No auge da pandemia, questionado sobre o que efetivamente faria para enfrentá-la, ele disse ser um especialista em tirar vidas, não em salvá-las. “Sou capitão do Exército, fui treinado para matar”, disse ele na oportunidade.
No início desta semana, o valente especialista em matar recebeu, num encontro de nove torturantes minutos, dois ministros do STF, Luís Édson Fachim e o “canalha” do Alexandre de Morais - desqualificativo que lhe pespegou o próprio anfitrião. Foram, constrangidos, entregar ao (irc!) presidente da República um convite para a solenidade de posse de ambos no comando do TSE. Maior constrangimento parece ter sofrido o próprio BolsoNero que, sabe-se lá se para não passar sozinho pelo desconforto ou, quiçá, para botar pressão sobre o supremo inimigo, resolveu fazer-se acompanhar pelo ministro da Defesa, Braga Neto, e seus três soldados - no caso, um general, um tenente-brigadeiro e um almirante, ninguém menos que os comandantes das Forças Armadas.
Terminado o brevíssimo convescote e registrados em fotografias os sorrisos amarelos de parte a parte, BolsoNero não conteve sua pulsão de morte e seu autodeclarado talento para matar. Resolveu ir a uma academia de tiro, decerto para extravasar seus instintos mais primitivos, como dissera outrora a José Dirceu o hoje preso Roberto Jéferson, parceiro de ódio ao ministro Xandão. Ou terá sido para dar um recado duro ao desafeto togado, quem irá saber?
BolsoNero deve ter olhado para a cabeça do magistrado, a quem, na carta “vamos-dar-os-dedinhos” redigida por Michel Temer, houvera chamado de “brilhante” e imaginado que, ali tão próxima, tão ao seu alcance, exposta às inteiras, toda insinuante em sua reluzente nudez, ele não teria como errar aquele cocuruto gorduchinho. Foi, aliás, o que logo depois veio a dizer pelo Twitter a um rechonchudo influêncer das infovias que ousou fazer troça de sua, aspas, destreza.
Noutros tempos, segundo célebre fala do filho Flávio Mansões Bolsonaro, bastariam um cabo e um soldado para fechar todo o Supremo. O pai descobriu na prática quão dura é a realidade, pois nem com a quadra de fardados do mais elevado coturno ao seu lado foi capaz de controlar sequer um dos ministros da Suprema Corte. Xandão não perdeu tempo e já no dia seguinte determinou o compartilhamento de provas que comprometem o (argh!) presidente numa investigação de crime de vazamento de informações sigilosas.
O fato é que o especialista em armas, capitão reformado do Exército, acabou se revelando alguém que não sabe atirar, não tem habilidade para manejar sequer uma arma de pequeno porte. A cena ridícula fez-me lembrar do histórico do (eca!) presidente, não o de atleta, por ele mesmo tantas vezes lembrado em autolouvor, mas o de militar.
“O Especialista” é o nome de um filme dos anos 90 protagonizado por Silvester Stallone, que, contracenando com a estonteante Sharon Stone, vive um agente da CIA aposentado na função de perito em explosivos. Nos tempos em que permaneceu no Exército, nosso ainda (bleargh!) presidente, o “expert” em matar que não sabe atirar, chegou a ser preso e expulso das Forças Armadas por planejar explodir equipamentos da corporação. O plano de explosão não rendeu nem um traquezinho sequer e a ala mais extremista do Exército deu um jeito de promovê-lo e reformá-lo, evitando que se consolidasse a pena de expulsão. Ou seja, nem capitão ele jamais chegou a ser de verdade. Dali ele pulou para a Política, eleito vereador em 1988.
Da Câmara Municipal do Rio de Janeiro ele saltou para a dos Deputados, em Brasília, onde passou 28 anos de relativa discrição nos recônditos do baixo clero do legislativo federal enriquecendo-se à base de drenagem de dinheiro público por meio de assessores fantasmas (a chamada “rachadinha”, expediente para o qual encaminhou os três primeiros filhos e duas ex-esposas, criando assim a primeira franquia eleitoral dedicada a explorar o patronímico famoso), obscuridade que só foi quebrada por conta de seus arroubos autoritários, sua pregação de ódio, sua verborragia chula e sua valentia contra mulheres, em relação às quais costuma separar as que, conforme a beleza ou sua ausência - segundo seu juízo, claro -, são merecedoras de serem estupradas das indignas dessa “honraria”.
Súbito, transformou-se em “mito” - palavra que tem múltiplos sentidos, mas que basicamente reúne sinônimos como quimera, absurdo, aparência, devaneio, fábula, fantasia, faz de conta, ficção, ilusão, imaginação, invenção, lenda, sonho, utopia, visão, desatino e, por fim, mentira. Está tudo no Google, é só buscar por “mito sinõnimos”.
E foi nessa condição de “mito” que chegou à (grr!) presidência da República, por força de uma conjunção de fatores que incluem uma fakeada sem sangue em Juiz de Fora e uma enxurrada de “fake news” (preciso traduzir?) disparadas às vésperas das eleições pelas redes sociais, como os inexistentes “kit gay” e “mamadeira erótica” que seus apoiadores atribuíram ao adversário, especialmente pelo whattsapp, Vendeu sua imagem de não-político e não faltou quem a comprasse, a despeito de quase três décadas dormitando no Congresso, servindo-se do sistema que fingia combater. Ou seja, como cantam Maria Bethânia e a bolsonarenta Nana Caymmi, “mentira, foi tudo mentira que você contou”.
O tiro na academia saiu pela culatra, a pressão sobre o Supremo não funcionou, o golpe de 7 de setembro do ano passado já havia falhado, o plano de explosão das dependências do Exército também. Enfim, o que resta de verdadeiro em Jair BolsoNero é que, e essa é a única remota semelhança com o personagem de Stallone, o “Micto” é mesmo um estouro. Um especialista em traque.
(Luís Antônio Albiero, em Jacareí, SP, aos 11 de fevereiro de 2022)