A presidenta do Supremo Tribunal Federal jurou de pés juntos aos representantes da Shell e da Rede Globo que não colocaria em pauta o debate genérico em torno da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância, muito menos o pedido de habeas corpus formulado pelo ex-presidente Lula. Isso porque – dizia ela – o Supremo não poderia “apequenar-se”; e mais, porque ela não é desse tipo que se submete a pressões. A menos, claro, que se trate da maior emissora de televisão do país. Ninguém é de ferro, afinal.
Ela desonrou as juras e, matreiramente, pôs em pauta o pedido de habeas corpus, antes que o caso mais abrangente fosse “posto em mesa” para julgamento. Com isso, forçou o ex-presidente a ir para o tudo ou nada e evitou que pudesse vir a ser favorecido com uma decisão genérica que devolvesse a normalidade constitucional à tormentosa questão da prisão já em segundo grau. É que há a expectativa de que já se tenha formado maioria em favor da prevalência da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória, tal qual inscrito na Constituição. De quebra, a Pequena Carmen, Carminha para os íntimos, jogou sobre os ombros do ex-presidente mais essa “culpa”, a de provocar uma inversão no entendimento da Corte que já se desenhava, a contragosto de certa parcela da tal opinião pública, ávida por prisões em massa.
Com essa poltronice, Carminha cedeu a interesses mesquinhos e escusos de grupos e se superou, indo além da pequenez que tem marcado sua conduta à frente da mais importante Corte brasileira.
Ainda nesta mesma semana, causou espécie o bate-boca em que se meteram os supremos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, sob o olhar complacente da ministra presidenta. Durante toda a discussão que resultou no “barraco”, Mendes, a despeito de sua linguagem sempre ferina, havia desfiado argumentos pertinentes acerca do tema debatido (financiamento empresarial de campanhas eleitorais), embora adotando posição favorável ao nefasto expediente recentemente julgado inconstitucional. Ao mencionar espertezas de seus colegas de tribunal para garantir vitória de suas teses, atirou uma carapuça que fez Barroso saltar como mocinha casadoira em busca do buquê da noiva. “Como um gato”, ele a agarrou e a vestiu, e eis que ela lhe caiu com perfeição, como se confeccionada sob medida. Dizendo-se ofendido, o trejeitoso ministro desandou a encenar uma peça de ensaiada indignação e a declamar um discurso decorado que atingiu o fígado e as partes baixas do colega, para delírio da patuleia ignara.
E Carminha lá, inflexível, sentadinha na poltrona principal, até que, esquecendo-se de que há muito pouco tempo ela mesma dissera que “cala-boca já morreu”, silenciou Mendes e suspendeu a sessão. Gilmar, a própria encarnação do Mal – segundo Barroso –, ainda teve oportunidade de provocar o oponente com uma sentença, concitando-o a “fechar seu escritório de advocacia”, o que propiciou voos de águia aos pensamentos dos atônitos súditos espalhados por todo o país, acometidos de vergonha alheia.
A reação desproporcional de Barroso fez parecer que ele escolheu precisamente o momento em que se debatia uma questão em que Gilmar, que nutre ódio confesso pelo partido do ex-presidente, demonstrava poder vir a se posicionar em favor deste, quiçá na intenção de delimitar os campos "pró" e "contra Lula", num evidente jogo de cena voltado mais para as câmeras, para os holofotes, para o respeitável público.
Se o “S” que compõe a sigla do tribunal já se havia tornado minúsculo por obra e graça de sua presidenta, após esses episódios o supremo tornou-se "suprimo", apequenado ao limite extremo e insuplantável. Suprimiu-se a si mesmo, depois de ter contribuído para a supressão dos demais poderes. Temos no comando do Executivo um usurpador que lá foi posto de forma inconstitucional e, no Legislativo, uma plêiade de iguais corruptos preocupados em salvar a própria pele, frutos do acordo nacional avençado “com o supremo, com tudo” e prenunciado por Romero Jucá, ele mesmo metido até o pescoço em acusações e ainda posicionado no centro do Poder.
A República ruiu, acabou, desmoronou até não restar pedra sobre pedra – como também já nos alertara a profetisa Dilma Vana Rousseff. É chegada, pois, a hora de refundarmos o que um dia foi a República Federativa do Brasil.
(Luís Antônio Albiero, advogado em Americana e Capivari, ex-vereador pelo PT de 1989/92 e 2001/04)