, eu sou aquele que despertou, nos que o imaginavam incapaz de vencer os desafios, a inveja e o preconceito, que com o tempo se disseminaram e se transmudaram em ódio, que se projetou e se transformou em ódio generalizado àqueles a quem represento.
Eu sou a resiliência, sou aquele que trancafiaram numa jaula como um animal feroz e perigoso, a quem subjugaram e retiraram todos os direitos, mas aquele que se nutre das adversidades para se tornar mais forte, mais cheio de vida, imbatível.
Eu sou milhões, sou aquele que prenderam como passarinho, mas passarinho que não aceita a gaiola e voa para o infinito e que, voando, espalha seus sonhos pelos sonhos de todos a quem representa.
Eu sou a multiplicação, sou aquele que, impedido de caminhar com as próprias pernas, refaz a caminhada pelas pernas daqueles que comungam dos mesmos ideais.
Eu sou a vida, sou aquele cuja morte é desejada pelos que desconhecem que um ideal não se mata, sou o que sobreviverá para sempre na memória dos que cultivam no coração a gratidão dos bons e na mente a sabedoria dos justos.
Muito prazer, eu sou esse cara.
(Luís Antônio Albiero, em Capivari-SP, 14 de abril de 2018 - uma semana após Lula ter sido levado à prisão política por Sérgio Moro para não ser candidato a presidente da República)
06/04/2018
O Drible da Vaca
“In claris cessat interpretatio”, diziam os latinos, e a Constituição é suficientemente clara, cessando qualquer necessidade de interpretação, ao estatuir, no art. 5º, inc. LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Ora, trânsito em julgado é um momento preciso do processo, que se dá quando não cabe mais recurso, ou seja, quando enfim esgotados todos os recursos cabíveis. Nesse momento, um serventuário certifica nos autos que no dia tanto de tanto “o acórdão (ou a sentença) de fls. transitou em julgado”. A partir daí, não há mais o que fazer e o condenado pode ser levado à prisão para dar início à execução da pena.
Há hipóteses legais de prisão antes desse momento, mas são prisões em caráter excepcional, a prisão em flagrante, a temporária e a preventiva. Para cada uma delas, há requisitos que devem ser observados e são todas provisórias. O requisito para que alguém seja preso em definitivo, ou seja, para cumprimento da pena, é que a condenação haja transitado em julgado e ponto final. É o que está na Constituição!
O ministro Luís Roberto Barroso, do alto de sua intelectualidade cosmética, chegou a mencionar, em tom crítico, que por vezes “as palavras perdem sentido”. De fato, parece mesmo que o ministro ainda não encontrou o sentido de palavras tão singelas como a expressão “até o trânsito em julgado”. Sem culpa formada em definitivo, ninguém pode ser preso a título de cumprir a pena.
A sempre espantada ministra Rosa Weber – mais assustada do que nunca, decerto por conta da intensa pressão que lhe fez a mídia e da ameaça do comandante do Exército – ofereceu seu voto embrulhado em uma retórica dúbia que lhe permitia encaminhar-se para qualquer lado. Um voto “primoroso”, segundo a ironia e o cinismo do colega Dias Toffoli. Em essência, Rosa Weber disse que é contra a prisão em segunda instância, mas negou o habeas corpus ao ex-presidente em prestígio ao tal “princípio da colegialidade”. Votou como tem votado na Turma da qual faz parte, acompanhando feito “maria-vai-com-as-outras” os demais colegas, comportamento que repetiu mesmo reconhecendo que o plenário é o local apropriado para que a Corte estabeleça novos rumos e, portanto, cada ministro tenha ali a oportunidade de expressar seu posicionamento com liberdade. Como a água que gira em círculo, mas sempre vai pelo ralo, ela fez literalmente um raciocínio circular. Penso A, mas voto B porque há uma maioria que vota assim, embora se hoje eu votasse A, como amanhã votarei, hoje mesmo haveria maioria na direção de A. Uma excrescência, enfim, que revela apego a um formalismo irracional e desumano, justamente por quem jura que não é adepta da “forma pela forma”.
Fico imaginando a ministra, findo o “jogo”, concedendo entrevista ainda no “gramado”, tentando explicar como foi que fez esse golaço. Diria ela, repetindo um jogador do XV de Piracicaba nos anos setenta: “fiz que fui, mas não fui e acabei ‘fondo’”. Uma espécie de “drible da vaca” – e que me perdoem as bovinas se as ofendo.
Nesse imbróglio jurídico, repetiu-se aquilo que na mesma sessão o ministro Barroso disse recusar-se a fazer parte. No país dos “delinquentes ricos”, ao fim e ao cabo ele e a maioria do Supremo mandaram para a cadeia o menino pobre de Garanhuns, primário e dono dos melhores antecedentes possíveis. É o que acontece diariamente, Brasil adentro. Prisão por um crime que o acusado não cometeu, corrupção passiva sem propina, sem ato de ofício, sem provas, baseada apenas em delação. Enfim, uma condenação teratológica, a teratologia (monstruosidade) que Luiz Fux disse não ter vislumbrado nos autos.
A direita hoje festeja porque pensa ter alcançado seu objetivo. Depois de quatro derrotas seguidas, arrancou à força a presidenta legitimamente eleita pelo povo e agora, por faltar-lhe um candidato minimamente competitivo, imagina ter tirado do jogo o craque que tanto a amedronta. Quer ganhar por “WO”, sem adversário em campo. E se orgulha desse vexame.
(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)
30/03/2018
Os Três Barbudos
Assim é exemplo o exercício da tolerância, que nos inspira a aceitar os outros exatamente como eles são. O sujeito barbudo, cuja memória celebramos, convivia com pessoas de todas as raças e origens, com homens e com mulheres, com idosos e crianças, com sãos e com doentes, com prostitutas e toda sorte de desajustados sociais – os tais “pecadores”, hoje os ditos “bandidos” e “vagabundos”. Ele nos legou a lição de cultivar o amor em lugar do ódio, a justiça em vez da truculência, a paz e não o conflito. A vida, não a morte.
Exemplos de outra ordem também podem ser lembrados. Naquele tempo, não havia tríplex, nem dallagnóis e moros, mas já havia processos judiciais sem crime e condenações sem provas. Não havia vazamentos para a imprensa, nem Rede Globo, mas os poderosos da época já manipulavam e insuflavam o povo, a ponto de um populacho irracional e irascível ir às ruas pedir a crucificação de quem lhe houvera trazido pão, esperança e fé. Não havia Eduardo Cunha, nem Michel Temer e sua trupe, mas aquela gente insana também pediu a libertação de um criminoso em troca de um honesto, como nos dias de hoje não faltou quem defendesse a liberdade de Cunha e ainda há quem tolere passivamente o governo de Judas e seus corruptos. Não havia um supremo tribunal, mas houve magistrado que também se acovardou e lavou as mãos.
Os primeiros seguidores do judeu barbudo praticavam o modelo de uma vida em comunidade, em que nada era de ninguém e todos dividiam entre si o que obtinham para sobreviver. Uma ideia genial que, séculos depois, um segundo barbudo, este alemão de origem também judaica, adaptaria aos novos tempos e transformaria em teoria econômica, a qual, estranhamente, passaria a assombrar e ainda assombra os que se dizem seguidores do primeiro.
A História nem sempre, quase nunca é original. Ela se repete e se alterna, ora como tragédia, ora como farsa, mais ou menos como dizia o segundo barbudo, o alemão.
Eis que a farsa judicial se repetiu com contornos de tragédia em terras brasileiras, onde um terceiro barbudo, oriundo não da rejeitada Galileia, mas do Nordeste do país, vem sofrendo sob as nossas barbas implacável perseguição imposta pelos poderosos de hoje. E há também uma parte da sociedade que quer, como nos tempos do Império Romano, vê-lo condenado, preso, morto, ao mesmo tempo em que esse mesmo segmento expressa admiração por um “especialista em matar”, pregador do ódio a negros, índios, homossexuais e mulheres – que diz que as mais belas “merecem” ser estupradas –, propagador da tortura, arauto da morte.
Modelo é para ser seguido e o terceiro barbudo seguiu à risca o exemplo do primeiro. Não operou milagres, que santo ele não é, mas, com políticas governamentais, ele levou pão a quem tinha fome, levou dignidade, autoestima, esperança e fé; levou vida, e vida em abundância, não só alimentos, mas água, luz, crédito, saúde e educação, salvando da morte por inanição ou da exclusão social mais de trinta milhões de seres humanos brasileiros.
Tal qual lá no remoto passado, essas práticas incomodaram os poderosos e a parcela manipulada da sociedade de hoje, que agora o querem condenado, preso, se possível morto. Esquecem-se que a morte na cruz não calou o barbudo da Galileia, que seguiu e prossegue no mundo a pregar pela voz de seus seguidores. Suas ideias jamais foram encarceradas ou assassinadas e atravessaram os séculos, vivas e libertas até os dias de hoje.
Como dizia o primeiro das barbas longas, não podemos servir a dois senhores ao mesmo tempo. O amor não combina com o ódio. A justiça é o contrário da arbitrariedade. A tolerância se opõe ao preconceito. A vida é o reverso da morte. Aproveite esta Semana para refletir sobre o que quer para o nosso Brasil e faça a sua escolha.
Páscoa, ressurreição, oportunidade imperdível para repensar e selar um compromisso com a tolerância, com a solidariedade, com o amor, com a justiça. Com a vida!
(Luís Antônio Albiero, advogado, ex-vereador de Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04)
24/03/2018
Carminha e o "S" Minúsculo
A presidenta do Supremo Tribunal Federal jurou de pés juntos aos representantes da Shell e da Rede Globo que não colocaria em pauta o debate genérico em torno da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, muito menos o pedido de habeas corpus formulado pelo ex-presidente Lula. Isso porque – dizia ela – o Supremo não poderia “apequenar-se”; e mais, porque ela não é desse tipo que se submete a pressões. A menos, claro, que se trate da maior emissora de televisão do país. Ninguém é de ferro, afinal.
Ela desonrou as juras e, matreiramente, pôs em pauta o pedido de habeas corpus, antes que o caso mais abrangente fosse “posto em mesa” para julgamento. Com isso, forçou o ex-presidente a ir para o tudo ou nada e evitou que pudesse vir a ser favorecido com uma decisão genérica que devolvesse a normalidade constitucional à tormentosa questão da prisão já em segundo grau. É que há a expectativa de que já se tenha formado maioria em favor da prevalência da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória, tal qual inscrito na Constituição. De quebra, a Pequena Carmen, Carminha para os íntimos, jogou sobre os ombros do ex-presidente mais essa “culpa”, a de provocar uma inversão no entendimento da Corte que já se desenhava, a contragosto de certa parcela da tal opinião pública, ávida por prisões em massa.
Com essa poltronice, Carminha cedeu a interesses mesquinhos e escusos de grupos e se superou, indo além da pequenez que tem marcado sua conduta à frente da mais importante Corte brasileira.
Ainda nesta mesma semana, causou espécie o bate-boca em que se meteram os supremos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, sob o olhar complacente da ministra presidenta. Durante toda a discussão que resultou no “barraco”, Mendes, a despeito de sua linguagem sempre ferina, havia desfiado argumentos pertinentes acerca do tema debatido (financiamento empresarial de campanhas eleitorais), embora adotando posição favorável ao nefasto expediente recentemente julgado inconstitucional. Ao mencionar espertezas de seus colegas de tribunal para garantir vitória de suas teses, atirou uma carapuça que fez Barroso saltar como mocinha casadoira em busca do buquê da noiva. “Como um gato”, ele a agarrou e a vestiu, e eis que ela lhe caiu com perfeição, como se confeccionada sob medida. Dizendo-se ofendido, o trejeitoso ministro desandou a encenar uma peça de ensaiada indignação e a declamar um discurso decorado que atingiu o fígado e as partes baixas do colega, para delírio da patuleia ignara.
E Carminha lá, inflexível, sentadinha na poltrona principal, até que, esquecendo-se de que há muito pouco tempo ela mesma dissera que “cala-boca já morreu”, silenciou Mendes e suspendeu a sessão. Gilmar, a própria encarnação do Mal – segundo Barroso –, ainda teve oportunidade de provocar o oponente com uma sentença, concitando-o a “fechar seu escritório de advocacia”, o que propiciou voos de águia aos pensamentos dos atônitos súditos espalhados por todo o país, acometidos de vergonha alheia.
A reação desproporcional de Barroso fez parecer que ele escolheu precisamente o momento em que se debatia uma questão em que Gilmar, que nutre ódio confesso pelo partido do ex-presidente, demonstrava poder vir a se posicionar em favor deste, quiçá na intenção de delimitar os campos "pró" e "contra Lula", num evidente jogo de cena voltado mais para as câmeras, para os holofotes, para o respeitável público.
Se o “S” que compõe a sigla do tribunal já se havia tornado minúsculo por obra e graça de sua presidenta, após esses episódios o supremo tornou-se "suprimo", apequenado ao limite extremo e insuplantável. Suprimiu-se a si mesmo, depois de ter contribuído para a supressão dos demais poderes. Temos no comando do Executivo um usurpador que lá foi posto de forma inconstitucional e, no Legislativo, uma plêiade de iguais corruptos preocupados em salvar a própria pele, frutos do acordo nacional avençado “com o supremo, com tudo” e prenunciado por Romero Jucá, ele mesmo metido até o pescoço em acusações e ainda posicionado no centro do Poder.
A República ruiu, acabou, desmoronou até não restar pedra sobre pedra – como também já nos alertara a profetisa Dilma Vana Rousseff. É chegada, pois, a hora de refundarmos o que um dia foi a República Federativa do Brasil.
(Luís Antônio Albiero, advogado em Americana e Capivari, ex-vereador pelo PT de 1989/92 e 2001/04)
17/03/2018
A Grande Novela da Globo
Pela direita, condena-se a emissora da família Marinho pelo que ela tem de avançado, por sua capacidade de influenciar a sociedade a despertar o respeito à diversidade, sobretudo ao modo de ser de cada um. Excessos de cenas sensuais ou de sexo explícito nos programas de entretenimento, dos auditórios às novelas, chocam uma moral média com o que, para parte da sociedade, significa avanço, amadurecimento, expressão de liberdade de um povo. Ao discutir temas como identidade de gênero, a Globo presta um serviço inestimável para que o Brasil se torne um país em que todos nos respeitemos, respeitando nossas diferenças, mas isso desperta o preconceito jacente em certo segmento, que se transforma em ódio aos que lhe são diferentes e à própria emissora.
É, porém, exatamente na área do entretenimento que a Rede Globo emprega e dá amplitude à voz de gente como Paulo Betti, José de Abreu, Marieta Severo, Osmar Prado, atores que são linha de frente na divulgação de um certo ideário de esquerda.
Onde realmente a Globo tem problemas não é no divertimento, mas no jornalismo. A direção da emissora, nessa área, parece inapta a lidar com a Democracia, com a diversidade de pensamentos, vale dizer, não aprendeu com os seus próprios programas de entretenimento. Quer impor um pensamento único, influenciar nos destinos políticos do país – de modo consentâneo, claro, com seus interesses econômicos e da classe social que representa.
Ao longo da História, as Organizações Globo sempre fomentaram golpes de Estado e interferiram nos resultados das eleições. Foi assim em 1964, quando se instalou o regime militar, durante o qual nasceu e floresceu a rede de televisão; foi assim na cobertura das Diretas Já, em 1984, nas eleições de 1989, nas últimas quatro eleições presidenciais, em que a emissora investiu carga pesadíssima contra os candidatos e partidos vitoriosos. Foi assim na cobertura das Jornadas de Junho e dos movimentos de rua pelo impeachment, que culminaram com o golpe contra uma presidenta honesta, sem que houvesse um crime de responsabilidade que o legitimasse.
As Organizações Globo não se acanham em confundir as áreas, transformando seu jornalismo em uma perigosa oficina de ficção. Na era da pós-verdade, especializaram-se em produzir “fake news” de repercussões nefastas para a sociedade.
Foi seguindo essa linha de “reality fiction” que teve início, com uma reportagem do jornal O Globo, a novela do tríplex do Guarujá. Foi voltando os holofotes para certos juízes e procuradores da República que a organização deu curso real à falsa notícia, que foi chancelada por um juiz transformado em super-herói antinacional, que emitiu uma sentença absolutamente divorciada das provas e do ordenamento constitucional brasileiro.
A condenação, apesar de juridicamente insustentável, foi ampliada por três patéticos desembargadores que, com o mesmo artificialismo com que se escrevem roteiros de novela, elevaram a pena para evitar a prescrição. Um enredo de dar inveja a autores talentosos como os saudosos Dias Gomes e Janete Clair, substituídos por pouco hábeis Williams das bancadas ditas jornalísticas.
Desmascarada ao vivo em transmissão internacional do carnaval do Rio, a emissora deu o troco e lançou mão de seu talento ficcional para ampliar a percepção de insegurança que reina sobre o estado fluminense e assim legitimar uma desastrosa intervenção militar federal, a qual fez seu primeiro cadáver importante no capítulo da noite desta quarta-feira, 14 de março. A vereadora Marielle Franco, do PSOL, foi cruelmente assassinada em pleno centro da capital, ao que parece por sua valentia ao denunciar e combater a violência policial contra seus irmãos negros da periferia. A intervenção, como era esperado, não conteve os abusos dos órgãos de segurança e só contribuiu para empoderá-los ainda mais.
Assim segue a grande novela da Globo, que prevê um capítulo tenso para a próxima semana, quando saberemos se o ex-presidente será ou não preso por um crime que não cometeu. A equipe de jornalismo da Globo parece não ter percebido que em todo dramalhão que exibe, saído do imaginário competente de Sílvio Rodrigues, Gilberto Braga e até do preconceituoso Aguinaldo Silva, os heróis são perseguidos e presos injustamente, mas no final da novela o bem sempre vence o mal.
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.
(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04).
10/03/2018
Nus em Pelo
O que mais me tem espantado, a par da insensibilidade e do grau de ignorância sobre a História do país e do mundo, é a sem-cerimônia com que esses infonavegantes lidam com o interlocutor – ou seja, comigo, com o apertador de teclinhas que está do lado de cá do aparelho.
O respeito é zero. O sujeito que está do outro lado não me conhece, não faz ideia de quem eu seja, nunca me viu, nunca trocou uma só palavra antes comigo, mas já se sente no direito de extrair um milhão de conclusões sobre o meu caráter. Eu, o sujeito que está do lado de cá, sou agraciado com diversos qualificativos, ou desqualificativos, muitos dos quais fariam corar porteiro de casa de tolerância. De “burro” a “ladrão” – os mais singelos –, os designativos variam ao gosto do freguês, mas o que mais me desperta a atenção é quando me chamam de “velho”.
É evidente que basta uma breve pesquisa no meu perfil para o sujeito saber qual a minha idade e avaliar a minha imagem, que aparece no meu “avatar”. Não creio que meus 54 anos e essa minha carinha de dezoito emoldurada por grisalha cabeleira sejam suficientes para me caracterizar como “velho”, se é que alguém, qualquer que seja a faixa etária, há de merecer ser tratado como tal, ainda mais em tom evidente de xingamento. Não demora, o nada refinado internauta solta uma pérola, um juízo qualquer sobre política ou realidade social, o que me dá ensejo de lhe dizer “meu caro, quando você crescer em idade e em conhecimento certamente terá vergonha do que acabou de escrever".
Em geral, são jovens, de ambos os sexos, com inegável propensão ao fascismo que não se pejam de passar vexame nas redes sociais, expondo a nudez peluda de seu espírito carregado de ódio e preconceito, do tipo que aplaude um ogro mentecapto que afirma que o melhor caminho para enfrentar a violência é “metralhar a Rocinha” e que se julga no direito de decretar quais mulheres têm o “direito” de ser estupradas, conforme a beleza física de cada uma.
São meninos e meninas que mal ouviram falar dos anos de chumbo da ditadura militar e que não viveram as dificuldades econômicas que o país atravessou logo após a redemocratização. Garotos e garotas que passaram a infância e a juventude metralhando e matando inimigos virtuais em joguinhos de “videogames”, o que deve ter contribuído para lhes passar a falsa impressão de que a vida humana tenha o mesmo valor das “vidas” dos personagens fictícios que se acostumaram a eliminar e de que há um “chefão” a ser destruído no final do jogo.
Não sou psicólogo, não ambiciono dar qualquer peso técnico à avaliação que acabo de fazer, mas é o que me ocorre a partir da observação do que tem ocorrido tanto na vida real quanto nas redes sociais, especialmente no contato direto com uma parcela dessa juventude, à qual se juntam, bobos alegres, os “tiozões” sem-noção de todas as idades.
Nestes sombrios tempos pelos quais estamos passando, temo que esse comportamento odiento, de desqualificação e eliminação do outro, tome corpo e venha a ser determinante no pleito eleitoral que se realizará em outubro. A democracia brasileira, recentemente falecida, não merece ser substituída – muito menos por meio do voto popular, suprema ironia – por um regime que já experimentamos e que julgávamos morto e enterrado, que se baseia na intolerância, na truculência e na destruição de quem ouse pensar diferente.
Alguém precisa dizer a esses jovens que só há uma alternativa à velhice. Torço para que todos eles possam experimentar o prazer e o privilégio de envelhecer.
(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04).
03/03/2018
Memórias de um Advogado Bissexto
Em 29 de fevereiro de 1988 deu-se minha inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Lá nos primórdios calculei que aos vinte anos de carreira eu estaria rico. Profissional bissexto nos ganhos, três décadas depois o cálculo continua o mesmo, só se deslocou no tempo o marco zero, que passa a ser o dia de hoje. Enfim, a cada dia renova-se a velha e imortal esperança! A diferença é que inicio um novo período marcado já por rica experiência.
Como advogado, sou anterior à Constituição Federal, quase contemporâneo. Acompanhei nos bancos da faculdade o desenrolar da assembleia nacional constituinte, que, naquele mesmo ano, em 5 de outubro, viria a conceber a tal “Carta Magna”, a que o saudoso Ulysses Guimarães ousou chamar de ”Constituição Cidadã”, tais as conquistas prometidas em favor da cidadania nacional.
De Lula a Mário Covas, passando pelo próprio Doutor Ulysses, a Constituição brasileira de 1988 foi concebida por muita gente séria. A despeito de um perfil conservador, mais inclinado à centro-direita, aquele congresso constituinte soube elaborar uma carta política francamente progressista, das mais avançadas do mundo. Lá estavam Florestan Fernandes, José Genoíno, Plínio de Arruda Sampaio, Roberto Campos, Delfim Neto, Jarbas Passarinho, dentre outras estrelas de primeira grandeza.
Ao longo desses trinta anos, tive a oportunidade de vivenciar, na prática diária do Direito e da Política, o desenvolvimento constitucional brasileiro. Eleito vereador no mesmo ano em que me tornei advogado, sou em parte testemunha, em parte, muito modestamente, protagonista dos avanços que o país experimentou a partir do seu novo marco jurídico, cercado, no parto, das esperanças de que dias melhores viriam, e que em boa medida vieram, de fato.
Nos moldes do novo desenho constitucional, sobrevivemos ao primeiro impeachment, em que o presidente Collor fora diretamente acusado de envolvimento em ato de corrupção, e experimentamos importantes conquistas sociais, econômicas e políticas. Depois de um golpe na poupança, confiscada pelo presidente afastado, instituímos uma nova moeda e controlamos o monstro insaciável da inflação. Seguiu-se a eleição do primeiro operário presidente da República e, com ele, trinta milhões de brasileiros antes condenados a morrer de fome ou à exclusão social, souberam o que é ter um mínimo de dignidade e puderam desfrutar de um inédito processo em massa de inclusão e ascensão social. Direitos foram ampliados, salários e benefícios previdenciários valorizados, empregos criados aos milhões. O Brasil ganhou respeito no cenário internacional. O operário foi reeleito, elegeu e reelegeu a primeira mulher a ocupar a presidência da República. Com ela, chegamos ao final de 2014 em situação de pleno emprego, com índices irrisórios de desocupação, abaixo dos 5%.
Mas, com a reeleição da presidenta, aflorou o ódio de uma casta insatisfeita com a presença dos da senzala na sala de controle da casa grande, ingrediente que se somou ao recalque de um narcocandidato das elites que não soube digerir a derrota e fez juras de vingança e morte à eleita. Em meio a essa combinação explosiva, ascendeu o hoje presidiário Eduardo Cunha, a par do mais conservador, reacionário e corrupto conjunto de parlamentares jamais visto na História do Brasil. Com as pautas-bomba de Cunha e a execução da promessa de sangria de Aécio e seus aliados, inviabilizou-se o governo Dilma até o ponto de tirá-la do governo sob falsa acusação de crime de responsabilidade, por conta de mal explicadas “pedaladas fiscais”. Executou-se o golpe, enfim, que se desenhava desde as “jornadas de junho”; aliás, desde o “mensalão”, em que líderes políticos progressistas foram condenados sem provas, na esteira de uma tal “teoria do domínio do fato”.
Esse processo de esgarçamento dos direitos assegurados pela Constituição Federal alcançou seu clímax recentemente, com a condenação de um ex-presidente da República também sem crime e sem prova, igualmente sustentado, de maneira envergonhada, enrustida, na mesma teoria que nem contra os nazistas ousou-se aplicar, com a clara intenção de alijá-lo da disputa presidencial deste ano. Três desembargadores que poderiam ter posto um fim a esse propósito da classe dominante de alijar do processo político o ousado representante das camadas populares preferiram cumprir o papel que lhes foi destinado pela elite e, num julgamento patético que fez corar o mais distraído aluno do primeiro ano de Direito, mantiveram a sentença e ampliaram a pena para Lula. Tudo sob o olhar complacente e conivente de um acovardado supremo tribunal federal, “guardião da Constituição”, indigno, no entanto, de ter seu nome escrito com iniciais maiúsculas.
Em 29 de fevereiro deste ano eu deveria estar comemorando meus trinta anos de carreira profissional. Imaginava fazê-lo em melhor condição. A riqueza não veio e me comeram até o dia da comemoração. Há três décadas, como diria Drummond, um anjo torto deve ter-me dito “vai, Luís, ser um advogado bissexto na vida”. Só não imaginei que ao fim e ao cabo desse longo espaço de tempo eu viesse a concluir um artigo pedindo – como o jogador que marca três gols num mesmo jogo e pede música no programa dominical da TV – um réquiem para nossa Constituição Federal, falecida, coitada, antes mesmo de chegar aos trinta.
Som na caixa, maestro!
(Luís Antônio Albiero, advogado, vereador em Capivari pelo PT em 1989/92 e 2001/04).